O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Turquia: dilemas entre o Islã e o Estado laico

Deu no Vermelho:
por Lejeune Mato Grosso, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Vice-presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da


Já era previsível a esmagadora vitória do Partido do atual primeiro Ministro, Recep Tayyip Erdogan, do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento). As pesquisas mostraram com bastante antecedência e comentamos isso em nossas colunas. O que se discute hoje é o rumo que uma Turquia, cuja população é 99,8% muçulmana, vai tomar com a manutenção no poder de um partido islâmico, ainda que moderado.
Os resultados

O que estava em jogo, em uma eleição antecipada, ocorrida no último domingo, 22 de julho, eram as 550 cadeiras do parlamento unicameral turco. O Partido – dito pela imprensa de “moderado” – de Erdogan venceu. Não atingiu a maioria dos votos e do eleitorado, obtendo 46,4% da votação popular. Mas, mecanismos de cláusulas de desempenho e de barreira, fazem com que as cadeiras sejam distribuídas em sua maioria ao partido que teve mais votos. Por essa matemática política, o AKP ficou com 340 vagas (isso equivale a 66% de todo o parlamento). Mas não obteve a maioria para as reformas que pretende ainda fazer.
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Os dados que pudemos ter acesso mostram o apoio dos estratos mais populares ao partido do governo, cuja elite no país vê com desconfiança. Nos bairros mais fortemente islâmicos, mais populares de Istambul, a votação foi esmagadora no AKP. A grande questão é: as reformas que estão ainda por serem feitas, vão mudar os rumos do país? Como ficará a questão dos curdos e seu braço político PKK ou Partido Curdo da Turquia (1).

A questão do Estado laico

A Turquia foi sede do Império Otomano desde o histórico ano de 1453. Nessa data, a cidade de Constantinopla (fundada pelo Imperador romano Constantino), fora tomada por exércitos guerreiros islâmicos. Era a época do Império Islâmico, que passava das mãos de seu comando dos árabes para os turcos, mas seguia islâmico.
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A Turquia vive o dilema de ser um país dividido entre a Ásia e a Europa, separado pelo estreito de Bósforo, na cidade de Istambul. Qual a vocação desse país? Identificar-se e unir-se à Ásia e aos países islâmicos ou juntar-se ao Ocidente europeu? Um dos mais conceituados cientistas políticos ainda vivo, Samuel P. Hungtintton tratou disso em seu já histórico Crash of Civilization, da Foreing Office do verão de 1995, ao qual tive oportunidade de estudar e publicar um artigo comentando. Hungtintton diz que a divisão é real e profunda. Parte da elite pode dar às costas ao povo islâmico e juntar-se à Europa, que rejeita a Turquia, que não a aceita. Quer apenas o seu mercado de consumo. Outra parte, talvez mais patriótica, deseja aprofundar as suas raízes e identidades asiática, islâmica e turca e quer distanciar-se do Ocidente.
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Acho difícil Erdogan emplacar o seu presidente, que já se declarou e reafirmou a sua candidatura. Isso irritará os militares, tidos como guardiães da constituição e da separação da Igreja do Estado. Mas, e o povo, como reagirá? Poderá ocorrer uma alteração constitucional para que o voto seja direto e não em sessões no parlamento. Vencerá o AKP? Mesmo vencendo, quem é que sai ganhando com isso? Como ficarão os interesses americanos com isso? Não tenho todas as respostas, mas seguiremos acompanhando os acontecimentos.

Nota

(1) Muitos dos dados desta coluna foram obtidos na reportagem intitulada “Modernidade islâmica”, de autoria de Gianni Carta, publicada em Carta Capital nº 455, de 1º de agosto de 2007, página 54-58.

Leia na íntegra em: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=22390

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