O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sábado, 15 de setembro de 2007

Independência, Independências (Parte II)

Deu na Agência Carta Maior:
Análise & Opinião
14/09/2007
DEBATE ABERTO

Foi necessária a proclamação da República para que alguns heróis populares subissem ao panteão dos feitos patróticos. Assim mesmo essa recuperação foi lenta, insegura e desigual. Ver o nosso processo de independência sem a exclusividade dos Bragança a conduzi-lo é difícil até hoje. Francisco Carlos Teixeira

Seria necessário esperar a República para que os heróis populares pudessem subir ao panteão da República. Tiradentes será seu paradigma. Sua vida será constituída em régua e compasso. Simples, pobre, incansável e, acima de tudo, leal. O herói que foi traído e não traiu jamais, no dizer do poeta. Sob os dois primeiros presidentes – não por acaso militares – Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, os ideais republicanos animados por homens verdadeiramente republicanos como Ruy Barbosa, colocaram em marcha uma visão republicana para o Brasil. Os valores da frugalidade, da lealdade e da abnegação foram elevados à marca republicana. Tudo isso cabia bem ao Presidente Floriano. Só então, livres do Império e de suas conivências dinásticas podia-se construir um panteão da pátria. Outros nomes se juntariam a Tiradentes, como os heróis executados durante as maquinações da família real no Rio de Janeiro. O ideal republicano persistiria, contudo, e seria recuperado, ainda de forma lenta e desigual por essa primeira República. Nomes como Frei Joaquim do Amor Divino Caneca e o Capitão Pedro Ivo comprovariam o vigor e a profundidade dos ideais republicanos de Pernambuco.

A rebeldia republicana de Pernambuco

Descentrando a história dos eventos do Rio de Janeiro, adensados em crise entre 1808 e 1822, podemos ver que existiam projetos autônomos e diferentes de emancipação política do Brasil, para além da senda aberta pelo príncipe Pedro. Ainda uma vez, em 1817, Pernambuco tentará a República. Nos mesmos anos em que as Colônias de Espanha tornavam-se repúblicas, o rastilho de independência avançava. Já em 1816 o Vice-Reino do Prata proclamara-se uma República e os ideais bolivarianos expandiam-se pelas Américas. Os exércitos espanhóis eram batidos – ao menos um brasileiro perfilava como bolivariano: o general Abreu Lima, cujo pai fora executado por ordens do Príncipe Regente. Ainda uma vez, a mão rude da Coroa abater-se-ia sobre a revolta republicana. Através do governador Caetano Pinto Montenegro aplicar-se-ia a pena máxima a doze dos libertadores. No mesmo dia em que o Príncipe Pedro festejava suas bodas com uma princesa européia.
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Ainda em 1824, explicitando que a emancipação patrocinada pela dinastia não era a independência desejada por todos e sequer o único projeto em curso, os pernambucanos novamente se sublevaram, proclamando a Confederação do Equador. Ainda uma vez a repressão brutal abateu-se sobre o Recife e iria culminar no fuzilamento de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Mas, Pernambuco não esqueceria os seus heróis e já em 1852, sob a condução viril do Capitão Pedro Ivo, voltaram seus olhos para a República. Era a Revolta dita Praieira.

O Império sufocou a história da República

Sobre isso os historiadores do Império calaram. Ergueram uma versão da Independência centrada em Pedro, amparado por José Bonifácio de Andrade e Silva, o que é bastante fiel aos acontecimentos daqueles dias. Mas, eis aí a questão: esta não é, de forma alguma, a única história da emancipação política do Brasil. Vamos repetir: 1822 não é o marco de ruptura, e nem mesmo o alfa-ômega da emancipação política no interior do próprio projeto regido pelo Príncipe Pedro. Teríamos que trazer a baila outros momentos do processo de emancipação, partindo da data-símbolo de 1808. A chegada da Família Real e a transferência da capital do Império para o Rio de Janeiro mudaria para sempre, e de forma inexorável, as relações colônia-metropole. Depois de 1808 o Brasil não voltaria, de forma alguma, a situação imposta pelo Alvará Régio da Rainha Louca de 1785 com a proibição das indústrias no Brasil. De 1808 até 1821, quando o Rei João VI retorna a Portugal, praticou-se uma série de atos que mudariam definitivamente a face do Brasil. Do ponto de vista econômico deu-se o chamado Fomento Joanino, uma serie de medidas que literalmente libertavam o país das rígidas normas mercantilistas, tendo como seu ponto alto a Abertura dos Portos. Do ponto de vista cultural e político criava-se, no Rio de Janeiro, um embrião de sociedade civil, dotada de imprensa, livrarias, cafés e teatros... Institucionalmente eram criados os níveis governativos para um país autônomo, para além das mesas da administração colonial portuguesa.

