Henrique Costa - Observatório do Direito à Comunicação 03.09.2007 |
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Grandes expectativas e uma boa dose de autocrítica devem permear o II Fórum de Governança da Internet (IGF), evento que acontece em novembro no Rio de Janeiro. Resultado de um grande esforço do governo brasileiro em trazer o evento para o solo nacional, o II IGF deve ter como principal discussão mais do que os temas convencionais do ambiente virtual, mas a própria razão de sua existência. Diferentemente da sua última edição em Atenas, caracterizada pela ausência de poder deliberativo, devem estar no centro da pauta no Rio de Janeiro o modelo de governança da Internet e o poder do próprio IGF. Está prevista para setembro uma reunião em Genebra, na Suíça, para definir o formato do Fórum e as pautas centrais das discussões. A discussão sobre o modelo de governança é relativamente nova, tendo sido inaugurada na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação da ONU (CMSI), realizada em duas etapas: Genebra em 2003 e Tunis em 2005. Naquele momento, o debate sobre a internet passava a tomar grandes proporções, trazendo duas principais fontes de descontentamento, sobretudo para os chamados países em desenvolvimento: o controle exercido pelos EUA no ambiente virtual através da Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e a ausência de regulação e governabilidade sobre outros recursos da internet, como os famigerados spams, a reprodução de conteúdos preconceituosos, pedofilia e a própria estrutura física da rede, instalada quase completamente nos EUA e na Europa. Governança A Icann é uma entidade privada que governa todo o conteúdo da internet associado a nomes de domínios e números, ou seja, à “identidade” dos computadores (o protocolo TCP/IP). Instalada nos EUA, a instituição é obrigada a prestar contas ao Departamento de Comércio norte-americano e conta com a participação de outros países apenas através de um conselho consultivo. O governo norte-americano, junto a outros governos a ele alinhados, como Austrália e Israel, tem se negado a discutir um novo modelo de governança, com o argumento de que o modelo atual é suficiente e que não há necessidade de um modelo global. Gustavo Gindre, membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e coordenador do Intervozes, entretanto, acredita que a correlação de forças pode mudar no próximo IGF. “A União Européia vinha se mantendo neutra nesta discussão, mas agora tem demonstrado uma posição mais crítica em relação à postura dos EUA”, afirma. O governo brasileiro pretende que, ao sediar o evento, tenha poder de influência sobre os rumos da governança da internet. A proposta brasileira é a de um modelo próximo ao do Comitê Gestor da Internet no Brasil, que conte com a participação de representantes do governo, da sociedade civil, de acadêmicos e empresários. Segundo a assessoria de imprensa do Itamaraty, “em conformidade com os resultados da CMSI, o governo brasileiro considera que a governança da Internet deve contar com a participação de todos os setores em seus respectivos papéis, cabendo especificamente aos governos, em igualdade de condições, a elaboração de suas políticas públicas globais. A esse respeito, convém observar que o modelo de governança da Internet adotado internamente no Brasil já prevê a participação do terceiro setor, da academia e da iniciativa privada, que têm assentos no Comitê Gestor da Internet no Brasil”. Nos bastidores do IGF já é inclusive conhecida a articulação entre Brasil, Índia e África do Sul para fortalecer uma proposta nesta direção. Carlos Afonso, diretor-executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e também membro eleito do CGI.br, não acredita, por sua vez, que exista alguma divergência na pauta geral. “Não há questão central. Há cinco temas definidos para o debate: acesso, diversidade, abertura, segurança, e recursos críticos da Internet. Há ainda uma extensa lista de oficinas paralelas - originalmente 60 - tratando de assuntos relacionados à governança”, afirma, recusando a idéia de que o IGF deva ter centralidade no questionamento da política norte-americana para a internet. “A governança da Internet é muito mais que isso. O assunto relativo ao campo de atuação da Icann vai ser discutido sob o tópico ‘recursos críticos da Internet’”. “Multi-stake holder” O IGF é estruturado de maneira a contemplar a participação da sociedade civil nos mesmos espaços em que os governos discutirão suas propostas para o ambiente virtual. Esta política, conhecida no jargão da ONU como “multi-stake holder”, apesar de convidativa, segundo Carlos Afonso, ainda não sensibilizou devidamente as organizações. “O IGF é um encontro pluralista, apesar de ser estruturado pela ONU e pelo país-sede de cada fórum. Portanto há abertura ampla para a participação da sociedade civil. No entanto, tem sido muito difícil engajar entidades civis no debate sobre governança da Internet”. O governo brasileiro tem opinião semelhante no que diz respeito à ainda incipiente participação da sociedade civil no Fórum. “A decisão do governo brasileiro de candidatar-se, com o apoio do CGI.br, a ser sede do II IGF foi tomada levando em consideração o objetivo de assegurar a todos os setores da sociedade brasileira e latino-americana a oportunidade de participação nos debates mais relevantes sobre o tema da governança da Internet. A propósito, convém registrar que a presença de representantes dos países em desenvolvimento – muito particularmente da América Latina e do Caribe – na primeira reunião do IGF, em Atenas, em 2006, foi bastante baixa e a existência desse equilíbrio na participação é essencial para dotar de legitimidade o trabalho do IGF”, afirma a assessoria de imprensa do Itamaraty. Para Gustavo Gindre, a participação da sociedade civil neste processo pode ser vista de maneira positiva, mas isso não resolve alguns problemas intrínsecos a um Fórum não-deliberativo. “No Fórum, a sociedade civil participa em pé de igualdade com os governos. Por exemplo, as mesmas plenárias contam com a Microsoft, o governo da China e organizações não governamentais. O problema é como montar uma estrutura deliberativa para isso. Ainda não existem critérios. A Fundação Bill Gates e o governo brasileiro devem ter o mesmo peso?”, pergunta Gindre. Além da possibilidade de participação no IGF, a sociedade civil também se articula num fórum permanente chamado Caucus, que agrega organizações da América Latina e do Caribe em torno das necessidades da região em relação à sociedade da informação. “O Caucus da Sociedade Civil sobre Governança da Internet é um fórum permanente que existe desde o processo da CMSI, e o objetivo é justamente debater o que o seu nome indica e fazer propostas, bem como mobilizar a sociedade civil em torno dos temas da governança. Os membros do Caucus têm participação destacada nas oficinas e nas coalizões dinâmicas, e espero que tenham também forte participação nas sessões principais do IGF”, afirma Carlos Afonso. | |
Extraído de http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=1275 acesso em 04 set. 2007.
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