O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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domingo, 30 de setembro de 2007

Palmas para o grande traidor

Deu na Revista do Brasil:

O Estado nacional sofreu uma sucessão de golpes a partir da segunda metade do século 20. O ápice da agressão foi a chegada de FHC, que proclamou, arrogante, o seu fim
Por Mauro Santayana

Dois fatos de agosto chamaram a atenção do colunista. O primeiro é o processo contra parlamentares de quase todos os partidos, que se valeram de recursos de origem espúria, no episódio conhecido como “mensalão”. Quando redigíamos este texto, o STF começava a aceitar a denúncia contra a diretoria do Banco Rural. É um bom começo, tendo em vista os privilégios do sistema financeiro nacional. Espera-se que, seguindo esse fio, possamos chegar à punição dos que contribuíram para a remessa ilegal de recursos ao exterior, em caminhões fechados, pela fronteira de Foz do Iguaçu, usando o Banestado e outras instituições menores.
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No dia em que houver bom senso em nosso país, o Banco Central estará sob as rédeas rigorosas do Executivo e do Parlamento. Tal como ocorre nos Estados Unidos, seus diretores terão de executar a política decidida pelo Estado – e não ditar ao Estado a política a ser seguida. Em nosso país, o Banco Central tem servido apenas para engrossar os lucros das instituições privadas, como mostram os balanços publicados. Espera-se que o processo aberto no STF vá além dos parlamentares do PT – que são o alvo preferencial da mídia – e, seguindo os passos de Marcos Valério, chegue aos tucanos que o inventaram e dele se serviram em primeira mão, durante o governo de Eduardo Azeredo, em Minas Gerais.
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Vargas, não obstante ter governado ditatorialmente, foi o estadista que modernizou o Estado nacional, abriu caminho à ocupação do território, estabeleceu a infra-estrutura para o desenvolvimento industrial, com a Vale do Rio Doce, a Siderúrgica Nacional, a Petrobras e a Eletrobrás. E, ao criar as leis trabalhistas, começou a redimir o povo brasileiro da servidão às oligarquias, a que vinha sendo submetido desde os governadores gerais. O nacionalismo desenvolvimentista sofreu uma sucessão de golpes, sendo o ápice de sua decadência a chegada do sr. Fernando Henrique Cardoso, que proclamou, arrogante, ter-lhe dado fim no final do século 20.
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O desdém absoluto vem no final de suas declarações a João Moreira Salles. Dona Ruth Cardoso, presente à entrevista, conta que, certa vez, em Buenos Aires, foram reconhecidos por um ônibus de turistas brasileiros, que desceram e passaram a fotografar o casal. “Deviam ser todos petistas, Fernando, e você não passava de uma atração turística”, comenta a ex-primeira dama. Segundo a matéria, FHC não se dá por vencido. “Em restaurantes de Buenos Aires eu sou aplaudido quando entro. É que eu traí os interesses da pátria, então eles lá me adoram.” Sem comentários.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil, do qual foi colunista na Europa (1968 a 1973) e articulista free lancer de diversas publicações Leia na íntegra em http://www.revistadobrasil.net/ponto_de_vista.htm

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Por que o Rio Grande do Sul é assim (8)

Deu no Diário Gauche,
do Cristóvão Feil:

A militarização do castilhismo

Quando se fala em militarização do castilhismo rio-grandense não deve ser confundido como algo ligado à corporação militar brasileira, recém saída da Guerra do Paraguai (1864-1870). O espírito militarista que predominava no PRR resulta da própria situação meridional de fronteiras rebeldes e instáveis, mas também da arguta visão macropolítica de Júlio de Castilhos. É esta que nos interessa.
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A verdade é que a “questão militar”, de um simples incidente entre um alto oficial militar que homenageou quem protegia escravos fugidos e um Ministro civil do gabinete monárquico que o destituiu pelo gesto ousado, se transformou num processo político que precipitou não só a Abolição quanto a própria República. Castilhos alimentou a contradição entre militares e o gabinete monarquista, dando espaços diários aos fardados, já prevendo um desfecho favorável às pretensões republicanas provinciais e nacionais.
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Em 1892 quando Castilhos firma-se no poder, trata de montar um dispositivo militar engenhoso: consolida o que chama de Brigada Militar estatal e forma nos municípios – cerca de setenta, então – milícias paramilitares de 300 a 500 militantes políticos do PRR. Estas unidades civis, administrativamente, chamavam-se Corpo Auxiliar, mas a população chamava-os de “provisórios”. Os intendentes (prefeitos), não raro, eram ao mesmo tempo chefes políticos locais e chefes militares. Havia plena harmonia entre os chefes militares provisórios (civis) e os comandantes militares profissionais da Brigada Militar, que atuavam sob o comando do Presidente do Estado.
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Os governos castilhistas-borgistas estavam sempre aprimorando suas forças militares, tanto estatal, quanto seus corpos provisórios. Tinham permanentemente contratados instrutores de guerra da França e da Alemanha (duas escolas de guerra distintas) e renovavam seus armamentos, a ponto que, quando ocorre a Revolução de 1923, a Brigada, e mesmo os corpos provisórios, portavam armas que haviam sido lançadas na Primeira Guerra Mundial, em 1914.

O castilhismo, ao contrário dos Farroupilhas, nunca perderam uma só revolução armada, e foram apeados do poder pelo voto, já que o cenário de classes também se modificará bastante nos quase quarenta anos de exercício do poder.

Foto: ex-governador Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), governou em dois longos períodos, de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928. Em 1932 apoiou a Revolução Constitucionalista dos paulistas contra o presidente Getúlio Vargas, seu ex-companheiro do PRR.

Certa feita, quando governador, aproximou-se dele um chefe político de Santa Maria dizendo: “Doutor Medeiros, eu penso que...”, quando foi interrompido pela voz firme e calma de Borges, “Meu filho, tu pensas que pensa, mas quem pensa aqui sou eu”. Morreu com 98 anos de idade, em 1961.
Leia na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-parte_25.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (7)

Deu no Diário Gauche,
do
Cristóvão Feil:

O castilhismo e a chamada
“liberdade de imprensa”


Se um dos aferidores da democracia formal é de fato a liberdade de imprensa, então, o RS tinha mais democracia no final do século 19 do que na presente conjuntura.
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Hoje, este debate está morto. Não temos mais pluralidade nos órgãos de comunicação. Atualmente existe uma única linguagem político-ideológica. A pluralidade é apenas numérica e segundo a modalidade da mídia. De resto, temos uma mídia de pensamento único e inquestionável, a mídia do partido único da mercadoria. Que confunde deliberadamente (ideologicamente) cidadão com consumidor. A democracia que apregoa fica reduzida à miséria espiritual de se escolher entre um celular A, B ou C, uma bugiganga ruim ou uma bugiganga péssima. Os consumidores são laureados “vencedores”, os não-consumidores são indexados como “perdedores”. A velha bandeira liberal-burguesa da cidadania é substituída pelo audór colorido e iluminado do consumidor unidimensional. A proclamada “liberdade de imprensa” é a liberdade embrutecida do consumidor, não do cidadão esclarecido e autônomo.
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Castilhos se dedicou integralmente ao jornal A Federação, fazendo deste diário um instrumento forte de combate à monarquia. Em janeiro de 1885, ano que seria marcado por “sensacionais combates de Imprensa”, segundo um autor, chegam a Porto Alegre, o Conde D`Eu e a princesa Isabel, sua esposa. Castilhos mostra toda a convicção política e a sua “audácia irreverente em face de membros da família imperial, tanto mais grave por deflagrar num ambiente de província, em meio à aura de bajulação que envolvia o passeio propagandístico dos sucessores do trono” de Pedro 2º.

Júlio de Castilhos escreveu em A Federação: “O 1º Reinado foi a violência. O 2º é a corrupção. Que será o 3º ? O 3º não constituirá mais do que uma esperança dos príncipes que atualmente nos visitam, esperança que há de ser infalivelmente malograda”.
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A Federação não seria um diário singular na luta política do PRR, inúmeros outros jornais e publicações republicano-positivistas seriam criadas nos quase setenta municípios do Rio Grande do Sul e se constituiram em instrumentos estratégicos de criação e consolidação do poder castilhista-borgista por quase quatro décadas. De outro lado, os opositores do castilhismo, do Partido Federalista, também tinham suas inúmeras publicações de propaganda política, fazendo do Rio Grande do Sul um território de intenso debate e livre manifestação pela cidadania.

Já se vê que no quesito “liberdade de imprensa” o Rio Grande do Sul anda mais atrasado que no fim do século 19.

Leia na íntegra em
http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-parte_24.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (6)

Deu no Diário Gauche,
do Cristóvão Feil:

A revolução vinda de cima

“Revolução vinda de cima” é uma expressão leninista que procurou identificar o caráter da revolução burguesa na Alemanha de Bismark. No Rio Grande, os positivistas também fizeram uma revolução por cima. Embora o processo sulino não tenha tido o caráter reacionário como o apontado por Lênin na Alemanha.

Veja então que temos três modelos distintos de revolução burguesa: o modelo francês de 1789, uma revolução total, arquetípica, democrática e modernizadora em toda a sua expressão; o modelo alemão, reacionário (os de cima contra os subalternos), autocrático, e que operou a chamada modernização conservadora; e o modelo rio-grandense de 1893 (não confundir com a guerra civil Farroupilha de 1835, que nunca foi uma revolução stricto sensu), autoritário, modernizador e progressista – mas sempre burguês.
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Se os maragatos federalistas-gasparistas, orientados pelo líder bageense Gaspar da Silveira Martins (“idéias não são metais que se fundem”, e muito ligado a Pedro 2º), tivessem vencido a revolução de 1893-95, o professor Maestri teme que o Rio Grande se transformasse caricaturalmente “numa grande Bagé”.

Pode-se imaginar o cenário desolador, contribuição guasca ao dantesco quinto círculo do Inferno:
- grandes latifúndios despovoados e decadentes,
- economia subordinada e sem dinamismo,
- regime pastoril de baixíssima produtividade,
- agricultura estagnada,
- indústria inexistente,
- contrabando crescente,
- aparelho de Estado impotente e desautorizado,
- contas públicas deficitárias,
- confusão promíscua entre público e privado,
- assembléia de representantes loteando o território em zonas de interesse particularista,
- populações errantes perambulando em busca de trabalho e renda que jamais encontrariam,
- infra-estrutura ineficiente ou inexistente,
- isolamento e heteronomia do Estado,
- miséria generalizada,
- riqueza escassa e concentrada,
- possíveis invasões estrangeiras pela fronteira,
- aglomerações urbanas como viveiros privilegiados de doenças e epidemias,
- educação pública zero,
- territórios inteiros tomados por bandoleiros armados,
- bandidagem social,
- anomia social e política,
- guerra civil prolongada,
- razias, saques e prática corrente de aniquilamento de comunidades inteiras,
- intervenção federal militar e civil, etc.

Leia na íntegra em thttp://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-parte_18.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (5)

Deu no Diário Gauche,
do
Cristóvão Feil:

A constituição republicana e revolucionária

Júlio de Castilhos e seus companheiros da vanguarda comtista intuiram que o Rio Grande do Sul estava pronto para se modernizar, mas que essa necessidade histórica não se realizaria por si só. O “espírito revolucionário” exige ações revolucionárias estratégicas materializadas em instrumentos institucionais-constitucionais decisivos. Neste sentido, em primeiro lugar, era preciso um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, em segundo, era preciso uma imprensa partidária combativa, e terceiro, uma força militar estatal auxiliada por corpos provisórios politizados e treinados militarmente, a partir de militantes locais do PRR, com capilaridade em todo o território sulino.
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A Constituição rio-grandense e a prática político-administrativa do castilhismo por quase 40 anos, garantiram ao Estado funcionar praticamente como uma República autônoma do resto da Federação brasileira. Desta forma, o PRR cumpria agora o ideário Farroupilha de 1836, quando da decretação da malograda República Rio-grandense em Piratini.