Independência e Estado Nacional

O Estado Nacional brasileiro, ferramenta básica para emancipação e que não emergeria na Inconfidência Mineira, emergia agora pelas mãos do ministério do Príncipe, depois Rei, João. Em 1815, outra data central em tal processo, o Brasil será convertido em Estado e associado a Portugal como Reino Unido. Assim, institucionalmente, desde 1815 o país formava um só corpo político com Portugal, sob a mesma dinastia dos Alcântara e Bragança e cessava seu estatuto colonial. Contudo, com a vitória da Revolução constitucional e liberal no Porto, e depois em todo o Portugal, impunham-se mudanças, a primeira das quais a limitação do poder absoluto da Monarquia.
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A revolta popular estava embalada, contudo em forte engodo. Os interesses lusitanos, ultra-liberais, não estavam em acordo com os interesses, também liberais, dos brasileiros. O liberalismo era suficientemente flexível para permitir fortes diferenças – as liberdades propostas para a população do Reino, limitando os poderes da Monarquia, impunha também a limitação dos direitos dos brasileiros.
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Liberais contra a Independência

Os liberais portugueses haviam descoberto que a única solução para manter o Brasil seria extinguir com o Brasil. Do Pará ao Rio Grande de São Pedro surgiriam províncias autônomas de Portugal e restaria como Brasil uma vaga configuração geográfica. O risco era imenso e os brasileiros perceberam o potencial de uma aliança com a dinastia. Em nome do patriotismo mesmo radicais republicanos estavam dispostas a um acordo com a dinastia. Surgia, então, um Partido Brasileiro. Assim, brasileiros e Pedro de Alcântara iniciaram sua conspiração contra as Cortes de Lisboa.
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Mais tarde, em 1823, o Príncipe repetiria a façanha. Descontente com os rumos dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, trará a Cavalaria para cercar o velho prédio do Campo da Aclamação – hoje Colégio Rivadávia Correa – e dispersará os debutados eleitos afirmando que redigiria uma constituição “digna do Brasil e de mim mesmo”!

O Rompimento Político

A partida do rei para Portugal, levando sua temível esposa, descalça para não ter aos pés o pó do Brasil e com a múmia da Rainha Louca, marcava o final melancólico e enlutado da presença do Rei de Portugal nos trópicos.
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Contudo, a agenda do Príncipe era mais ampla. Em pequenas questões exprimia-se claramente os limites nacionais da emancipação. Era assim com o instituto da Caixa de Defuntos e Ausentes, que explicitava a continuidade dos direitos lusitanos. Mas, era assim, principalmente com a clausula sobre a acumulação de Coroas, o que impediria, para sempre, Pedro tornar-se rei de Portugal. Durante todo o Primeiro Reinado, de 1822 até a abdicação de 7 de abril de 1831, viveu-se sobre o risco da provisoriedade da Independência. A possibilidade de Pedro herdar o trono português e novamente unir as duas monarquias era real. Assim, somente sua abdicação – exatamente para tornar-se rei de Portugal como Pedro IV – rompeu de vez com os vínculos dinásticos entre as duas nações.

Um longo processo histórico

Se, assim pensarmos, a independência real do país só se daria em 7 de abril de 1831, quando Pedro embarca para Portugal, deixando entre nós seu filho, herdeiro do trono da América. Assim, a independência não foi um ato no dia 7 de setembro de 1822, mas um longo processo que durara, entre revoltas e duras provas, até 1831. Grande parte das lutas será mesmo para limitar e redefinir os poderes auto-concedidos do Príncipe emancipador.
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Somente o advento da Republica poderá recuperar do esquecimento o nome dos heróis republicanos do nossa historia. Felipe dos Santos, Tiradentes, Frei Caneca, Pedro Ivo e tantos mais... Contudo a própria República traiu seus heróis. Logo após Deodoro e Floriano, já sob a Presidência Prudente de Morais, 1894-98, a velha elite do Império assumira o controle das instituições. O Brasil para será uma república sem republicanos. Os valores dos heróis da pátria – de Felipe dos Santos até o Capitão Pedro Ivo – serão esquecidos, numa república dominada pela oligarquia fundiária, marcada pelo marasmo e pela ausência de democracia. Teremos que esperar por 1930 para que os ideais republicanos novamente florescem nesta parte da América, mesmo que suportando brutalidades e desmandos. Ao menos, depois de 1930, conseguimos trazer a diversidade das narrativas e novamente ensinar aos nossos filhos – e ouso dizer, nossos netos – valores verdadeiramente republicanos, ainda hoje negados, tais como frugalidade, lealdade, civilidade e civismo. Que o esforço de hoje seja na direção de construir uma república de republicanos.

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leia na integra em http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=3722

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