O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

Arquivo do blog

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Israel: um importante marco foi ultrapassado

Deu no Resistir.info:
por
John Pilger

Os bantustans no apartheid de Israel. De uma colina calcárea sobre o campo de refugiados de Qalandia pode-se avistar Jerusalém. Observei uma figura solitária que ali se postava à chuva, com o filho a segurar o seu grande casaco esfarrapado. Ele estendeu a mão e não a largava. "Sou Ahmed Harnzeh, animador de rua", disse num inglês cuidadoso. "Lá, toquei muitos instrumentos musicais, cantei em árabe, inglês e hebraico e, como eu era bastante pobre, meu filho muito pequeno mascaria gomas elásticas enquanto o macaco fazia seus truques. Quando perdemos o nosso país, perdemos o respeito. Um dia um kuwaitiano rico parou o seu carro diante de nós. Ele gritou para o meu filho: "Mostre-me como um palestino apanha as suas rações de comida!". Assim, fiz o macaco aparecer para apanhar comida no chão, na sarjeta. E meu filho apanhou-a. O kuwaitiano atirou-lhe moedas e meu filho engatinhou de joelhos para apanhá-las. Isto não estava certo, eu era um artista e não um mendigo... Agora não sou nem mesmo um camponês....

[ . . . ]

Isto foi há 40 anos atrás. Na minha última viagem à Cisjordania pouco reconheci de Qalandia, agora anunciada por um vasto posto de controle israelense, um zig zag de sacos de areia, tambores de óleo e blocos de cimento, com filas de pessoas, à espera, a espantar moscas com preciosos documentos. Dentro do campo, as tendas haviam sido substituídas por barracas firmes, embora as filas junto às poucas torneiras fossem longas e o pó ainda contribuísse para fazer lama com a chuva. No gabinete das Nações Unidas perguntei acerca de Ahmed Hamzeh, o animador de rua. Foram consultados registos, cabeças sacudiram. Alguém pensava que ele fora "levado embora... muito doente". Ninguém sabia do seu filho, cujo tracoma agora certamente transformara-se em cegueira. Do lado de fora, uma outra geração chutava na poeira uma bola de futebol furada.

[ . . . ]

Em 2005, o espectáculo de fanáticos do Velho Testamento a choramingar quando deixavam Gaza foi uma fraude. A construção dos seus "colonatos" acelerou-se na Cisjordânia, juntamente com a muralha ilegal estilo Berlim que separa os agricultores das suas culturas, as crianças das suas escolas, as famílias uns dos outros. Agora sabemos que a destruição por Israel de grande parte do Líbano no ano passado foi previamente planeada. Tal como escreveu a antiga analista da CIA Kathleen Cristison, a recente "guerra civil" em Gaza foi realmente um golpe contra o governo eleito do Hamas, engendrado por Elliott Abrams, o sionista que dirige a política americana sobre Israel e um criminoso condenado desde o tempo do caso Irão-Contra.

[ . . . ]

Mas alguma coisa está a mudar. Talvez o panorama de horror do último Verão irradiado do Líbano para os écrans de TV de todo o mundo funcionem como catalisador. Ou talvez o cinismo de Bush e Blair e a incessante utilização do discurso vazio sobre o "terror", juntamente com a disseminação diária de uma insegurança fabricada em todas as nossas vidas, tenha finalmente chamado a atenção da comunidade internacional para os estados bandidos (rogue states), a Grã-Bretanha e os EUA, voltando-a para uma das suas fontes principais: Israel.

[ . . . ]

O maré do boicote está a crescer inexoravelmente, como se um importante marco houvesse sido ultrapassado, recordando os boicotes que levaram a sanções contra o apartheid sul-africano. Tanto Mandela como Desmond Tutu traçaram este paralelo, assim como o ministro sul-africano Ronnie Kasrils e outros ilustres membros judeus da luta de libertação. Na Grã-Bretanha, uma campanha muitas vezes conduzida por judeus contra a "destruição metódica do sistema de educação [palestino]" pode corroborar aqueles que descreveram a partir dos territórios ocupados o arbitrário encerramento de universidades palestinas, a perseguição e humilhação de estudantes em postos de controle e os disparos e as mortes de crianças palestinas no seu caminho para a escola.

[ . . . ]

Isto é pouco habitual, pois outrora não se ouviam estas palavras. E que tão grave discussão de um boicote se tenha tornado "global" não estava previsto no Israel oficial, há muito confortado pelos seus mitos aparentemente intocáveis e o grande poder dos seus patrocinadores, bem como a confiança em que a mera ameaça de anti-semitismo asseguraria o silêncio. Quando a decisão dos académicos britânicos foi anunciada, o Congresso dos EUA aprovou uma absurda resolução descrevendo a UCU como "anti-semita". (Oitenta deputados foram a Israel este Verão, às custas dos dinheiros públicos)

[ . . . ]

O corajoso historiador israelense Ilan Pappé acredita que um único Estado democrático, no qual seja dado aos refugiados palestinos o direito de retorno, é a única solução factível e justa, e que uma campanha de sanções e boicote é crítica para alcançar isto. Será que a população israelense ficaria comovida por um boicote mundial? Embora eles raramente admitissem isto, os brancos sul-africanos foram suficientemente abalados para apoiar uma mudança histórica. Um boicote de instituições, bens e serviços israelenses, afirma Pappé, "não mudará a posição [israelense] num dia, mas enviará uma mensagem clara de que [as premissas do sionismo] são racistas e inaceitáveis no século XXI... Eles teriam de optar".

E assim deveríamos fazer todos nós.

23/Agosto/2007

Nenhum comentário: