Da Agência Carta Maior:
10/08/2007 | Copyleft
POLÍTICA INTERNACIONAL
Dois anos após França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora e o futuro da Europa está nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy. A Europa está cada vez mais parecida com sua longa história. A análise é de José Luís Fiori.José Luís Fiori*
Como era de esperar, o longo impasse europeu está se transformando num conflito aberto. Dois anos depois da França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora para casa, e o futuro da Europa está agora nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy, mas as divergências são cada vez maiores. Faz poucos dias, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, comparou a criação da UE, com um “grande império”, e enfureceu o primeiro-ministro britânico. Não poderia ser diferente, porque logo depois da posse do novo governo trabalhista, seu secretário de relações exteriores, David Miliband, declarou ao jornal Financial Times, que a Grã Bretanha se transformou num “global hub” entre os principais pontos e povos da humanidade, e que portanto, não pode abrir mão de sua condição de potência global, e de ponte entre os EUA e a UE. Ou seja, Miliband anunciou ao mundo, com todas as letras, que o governo de Gordon Brown não se submeterá ao sistema monetário europeu, nem aceitará qualquer tipo de soberania imperial, ou de política externa unificada, sob o comando de Bruxelas.
Do outro lado do Canal, o novo presidente frances, Nicolas Sarkozy, empossado no mês de maio, já fez declarações e tomou decisões que colocam a França em confronto direto com a Alemanha, e com quase todos os seus pares da UE. Numa mesma semana, anunciou a decisão de atrasar o cumprimento francês do acordo de eliminação dos déficits orçamentários, estabelecido para 2010, e de levar a frente políticas protecionistas, para defender o emprego dos franceses ameaçado pela globalização liberal. E o que foi mais grave, defendeu a politização da política monetária do Banco Central Europeu, que segundo ele, deveria se submeter à uma estratégia européia de longo prazo, Além disto, a nova ministra da fazenda, Chistine Lagarde, conclamou os banqueiros e financistas a trocarem os Estados Unidos e a Grã Bretanha pela França, para transfomar Paris num grande centro financeiro global, situado na liderança de uma “economia nacional vibrante”, e em declarada competição com Londres e Frankfurt.
A resposta alemã foi imediata e dura: seu ministro da Fazenda, o social-democrata Peer Steinbruck, declarou em Bruxelas, no dia 10 de julho, com tom de deboche, que “ele não tinha nada contra o fortalecimento da moeda européia, pelo contrário, ele amava o euro forte”. E além disto, afirmou em tom mandatório, que todos os estados membros da UE terão que “zerar seus déficits orçamentários até 2010, sem nenhuma exceção”. A própria ministra Angela Merkel saiu à luz e deu uma entrevista seca à televisão alemã, exigindo que o presidente francês “pare de desestabilizar o euro, e a independência do Banco Central Europeu”. E deixou circular, paralelamente, a informação de que seu governo está preparando uma legislação especial - igual a que há nos EUA, Grã Bretanha e França - para impedir a desnacionalização de setores econômicos estratégicos para a segurança nacional alemã, como as telecomunicações, a energia e o setor bancário.
Paradoxalmente, esta briga está clarificando o cenário, depois de dois anos de pasmaceira generalizada. O governo de Angela Merkel unificou a elite política e empresarial alemã, e passou à ofensiva, assumindo a liderança agressiva da unificação européia, e da ocupação econômico-financeira da Europa Central. Além disto, acelerou seu projeto de integração econômica com a Rússia, independente do resto do continente, e voltou à sua posição de sheriff do rigor fiscal e monetário dos demais países europeus, com uma retórica econômica ortodoxa e liberal, característica das potências hegemônicas. Mas o jogo não terminou, e a França parece disposta a dobrar sua aposta. Enquanto Angela Merkel criticava o governo francês, o presidente Sarkozy viajou para a Argélia e a Tunísia, e propôs a criação de uma União Mediterrânea, incluindo os países da costa norte-africana, e a Turquia, sob a liderança francesa, e de costas para a Europa germânica, e para o “global hub” britânico. E ao mesmo tempo, no dia 12 de juilho, liderou um manifesto dos países mediterrâneos da UE, favorável à mudança da posição ocidental, frente à questão palestina, por cima das decisões e instâncias oficiais de Bruxelas.
Cabe saber se a França tem bala na agulha para sair do plano retórico. Mas de qualque maneira, é certo que o distanciamento entre a Alemanha, a França e a Grã Bretanha está se confirmando também no plano da disputa energética. A AIE difundiu nos últimos dias, um informe prevendo problemas graves de oferta de petróleo e gás, nos próximos cinco anos, e o aumento contínuo da sua demanda e dos seus preços. E frente a isto, cada uma das potências européias está buscando solução pelo seu lado: a França, com o petróleo do norte da África; a Grã Bretanha, com o dos países nórdicos; e a Alemanha, com o petróleo e gás, da Rússia.
Como se não fosse pouco, os Estados Unidos insistem em instalar seu “escudo anti-mísseis” na Polônia e Republica Checa, e não abrem mão da independência do Kosovo. Com isto os norte-americanos conseguem irritar a Rússia, e recolocá-la na tradicional posição do “príncipe negro”, que assusta os europeus, desde os tempos de Ivan o Terrível. Primeiro, os russos falaram em abandonar o Tratado das Forças Convencionais na Europa, assinado em 1990. Mas agora, o governo Putin anunciou que responderá ao “escudo” norte-americano, com a instalação de um novo sistema de foguetes em Kalingrado, o enclave russo situado entre a Lituânia e a Polônia, que já foi a capital da Prussia Oriental e terra natal de Immanuel Kant, o filósofo da “paz perpétua”. Todos estes movimentos lembram passos de um minueto, simétricos e previsíveis. Mas não há dúvida que a Europa voltou a se mexer, e está cada vez mais parecida consigo mesmo e com sua longa história passada. Até o papa alemão resolveu entrar na dança, e atacar os protestantes e a Igreja Anglicana, por conta de antiquíssimas divergencias teológicas. Mas neste ponto, pelo menos, a imprensa e todos os governos europeus estão de acordo: como já está se transformando num hábito, uma vez mais, o papa dos católicos exagerou na dose.
* José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Artigo publicado originalmente em espanhol, na revista Sin Permiso, da qual José Luís Fiori faz parte do Conselho Editorial.
Extraído de http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14572&alterarHomeAtual=1, acesso em 14 ago. 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário