Deu no Congresso em Foco:Com o propósito de associar o dogma à realidade, ideologia à lógica, o neoliberalismo é o jogo que inventa novos nomes para velhas desgraças, eleva-as ao máximo e as vende de volta aos trouxas como bênçãos. Bilhões de trouxas. É bem verdade que a linguagem cria o pensamento e vice-versa, só que o mesmo não se dá com o real a não ser magicamente. Sem contar que o intelecto ao manusear valores apega-se a fórmulas vazias (o neoconservadorismo é o que?), conquanto idéias vivas possuam valor e substância, logo não é necessário se apegar a elas. Infelizmente o nominalismo mais canalha é a bola da vez, relegando o universalismo ao lixo conceitual.
Márcia Denser*
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O contraste com a década de 60 é total: há quarenta anos a guerra ideológica entre as duas potências gerou idéias para abolir a pobreza do mundo e reabrigar os favelados. E hoje, o que temos? Um Pensamento Único e Um Favelão Estratosférico no lugar do que chamávamos mundo, emprego e futuro nenhum, aliás o futuro é atualmente o lugar mais perigoso da existência, melhor não pintar por lá em hipótese alguma![ . . . ]
Os ideólogos neoliberais – também altamente borgianos, mas no pior sentido, pelo fato de aplicarem o realismo mágico discursivo à vida dos outros – chegaram a dizer que essa humanidade excedente era “uma colméia frenética de protocapitalistas cobiçosos por direitos formais de propriedade e pelo espaço competitivo não-regulamentado” – não é um primor retórico? Ainda bem que estão longe do ramo, esses caras batem de longe os ficcionistas.Sem contar que essa massa transbordante não consiste de proletários legais oprimidos mas de pequenos empresários extralegais comprimidos. Comprimidos onde? Em sua versão mais absurda, os ideólogos retro e supra chegam a redefinir favela como “sistema de gerenciamento urbano estratégico de baixa renda”.[ . . . ]
Em primeiro lugar, o emprego informal é ausência de poder de barganha, de regulamentos, direitos e contratos formais. De acordo com Jan Breman, a pequena exploração infinitamente franqueada, é sua essência. A falácia da “revolução invisível” do capital informal de Hernando de Soto na verdade se refere a uma miríade de redes invisíveis de exploração caracterizadas pela tecnologia antiquada, baixo investimento de capital, natureza manual da produção, elevada taxa de lucro não tributada.[ . . . ]
Em terceiro lugar, a informalidade garante o abuso extremo de mulheres e crianças.[ . . . ]
Em quinto, por enfrentar condições tão desesperadoras, os pobres apelam com cega esperança para uma “terceira economia de subsistência urbana”, que inclui o jogo, loterias e outras formas semimágicas de apropriação de riqueza. Indo no popular: aqui o nome do jogo é jogo do bicho, forma semimágica de apropriação de riqueza que no Brasil é mais velha do que andar para trás.[ . . . ]
Em síntese: a retórica demonizadora das várias “guerras” internacionais ao terrorismo, às drogas e ao crime são um apartheid semântico: constroem paredes epistemológicas ao redor das favelas que impossibilitam qualquer debate honesto sobre a violência cotidiana da exclusão econômica.* A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.
Leiam na íntegra em http://congressoemfoco.ig.com.br/DetArticulistas.aspx?articulista=487&colunista=11
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