Mauro Santayana
Até o século 18, a China foi, para a maioria dos europeus, alguma coisa como o outro lado da Lua. Era o mundo de miséria e de sabedoria sem proveito, carregada de distantes imagens e metáforas estranhas. Não obstante esse isolamento, a China, com sua imensa população e extenso território, era vista com certo temor. Ao estabelecerem relações precárias com o Império do Meio, depois de duas tentativas frustradas, os ingleses cuidaram de quebrar a resistência moral de seus povos, mediante a disseminação do ópio. Quando os governantes proibiram o tráfico da droga, produzida na Índia e ilegalmente comercializada no país, a Grã-Bretanha lhes moveu a guerra colonial, em nome do livre-comércio.
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São muitos os que procuram creditar o surpreendente desenvolvimento econômico da China ao neoliberalismo. É ver a realidade pelo avesso. Os chineses, que não tiveram pressa, aprenderam, durante os últimos dois séculos, a entender o inimigo, a usar suas armas e o seu conhecimento. Enquanto, no mundo inteiro, as elites dirigentes destruíam o Estado Nacional, os chineses o reforçaram. Podemos contestar o sistema, sobretudo porque o pensamento ocidental não é exatamente o dos chineses. A idéia do Ocidente foi uma revolução no mundo antigo, exatamente por fundar-se nos sentimentos de liberdade e de igualdade. Por enquanto, e provavelmente só por enquanto, a visão chinesa é outra. Desde a adoção do marxismo, ajustada à sua visão do mundo, a China imita o Ocidente, mas, nem tanto. Não se pode dizer que haja ali, agora, o laissez-faire em sua reabilitação neoliberal. A China recebe investimentos e tecnologia estrangeira e oferece mão-de-obra barata, mas o Conselho de Estado, que controla tudo mediante os órgãos do governo, estabelece os planos, as metas econômicas e a administração da moeda, sem abrir mão de sua inteira soberania, assegurando, para o Estado, a maioria acionária em todas as atividades estratégicas. A soberania se funda na eficiência e na vigilância do governo nacional. Os dirigentes do país sabem explorar, assim, e para proveito de seu futuro, a ambição de lucro do capitalismo. Com os resultados obtidos, no crescimento da economia e na ampliação do conhecimento, a China prossegue no caminho histórico de recuperação do orgulho nacional, anterior à humilhação imposta pelos colonizadores europeus. É a vitória do Estado sobre a globalização.Vendo o mundo da Ilha de Santa Helena, Napoleão pôde dizer ao embaixador lorde Amherst, que voltava, em 1816, da segunda das frustradas missões inglesas à China: "Quand la Chine s'éveillera, le monde tremblera".
Mauro Santayana escreve nesta coluna aos domingos. Leia na íntegra em http://jbonline.terra.com.br/editorias/pais/papel/2007/08/19/pais20070819002.html
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