Como assinala muito bem Luiz Roberto Targa, “essa constituição inédita e original não se baseou na dos Estados Unidos da América, como foi o caso das outras constituições brasileiras, tanto a da União, quanto a dos Estados”.
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Outro marco importante da gestão castilhista do Estado foi a reforma fiscal, cujo ponto central foi a substituição do imposto de exportação (quase sempre sonegado) pelo imposto territorial. Para tanto, era fundamental discriminar a esfera pública da esfera privada. Na prática, tratava-se de impor medidas efetivas de o Governo retomar as terras públicas ilegalmente apropriadas pela oligarquia rural nas últimas décadas do Império. Retomadas as terras, no período compreendido entre 1895-1906, legitimado pela vitória na guerra civil e com força militar suficiente para garantir o cumprimento da lei e da ordem estatal, o Governo castilhista entregou lotes rurais a posseiros, a companhias de loteamento e a pequenos proprietários.

Essas medidas cada vez mais afirmavam a consolidação do Estado burguês moderno, qual seja a de tornar autônoma a esfera estatal da esfera privada das oligarquias rurais tradicionais e atrasadas.

No Rio Grande do Sul isso foi conquistado a ferro, fogo e vontade revolucionária organizada e materializada em instrumentos concretos de mudança social.

No final desta série de pequenas notas, vamos linkar o artigo completo (que estará publicado num anexo), com bibliografia e indicação de leitura complementar.

Leia na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-parte.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (4)

Deu no Diário Gauche,
do
Cristóvão Feil:


A construção da hegemonia castilhista

Para entender a vanguarda positivista-castilhista militante do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), mas sobretudo compreender aquilo que Nabuco (antes de Lênin) sintetizou como o “espírito revolucionário” de uma dada conjuntura ímpar, original e irrepetível, vamos ver o que Florestan Fernandes considera como elementos que não podem faltar no momento do salto revolucionário (e isto vale tanto para o processo burguês, que estamos comentando, quanto para um processo pós-burguês, do qual estamos muito longe, pelo menos com o lulismo no poder e a autodesconstituição petista).
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O Rio Grande do Sul vivia a crise terminal do modelo escravagista agro-exportador, crise de mão-de-obra escrava (os cafeicultores paulistas vinham inflacionando o preço unitário da força-escrava pelo menos desde a proibição do tráfico, meados do século 19), aumento da divisão social do trabalho, assalariamento progressivo, novos agentes econômicos mais dinâmicos advindos das comunidades imigrantes (onde, por determinação de Pedro 2º , era proibido trabalho escravo), etc. Ora, se de um lado havia uma crise estrutural do sistema dominante, de outro, florescia uma sociedade baseada em novos valores sociais e culturais.
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Se a conjuntura histórica por si só quase conspirava para o desfecho de síntese, havia ainda três grandes tarefas instrumentais a realizar: 1) fixar um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, depois consubstanciado na Constituição autoritária de 1891; 2) uma imprensa partidária aberta à população, consubstanciado no combativo jornal republicano “A Federação” e inúmeros outros pequenos órgãos regionais de grande influência política; 3) uma força militar que sustentasse a nova ordem, consubstanciada na Brigada Militar como força pública estatal e a arregimentação de militantes do PRR como corpos provisórios militarizados para intervenção nos conflitos comuns no período, pelo menos até 1924 (os intendentes municipais funcionavam como chefes políticos e militares).

Adiante veremos cada uma destas estratégias políticas que garantiram a hegemonia da ordem castilhista por quase 40 anos no Rio Grande do Sul.

Leia na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-iv.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (3)

Deu no Diário Gauche,
do
Cristóvão Feil:

A revolução burguesa no Rio Grande do Sul

Investigar sobre a existência de uma revolução burguesa no limite meridional do Brasil implica em verificar dois fatores preponderantes: 1) a ação de atores das grandes transformações que estejam por trás da desagregação do regime escravocrata-senhorial; 2) a formação de uma sociedade de classes.

Como afirma Florestan Fernandes, no Brasil “a Revolução Burguesa não constitui um episódio histórico”, foi um desdobramento longo de pequenas e continuadas “rupturas com o imobilismo da ordem tradicionalista e a gradual chegada da modernização como processo social”.
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[Aqui um breve parêntese elucidativo, para quem não leu os dois sueltos anteriores desta pequena série: estamos investigando os motivos que levam a burguesia guasca a renunciar a sua própria revolução social, onde foi francamente vitoriosa, para apegar-se ao passado farroupilha que, embora heróico, foi uma sucessão de fracassos. Por que as fanfarras do Tradicionalismo organizado – e ideologizado – não evocam a vitória modernizante de 1893, preferindo lembrar as derrotas sucessivas de 1835-1845?]
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A guerra civil começa em 2 de fevereiro de 1893, quando o uruguaio Gumercindo Saraiva invade o Rio Grande com 400 rebeldes armados, em sinal de protesto pela reeleição de Julio de Castilhos à presidencia do Estado, tendo ocorrido sua posse uma semana antes, em 25 de janeiro. Saraiva, um colorado uruguaio, representava mais do que os fazendeiros maragatos, representava sociologicamente uma reação armada do macro sistema baseado no latifúndio e na pecuária de exportação. Dava-se início ao embate sangrento entre o Rio Grande atávico e conservador e o Rio Grande modernizante e planificador. A guerra civil foi obra cruenta, então, das forças oligárquicas reacionárias à Constituição estadual castilhista de 14 de julho de 1891.

A Constituição castilhista de 1891 foi um marco político da hegemonia republicano-chimanga no Estado. Representa uma ordem legal exemplar, que se poderia classificar com um tipo ideal weberiano – segundo Luiz Roberto Targa.

Mas isto veremos no capítulo seguinte.

No final desta série “Por que o Rio Grande do Sul é assim”, este blog indicará a bibliografia usada, bem como as devidas sugestões de leitura para aprofundar o tema aqui tratado.


Leiam na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-iii.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (2)

Deu no Diário Gauche,
do Cristóvão Feil:

A guerra civil de 1893-1895


O Rio Grande do Sul entrou na fase do conflito armado a partir de fevereiro de 1893. A guerra civil durou exatos 31 meses, até agosto de 1895. Morreram cerca de 12 mil pessoas, numa população estimada de um milhão de sul-rio-grandenses.

