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ltamiro BorgesA crise do sindicalismo, que já dura quase duas décadas, teve forte impacto na fundação e funcionamento das centrais sindicais, que têm como função superar a dispersão das categorias isoladas e unificar a classe para interferir nos rumos do país. No topo, o movimento sindical se encontra dividido e fragmentado, bem diferente de outros períodos históricos, nos quais sempre predominou uma única articulação horizontal da classe – como a Confederação Operária Brasileira (COB), dirigida pelos anarquistas no início do século passado, ou a CGT, no final dos anos 20, o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), nos anos 40, e novamente a CGT na década de 60, todas sob a hegemonia dos comunistas.
Apesar do nome, a CUT nunca foi a central única dos trabalhadores. Na década de 80, já concorria com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). Nos anos 90, devido à tsunami neoliberal, a fragmentação se agravou. A vitória de Collor de Mello inspirou o surgimento da Força Sindical (FS); já o governo FHC incentivou a fundação da Social-Democracia Sindical (SDS). Além destas, neste mesmo período surgiram também a CGTB, a CAT e outras entidades menos representativas. A “crise existencial” do sindicalismo no primeiro governo Lula reforçou ainda mais esta divisão. Contraditoriamente, a central que mais perdeu bases foi a inspirada pelo próprio presidente, o que confirma as limitações e graves equívocos da CUT.
As limitações da CUT
Devido ao quadro de divisão no topo e à realidade adversa na CUT, a sua segunda maior força interna, a Corrente Sindical Classista (CSC), também decidiu sair da entidade e fundou, num congresso no final de 2007, a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB). A fundação reuniu distintas tendências e setores do sindicalismo – inclusive federações e sindicatos da cidade e do campo que não se sentiam representados pelas atuais centrais. A CTB defende uma tática diante do presidente Lula que evite tanto a passividade acrítica da CUT como o voluntarismo esquerdista da Conlutas e da Intersindical. Nem chapa-branca, nem oposição sectária! Sem fazer o jogo da direita para evitar qualquer risco de retrocesso, ela propõe apoiar as medidas progressistas do governo Lula, mas também pressioná-lo para que avance nas mudanças.
Além destas críticas, os idealizadores da CTB retomam velhas polêmicas, que sempre estiveram presentes no conjunto do sindicalismo e no interior da CUT. Já no debate sobre a reforma sindical, promovido no primeiro mandato do presidente Lula através do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite que reuniu representantes do governo, do patronato e do sindicalismo, as diferenças de concepções se aguçaram. A corrente majoritária da CUT defendeu o fim da unicidade e da contribuição sindical e propôs uma estrutura centralizada na cúpula, retirando autonomia dos sindicatos na base. A CSC e várias entidades independentes, sem filiação às centrais, uniram-se para barrar o perigo da pulverização sindical, da redução dos recursos financeiros para as organizações dos trabalhadores e da concentração de poder no topo. Graças a esta atuação, a reforma sindical pretendida pela direção da CUT não saiu do papel.
O aumento das tensões na CUT, que resulta agora na criação da CTB, também reflete o intenso processo de realinhamento do sindicalismo mundial. No final do ano passado, num congresso na Áustria, foi criada a Confederação Sindical Internacional (CSI), com a fusão de duas antigas organizações: a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl) e a Confederação Mundial do Trabalho (CMT). Estas duas entidades sempre cumpriram papel de freio da luta dos trabalhadores, apostando na conciliação de classes e adotando práticas cupulistas e burocratizadas. A primeira era ligada ao pragmatismo sindical dos EUA e à social-democracia européia; já a segunda era dirigida pela democracia-cristã. Com a fusão, a CSI pretende garantir a total hegemonia do sindicalismo internacional, impondo a sua visão de defesa do capitalismo “civilizado” e de domesticação da luta de classe.
Prova da forte influência das nações imperialistas, o congresso quase não condenou o genocídio praticado pelos EUA no Iraque e Afeganistão, que já causou mais de 700 mil mortes, mas dedicou muitas páginas para condenar o governo da China. Ele também sequer mencionou a heróica luta do povo cubano contra o criminoso bloqueio econômico dos EUA e a resistência dos venezuelanos contra os golpes e sabotagens patrocinados pelo “império do mal”. Diante do real perigo representado pela CSI, que afirma representar 166 milhões de trabalhadores de 156 países, há um esforço do sindicalismo classista no mundo todo para reagrupar as suas forças. Este movimento cresce principalmente na América Latina, onde a resistência dos povos tem garantido expressivas vitórias nos últimos anos, com uma viragem à esquerda na região.
Diante dos sinais contraditórios do sindicalismo, fica evidente que ele terá enormes desafios pela frente. As possibilidades de revigoramento da sua atuação, decorrentes do tímido crescimento da economia e da postura democrática do governo Lula, não garantem por si só que conseguirá superar sua crise estrutural e “existencial”. É preciso dotar o sindicalismo de táticas e estratégicas ajustadas. Neste sentido, a CTB, a maior novidade do sindicalismo no último período, poderá dar importantes contribuições. No tocante ao governo Lula, é necessário extrair as lições do primeiro mandato para garantir três requisitos essenciais:
1) Preservar a autonomia. O sindicalismo não pode se confundir com o Estado, mesmo que o governo de plantão seja oriundo de suas lutas, sob pena de virar um mero apêndice, um dócil instrumento chapa-branca, sem capacidade de crítica e de mobilização de suas bases. Mesmo na experiência socialista na ex-União Soviética, que decorreu de uma revolução e não de uma mera eleição, a fusão do sindicato com o estado foi desastrosa. O sindicalismo perde suas funções de instrumento de luta e pressão social;
3) Agir com sagacidade. A direita neoliberal, derrotada nas urnas, está na espreita para retornar ao poder e para aplicar seus planos destrutivos. Ao mesmo tempo em que pressiona o governo para que ele avance nas mudanças, o sindicalismo deve usar sua inteligência política para evitar qualquer risco de retrocesso, para não fazer o jogo dos inimigos. Mantendo a sua autonomia, deve apoiar as medidas progressistas do governo, como o veto presidencial à Emenda-3, e denunciar todas as manobras das classes dominantes, como o movimento golpista do “Cansei”. Não basta lutar, é preciso saber lutar.
Além destes desafios táticos diante do governo Lula, o sindicalismo necessita aproveitar este momento de maior democracia para realizar profundo exame autocrítico da sua atuação. Os sombrios anos da tsunami neoliberal resultaram no seu afastamento das bases e na perda do seu poder de barganha. Para superar esta grave crise, que resultou na sua institucionalização e burocratização, o sindicalismo necessita concentrar energias e investir pesado na mobilização, conscientização e organização dos trabalhadores. Mobilizar, conscientizar e organizar – eis os três desafios estratégicos do sindicalismo.
Para isto é preciso refletir sobre a nova realidade do mundo do trabalho, atuando junto aos terceirizados e aos demais precarizados, usando a criatividade para atrair os jovens, priorizando a inserção das mulheres, concentrando esforços na organização no local do trabalho e investindo na formação política e sindical. Também é urgente estreitar os laços de solidariedade com o conjunto das forças populares, reforçando iniciativas como a da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). A realidade do trabalho hoje é mais complexa e fragmentada e o sindicalismo, por si só, não tem mais como cumprir o papel estruturante na resistência dos trabalhadores. Daí a urgência de investir com mais ímpeto nos movimentos sociais.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
Leia na íntegra em http://alainet.org/active/21473
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