É considerada a mais bárbara das revoluções americanas, não só pelo número de mortos, mas pela brutalidade e extensão do conflito que incluiu a eliminação quase completa dos prisioneiros, que eram degolados (na foto, o célebre degolador Adão Latorre exibe a sua perícia macabra) impiedosamente pelo adversário, de ambos os lados. Existem relatos de que cerca de trezentos prisioneiros de determinada batalha tenham sido degolados após cessados os combates. Não existiam prisioneiros de guerra, neste sentido.
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Todos sabem que venceu o grupo castilhista, representado pelo Partido Republicano Rio-grandense (PRR). Castilhos foi sucedido em 1898 por Borges de Medeiros, da mesma linhagem castilhista-comtiana, que saiu do poder somente em 1928. A revolução de 93 ainda teria recaídas em 1923 e 1924, sempre com os mesmos antagonistas de classe e os mesmos motivos sócio-econômicos e de poder.

Que rivalidades tão profundas eram essas?
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A vanguarda republicano-castilhistas-borgistas (chimangos) fez a parte da revolução burguesa no País. Florestan Fernandes diz que “a Revolução Burguesa [brasileira] não constitui um episódio histórico” definido singularmente, marcado e datado. O caso brasileiro, segundo Florestan, foi um longo processo de absorção de “um padrão estrutural e dinâmico de organização da economia, da sociedade e da cultura”. Já no Rio Grande, a revolução de 93 é o ponto – sim – inaugural da revolução burguesa na região mais meridional do Brasil.

Mas isso é tema de outro post, nesta série em que estamos examinando por que o Rio Grande do Sul é assim.

Leiam na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim.html

Por que o Rio Grande do Sul é assim (1)

Deu no Diário Gauche,
do Cristóvão Feil:


Se aproxima o dia 20 de setembro, data que marca o início da chamada revolução Farroupilha, no distante ano de 1835. Para quem não conhece o Rio Grande e Porto Alegre, essas informações soam mais distantes ainda. Mas aqui neste blog, nos próximos dias, vamos tentar decifrar esses códigos da cultura gaucheira, esses constructos culturais cuidadosamente recortados da história factual e montados num painel mítico que representa a apropriação do imaginário popular dos indivíduos nascidos no Estado mais meridional do Brasil e , não por acaso, o que apresenta idiossincrasias especiais e um etos social muito particular, rico, variado, objeto da contribuição de inúmeras etnias – autóctones e transplantadas.
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E outras questões: por que no RS se festeja, se comemora uma derrota, sim porque os farroupilhas de 1835 foram derrotados durante dez longos anos pelas tropas do Império do Brasil, por que? Outra: por que o RS comemora o 20 de setembro e não comemora o 14 de julho? Sabendo-se que foi no 14 de julho de 1891 que a Assembléia Constituinte sul-rio-grandense deu posse a Júlio Prates de Castilhos como primeiro Presidente (hoje é governador) eleito no RS, e pode-se dizer que este é o marco da única revolução burguesa clássica havida no País. Nenhum Estado federado e nem o próprio Brasil teve uma revolução modernizante como o Rio Grande do Sul, através dos positivistas chimangos de Castilhos, e depois através de Borges de Medeiros, pelo menos até 1930, quando se encerra o ciclo modernizante inaugural da transição para o capitalismo nesta região meridional.

Por que a burguesia gaúcha, a direita guasca, comemora uma derrota – a farroupilha – em vez de comemorar uma vitória – a da revolução cruenta de 1893? Intrigante, não?
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O Rio Grande do Sul tem uma história muito expressiva, tão expressiva quanto o “riso” macabro dos degolados de 1893, dos “engravatados” de 1923 (a “gravata” era a língua exposta da vítima, por baixo e através do largo talho horizontal do corte da lâmina branca), e de uma revolução positivista-burguesa que ousou estatizar empresas estrangeiras ainda em 1920, que cobrou impostos de latifúndio em 1895 e que escolarizou todo o Estado, ainda no início do século 20.

Vamos ver tudo isso, aqui no blog, a despacito no más, um pouco a cada semana.

Leia na íntegra em http://diariogauche.blogspot.com/2007/09/por-que-o-rio-grande-do-sul-assim-se.html

O nacionalismo revolucionário

Deu na Adital:
Elaine Tavares *


Adital -
O nacionalismo sempre foi razão suficiente para os Estados-nacionais latino-americanos empreenderem transformações radicais na organização da vida. Foi na defesa da "nação" que iniciaram os movimentos de independência, ainda que naqueles dias o conceito fosse mais abrangente, uma vez que Bolívar sonhava com uma Pátria Grande, que aglutinasse um conjunto de países. De qualquer forma, as guerras tinham como objetivo primeiro assegurar a soberania dos povos desta parte do mundo diante da colônia. Era uma afirmação da nação.
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E hoje, quando se fala nos governos da Venezuela, Equador e Bolívia, tampouco se pode fugir do conceito de nacionalismo, embora os adversários e inimigos dos governantes em questão insistam em chamar de populismo a forma que eles encontraram de defender os interesses nacionais. Mas, na verdade, a nacionalização das riquezas, a valorização das culturas autóctones e a participação popular direta nada mais são do que elementos de uma receita que os países ricos sempre aplicaram para si, embora não admitam ver florescer nos países ditos "subalternos": o nacionalismo.
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Na América Latina, afirma o professor, o desenvolvimento capitalista apresenta um estado, estrutura de classe e economia muitos particulares. Aqui, burguesia e proletariado não existem de forma tão marcada. Na América Latina a burguesia é incompleta e, por isso, a análise tem de ser muito mais detalhada. "A nossa burguesia não fará a revolução. Ela rompe com o povo e se alia com o imperialismo. Tampouco há um proletariado forte. Dois terços dos trabalhadores não têm carteira assinada e ainda existe o MST que aglutina milhões de pessoas num processo que não cabe no capitalismo. Aqui temos um desenvolvimento no subdesenvolvimento e a relação de trabalho é quase feudal".
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Quando o populismo está hegemonizado pelos trabalhadores, segue o professor, a primeira coisa que os poderosos fazem é condenar o nacionalismo que quase sempre lhe está colado. Mas, isso só ocorre na periferia, pois nos países centrais ninguém se atreve a colocar em questão o nacionalismo. Quem questiona o fervor com que os estadunidenses defendem sua pátria? Então, reforça Nildo, o nacionalismo só pode ser uma arma das classes subalternas se, hegemonizado por elas, caminhar para uma revolução. Assim, as idéias nacionais que hoje tomam conta da Venezuela, Bolívia e Equador, se ainda aparecem apenas como populismo, há que se prestar bastante atenção para ver quem hegemoniza esse debate. Se são as gentes, o povo, os trabalhadores das mais variadas classes (as tantas que existem na América Latina, visto que o proletariado clássico tem pouca expressão), tudo leva a crer que o processo se radicalize, e siga sempre pendendo para o "fora da ordem".
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Na Venezuela, Bolívia e Equador, as comunidades indígenas, os trabalhadores informais, os camponeses, os desempregados são os que parecem estar na frente do processo. Daí as crises com o sindicalismo que, em outros tempos, era quem comandava as lutas. Hoje, na Venezuela, depois de anos sendo nada mais do que apêndices de governos corruptos e entreguistas, ou aristocracias laborais, os trabalhadores sindicalizados começam a correr atrás da hegemonia e encontram dificuldades. Ficaram muito tempo longe das demandas populares e foram ultrapassados pelas gentes que se organizam nos bairros, nos círculos bolivarianos etc.
[ . . . ]
O certo é que a luta de classes está mais do que viva nesta Abya Yala. Nos países mais ao norte da América do Sul, ainda há uma disputa acirrada no que diz respeito à hegemonia do processo, mas não dá para deixar de perceber que as reformas empreendidas seguem o rumo do nacional, da defesa dos recursos naturais, da recuperação da soberania, da busca da descolonização e da independência.
[ . . . ]
Enquanto isso, anestesiados com a idéia de que são governo, algumas lideranças de trabalhadores - principalmente as ligadas ao sindicalismo - perdem o contato com a realidade e não percebem que estão deixando escapar a possibilidade de tomar nas mãos o processo que iniciou com forte caráter popular. Por outro lado, os movimentos sociais que aglutinam sem-terra, desempregados, informais etc..., ainda não encontraram o caminho para a conquista da hegemonia. Assim, a lógica de Lula de tentar conciliar classes em conflito e a clareza que se tem de que não são as gentes trabalhadoras as que comandam o timão são elementos seguros de análise que levam a seguinte conclusão: ainda não estão dadas as condições para uma viragem significativa no Brasil. Muito trabalho ainda precisa ser feito para que o povo encontre seu lugar de poder no processo político brasileiro.

* Jornalista
Leia na íntegra em
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29702

domingo, 23 de setembro de 2007

Quem tem medo de Lula e Hugo Chávez?

Deu no Blog Do Emir:

Pânico nos arraiais da direita – a cabocla e a globalizada: Lula e Hugo Chávez se entendem. Depois de acalentar tanto as desavenças – saudá-las, aumentá-las, extrapolá-las -, volta o alarme. “Recaída populista, chavista de Lula?” “O Brasil se rende à petrodiplomacia venezuelana?” “Estamos cutucando onça com vara curta?” – entendendo por onça a águia do império estadunidense.
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Na reunião de Manaus, foram retomados acordos pendentes, que se referem à refinaria Abreu Lima, em Pernambuco, e à exploração do campo de Carabobo, na faixa venezuelana do Orinoco, pela Petrobrás e pela Pdvsa, com 60% e 40% de capitais de uma e outra, em cada um dos investimentos. Assumiram também compromissos para acelerar a construção do gadosuto continental, já iniciado na sua primeira parte, que vai até Belém e Recife, bem como em relação ao ingresso da Venezuela no Mercosul – desmentindo que haveria resistências mtuas insuperáveis.
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Perdem os setores empresariais intrinsecamente vinculados ao livre comércio, à exportação para os mercados centrais, os que se opõem à prioridade da integração regional, os que temem a unidade do continente, os que se subordinam à política imperial dos EUA. Perde a direita, interessada em desfazer a frente do Mercosul e de outros espaços de integração relativamente autônomos diante dos EUA, que privilegiam o Sul do mundo.
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No entanto, os dois têm em comum – assim como o Uruguai, a Argentina, a Bolívia, o ·Equador, Cuba, Nicarágua, Paraguai – privilegiar a integração regional, em detrimento dos tratados de livre comércio com os EUA. Mais do que isso, os acordos reafirmados na reunião entre Lula e Hugo Chávez, estendem a integração regional para o plano energético. Acordos e bom entendimento entre os governos da Venezuela e do Brasil, que têm que ser saudado por todos os que entendem que a integração regional é um espaço de autonomia em relação à hegemonia dos EUA e aos projetos de livre comércio, apontando para a construção de um mundo multipolar, integrado e solidário.

Postado por Emir Sader às 09:25 Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=138

Papel do Brasil na nova era das telecomunicações precisa ser pensado

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Mateus Alves 21-Set-2007

Para debater políticas e rumos das telecomunicações no Brasil, o Correio da Cidadania conversa com o jornalista Samuel Possebon, especialista na área há 14 anos, atual diretor editorial da Converge Comunicações e pesquisador convidado do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom/UnB).

Possebon, além de debater a questão das concessões de radiodifusoras e a democratização da comunicação no Brasil, faz sua análise do impacto do crescimento de habitantes com acesso à Internet no país, demonstrado na recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domícílios (PNAD) 2006.

Correio da Cidadania: Houve algum avanço em tempos recentes em relação às discussões sobre mídia no Brasil? Samuel Possebon: O que sinto que vem acontecendo é que, cada vez mais, a comunicação é discutida pela sociedade de alguma maneira. Embora a imprensa não discuta necessariamente todos os temas relacionados à telecomunicação - especialmente a grande imprensa, que não gosta muito dessa discussão -, alguns temas são inevitáveis. Desde que houve a privatização da Telebrás, há idéias sendo expostas, contrapontos sendo colocados.
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Acredito também que a tendência é que isso se amplie. À medida que a comunicação passa a fazer cada vez mais parte da vida das pessoas, no ambiente da sociedade de informação, em um ambiente digital onde as pessoas convivem mais com isso, esses temas vão ser cada vez mais comuns.

CC: Tais discussões trouxeram avanços para a democratização das telecomunicações no país? SP: Depende de como se quer caracterizar a democratização. Se for caracterizá-la como a consciência em relação a problemas da comunicação, sim, houve um avanço.
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Nesses últimos dez anos, surgiu um elemento que é absolutamente significativo - e talvez o mais significativo da história da democratização das comunicações e da comunicação em si -, a Internet. Isso revolucionou a mídia, criou um ambiente totalmente novo para a troca de informações.
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Em relação aos meios de comunicação tradicionais, a uma mudança estrutural na forma de se fazer o negócio de comunicação no Brasil e de se encarar a comunicação diante de aspectos como cidadania e direitos humanos, as coisas melhoraram, mas ainda existe também muito a se fazer.

CC: Você concorda que há uma oposição das mídias tradicionais e de seus defensores no Legislativo em relação às novas possibilidades que a Internet traz? SP: A minha tese é que a toda ação há uma reação; isso vale para a física e também para o mundo das comunicações. Naturalmente, grupos que estão estabelecidos há muito tempo, que têm o seu modelo engessado e que têm interesses econômicos a defender, reagem de uma maneira mais ou menos agressiva a qualquer variável nova que seja colocada nesse cenário, e a Internet foi uma variável nova não só no Brasil como no resto do mundo.
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CC: De acordo com a recém-divulgada PNAD 2006, o percentual da população com acesso à Internet aumentou consideravelmente. Em sua opinião, quais as razões para isso? SP: Embora o número de habitantes que possui acesso à Internet tenha aumentado, ainda falta muito para universalizar o acesso à Internet. A exclusão digital ainda é brutal, tanto no Brasil como na maior parte dos países - fora aqueles considerados desenvolvidos, onde isso já está mais ou menos equacionado.
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Justamente por ser tão interessante, a tendência é que a Internet cresça ainda mais. As novas gerações que estão crescendo acostumadas às novas tecnologias vão adotá-las cada vez mais, indiferente de nível sócio-cultural. Existem experiências claras que dizem isso; mesmo que o usuário da Internet venha de camadas sociais mais baixas, com menos acesso à informação e à cultura "erudita", ele também domina os novos meios.
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Há também um terceiro fator, que é a recuperação da renda da população nos últimos quatro ou cinco anos. Isso se reflete na popularização de um meio que agrega muito às vidas das pessoas.

CC: As empresas provedoras de conexão banda larga - normalmente pertencentes ao setor de telefonia - irão ocupar o espaço de empresas como provedoras de TV a cabo, por oferecerem soluções similares? SP: Acredito que não, pois são coisas que se complementam. Existem questões de custo e de investimentos que precisam ser levadas em conta quando se fala na substituição de TV a cabo por TV via Internet, por exemplo.
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CC: Qual a sua opinião sobre a adoção do modelo japonês de TV digital no Brasil? SP: De um ponto de vista tecnológico, não há o que se questionar. As inovações que estão se desenvolvendo em cima da tecnologia japonesa vai garantir que tenhamos no Brasil uma TV digital com a melhor qualidade possível.
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Essa discussão, que deveria ter ocorrido no início do debate sobre a TV digital no país, em 1999, 2000, não foi feita agora por conta da pressa em se tomar uma decisão em um momento no qual a transmissão de TV digital é necessária devido a uma questão de inovação tecnológica.

CC: Um dos principais pontos levantados pelo governo FHC na época da privatização da Telebrás foi que, com a passagem das redes de telefonia à iniciativa privada, haveria uma quebra de monopólio que beneficiaria a concorrência e, conseqüentemente, o consumidor final. A possibilidade de fusão entre a Telemar e a Telecom Brasil, duas grandes empresas do ramo, não traria de volta um monopólio no setor? SP: Eu tenho minhas dúvidas se a privatização foi feita para quebrar monopólios; acredito que foi feita, na verdade, para cobrir uma necessidade de caixa do governo, que estava com a corda no pescoço na época e precisava vender o que tivesse pela frente como maneira de conseguir dinheiro para fechar as suas contas.
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Do meu ponto de vista, o que se deve discutir na fusão é saber quem é que vai ser o responsável pela empresa - se vai ser entregue a empresas brasileiras, a empresas estrangeiras, se o Estado vai ter parte ou não. É hora de se repensar o modelo e de entender o que é que o Brasil precisa encontrar em relação ao novo tempo das comunicações e qual papel quer desempenhar neste processo.

CC: No final deste ano, vencem dezenas de concessões de rádios e TVs no Brasil. Você acredita que o processo de renovação destas concessões, tradicionalmente pouco transparente, precisa ser acompanhado mais de perto? SP: Sempre dizemos que falta transparência e independência na análise desse processo, mas os responsáveis por isso são os deputados. Ao criticar isso, critica-se o próprio modelo democrático brasileiro, pois representantes eleitos pela população são os que decidirão por isso no Congresso.
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No Brasil, não existe ambiente para que simplesmente não se renove uma concessão por achar que as comunicações não são democráticas no país. Isso é uma discussão que não levaria a nada a não ser a um clima de conflito; no entanto, podemos aproveitar o momento para fazer algumas perguntas e obter algumas respostas, principalmente em relação ao papel da radiodifusão no Brasil, se está prestando esse papel com adequação ou não, se está cumprindo os objetivos como uma prestadora de serviços públicos ou se é um negócio privado, que deve ser tocado pela iniciativa privada da maneira que quiserem.

Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/883/9

Governo sonega informações sobre os donos da mídia

Deu no Brasil de Fato:
Ministério das Comunicações desrespeita a Constituição e não informa cadastro das entidades concessionárias de radiodifusão
19/09/2007
Mayrá Lima,
de Brasília (DF)

A premissa desta reportagem: obter do poder público a informação das concessões de redes de televisão que vencem neste ano. Os movimentos sociais preparam uma campanha, em 5 de outubro, para exigir mais transparência sobre os critérios de renovação das concessões. Segundo pesquisadores e especialistas do tema, nesta data, vencem as outorgas da Rede Globo, Bandeirantes, da Record e do SBT.
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A negativa do MiniCom de divulgar uma informação pública desrespeita a Constituição. É o que avalia Ana Claúdia Vazzoler, advogada do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo. A sonegação fere diretamente o artigo 37 da Carta Magna. “O artigo 37 diz que a administração pública tem que obedecer alguns princípios e dentre eles está o princípio da publicidade. Todos os atos do poder público, quando não considerados sigilosos, como não é o caso, ele tem que ser publicizado, não necessariamente só pela internet”, explica.
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A listagem dos concessionários havia se tornado pública desde novembro de 2003, quando o então ministro das Comunicações Miro Teixeira (PDT-RJ) abriu a “caixa-preta” da radiodifusão ao divulgar na internet as informações com os nomes dos sócios das emissoras de rádio e TV do país. Foi a primeira vez que a sociedade pode tomar conhecimento desta listagem.
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Segundo a advogada Ana Cláudia Vazzoler, o MiniCom não poderia recuar na questão e, novamente, esconder o nomo dos “donos da mídia” no Brasil. “É um retrocesso em um direito, que é o direito à informação. Esse direito é fundamental, humano. Há a teoria da proibição do retrocesso, ou seja, os direitos fundamentais deferidos não podem ser retirados e é o que está acontecendo neste caso. Foi dado o direito à informação e esse direito foi tirado do cidadão”, informou Ana Cláudia.

Sociedade Civil

Para Celso Augusto Schröder, coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a ocultação do cadastro mostra mais uma vez uma contradição do governo federal em suas políticas de comunicação. “A gente tem que admitir que a publicação das listas foi um elemento importante de democratização histórica, porque até então não nós não tínhamos. Agora, se o próprio governo recolhe as listas, demonstra essa contradição. A publicação das listas é uma das obrigações de Estado. Tem uma dimensão pública que precisa ser conhecida pela sociedade. Seja qual for a razão, precisa voltar atrás”, afirmou.

O coordenador do Coletivo de Comunicação Social, Intervozes, João Brant questiona a maneira como o o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário da Anatel (Siacco) organiza os dados do quadro societário de rádio e TV – hoje, a única fonte de informação sobre o assunto. “Claramente, o Ministério opta pela política nublada, sem transparência. Em todos os outros temas, há como se fazer cruzamento de dados. No entanto, quando o assunto é quadro societário, esse cruzamento é prejudicado. Por que não permitir o cruzamento de dados?”, disse.

Leia na íntegra em http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/governo-sonega-informacoes-sobre-os-donos-da-midia

Marcos Valério no ninho tucano

Deu na NovaE:
José de Souza Castro
, do Tamos com Raiva

Vale a pena ler o relatório de 172 páginas assinado no último dia 4 de julho pelo delegado Luís Flávio Zampronha de Oliveira, da Polícia Federal, responsável pelo inquérito que apurou as atividades de Marcos Valério durante a campanha da coligação PSDB/PFL ao governo de Minas. De acordo com o Consultor Jurídico, o relatório já foi encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, que deve relatar o caso. Mas a Procuradoria Geral da República ainda não apresentou denúncia formal contra o senador tucano Eduardo Azeredo e contra o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Os dois estão entre os denunciados no relatório, que pode ser lido na Internet, no seguinte endereço: http://conjur.estadao.com.br/pdf/relatorio.pdf .
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Em ambas, os recursos repassados a partidos políticos tinham sua origem justificada por empréstimos obtidos em instituições financeiras de Minas Gerais. Os laudos periciais contábeis das agências de publicidade SMP&B e DNA, das quais Marcos Valério era sócio, comprovam que elas eram usadas com o fim de promover "a lavagem de ativos financeiros apropriados por agentes públicos, com largo emprego de falsificações, simulações, fraudes e omissões em seus registros comerciais e fiscais", escreveu o delegado.
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Além do senador Azeredo, que conseguiu se eleger em 2002 e chegou a presidente nacional do PSDB – cargo a que renunciou quando Marcos Valério se tornou o mais conhecido carequinha brasileiro, em 2005 – o relatório deixa mal o ministro Walfrido dos Mares Guia, que era vice-governador em 1998, e outros políticos e empresários mineiros.
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Marcos Valério também realizou, em 1998, procedimentos ilícitos junto à Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), vinculada ao Ministério do Trabalho, "utilizando a mesma técnica de branqueamento de fundos desviados através da prestação de serviços publicitários inexistentes ou superfaturados", segundo Zampronha.
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Segundo o relatório, a estrutura político-eleitoral criada em 1998 por Eduardo Azeredo para disputar a reeleição precisava implementar um esquema que visasse legitimar todo o capital reunido para custear a campanha. "No caso analisado, tratavam-se de fundos públicos desviados das administrações direta e indireta do Estado de Minas Gerais e de valores repassados à coligação eleitoral por empresários, empreiteiros e banqueiros com interesses econômicos junto ao poder público do Estado", diz o delegado Zampronha.

Já começou mal

De acordo com o relatório, Marcos Valério entrou na SMP&B juntamente com Clésio Andrade, que era presidente do PFL mineiro e candidato a vice-governador na chapa de reeleição de Eduardo Azeredo. "Seu ingresso foi estruturado com base em operação de crédito irregular junto ao Credireal", diz Zampronha, que cita um inquérito em andamento na Superintendência da Polícia Federal em Minas (Inquérito Policial nº 934/2005).
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Menos de dois meses depois, no dia 26 de junho de 1996, o Credireal, que estava em processo de privatização pelo governo Eduardo Azeredo, emprestou à SMP&B um total de R$ 1.674.150,00. Passados mais 14 dias, Clésio Andrade se tornou sócio dessa agência de publicidade.
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Nem Newton Cardoso, quando governador na década de 1980, conseguia lucrar tanto com a compra de fazendas em Minas...
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Nessa altura, a lavanderia de dinheiro montada por Marcos Valério já funcionava sem tempo ocioso. Segundo o relatório de Zamprona, a análise feita pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal identificou 27 empréstimos tomados pela SMP&B e DNA, em 1998, na operação de branqueamento de capitais. As investigações indicam que ao menos R$ 28 milhões 515 mil foram transferidos por Marcos Valério à coordenação financeira da campanha de Eduardo Azeredo, "após serem submetidos ao processo de legitimação conduzido pelo empresário".
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Walfrido paga a conta

O delegado Zamprona aponta que o presidente da Cemig, Carlos Eloy, no cargo desde 3 de abril de 1992, se licenciou em julho de 1998 para ser o coordenador político da campanha do governador. O presidente da Copasa, Ruy Lage, nomeado pelo governador Hélio Garcia e mantido por Azeredo, se licenciou, a pedido do governador, para ajudar na sua campanha na região de Montes Claros, onde Lage tinha uma fábrica de parafusos e propriedades rurais. O presidente da Comig, Carlos Cotta, licenciou-se em junho de 1998, para atuar como coordenador político da campanha na Região Metropolitana.
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Segundo o relatório, ele desistiu da ação, por causa de um acordo extrajudicial com Azeredo, que "consistiu no pagamento de R$ 700 mil através da SMP&B e Banco Rural". Nessa época, o ex-secretário da Fazenda já era diretor do banco, e teria facilitado um empréstimo de R$ 507.134,00 à Samos Participações, usados para pagar a Cláudio Mourão. Walfrido dos Mares Guia disse à Polícia Federal que a Samos é uma empresa holding patrimonial constituída para administrar seus bens e os de sua família, com sede no seu próprio endereço residencial. Segundo o delegado Zamprona, Walfrido e Azeredo eram os avalistas do empréstimo concedido pelo Rural. Esse empréstimo foi liquidado em 19/12/2002, mediante crédito originado na conta corrente da própria Samos no Banque Nationale de Partis Brasil S.A.
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Ontem, em declarações à imprensa, Azeredo disse que nunca houve Mensalão em Minas e nem pagamento a deputados para votar projetos de interesse do governo. De fato, o relatório não trata disso, mas de um esquema para arrecadar ilegalmente dinheiro para a campanha eleitoral. Walfrido disse que não tinha responsabilidade financeira na campanha de Azeredo e que abriu agora a contabilidade de sua empresa à Polícia Federal. Talvez, assim, ela consiga avançar mais um pouco nas investigações, nas quais o delegado Zampronha apontou muitas dificuldades, até o momento de entregar seu relatório.

Leia na íntegra em http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=787

Chávez, Virgílio e o império

Deu na Agência Carta Maior:
Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro

Os tucanos costumam dizer que o Mercosul está estagnado pelas diferenças político-culturais entre seus parceiros, pela assimetria entre as economias do subcontinente sul-americano, e por medidas protecionistas, tomadas em momentos de crise. Se as dificuldades existem, tomá-las como impossibilidade de uma integração soberana faz parte da estratégia do liberalismo-conservador derrotado nas urnas em 2006.
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Quando o líder venezuelano lamenta a demora na concretização de projetos vitais para o região como o Gasoduto do Sul e o Banco do Sul - sabe perfeitamente o que move as protelações. Ao dizer que por trás de atrasos e desencontros está a mão do império estadunidense, toca em questão cara a uma classe dominante que sempre pensou inserção subalterna como projeto ideal. O lamento de colônia costuma vir sob o argumento de que "fracasso das negociações para a criação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca) também não foi bom para o Mercosul, porque abriu aos Estados Unidos espaço para promover acordos comerciais bilaterais"
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O que o senador amazonense não tolera é o que dá mais sustentação a um projeto estratégico regional , aquilo que setores conservadores, dentro de um viés funcionalista, têm chamado de crise política. Ou ''retórica nacionalista imprecisa''. É a reafirmação soberana de uma região que não constrange nenhuma instituição democrática, pelo contrário a confirma como instância de poder.
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Em 07/10/2006, escrevemos aqui mesmo, na Carta Maior: "o governo Lula tem uma política externa que fortalece o Itamaraty e aposta no Mercosul como futuro espaço de integração. Sabe que toda movimentação regional está sob a espada de Dâmocles do Império e suas 22 bases militares na região. A oposição, ao contrário, defende uma integração subalterna, controlada por megacorporações". Infelizmente o texto não perdeu a atualidade. Virgílio e seus correligionários continuam a atualizá-lo. A inclusão da Venezuela como membro pleno é questão de soberania regional. O resto é tergiversação de candidatos a Vice-Rei.

Quem assistiu ao documentário de Kim Bartley e Donnacha O’Briain sabe que, a depender das oligarquias latino-americanas, assim como a revolução, integrações que interessem aos povos latino-americanos também “ não serão televisionadas”.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa. Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=3728

sábado, 22 de setembro de 2007

Abril & Telefonica: A falta de transparência no setor de comunicações

Deu no Observatório da Imprensa:
Por Venício A. de Lima em 18/9/2007

A ausência de transparência nas transações comerciais envolvendo as aquisições, fusões e joint ventures de empresas concessionárias dos serviços públicos de comunicações não é um fato novo. São inúmeras as possibilidades de burlar as poucas restrições que a confusa legislação impõe e raramente chega ao conhecimento público o que de fato é realizado e quais os interesses – outros que não o interesse público – servidos.

No final de 2006, a reação da TV Bandeirantes a suspeitas levantadas com relação à existência de um acordo com o governo para bancar a PlayTV fizeram vir a público que tanto o Ministério da Justiça quanto a Justiça Criminal de São Paulo estavam investigando a "transferência de ações entre duas empresas que pertencem ao Grupo Abril, a Tevecap, que controla as empresas de TV a cabo, e a AbrilCom" e "a venda de 30% das ações da Editora Abril para o grupo sul-africano Naspers". [Tratamos do tema neste Observatório, em 5/12/2006 – ver "Mídia em debate, sem limite e sem medo".]

Como sempre acontece, dias depois o assunto desapareceu da grande mídia e, aparentemente, as pendências legais foram solucionadas.

Recentemente, em circunstâncias politicamente contaminadas – o processo por quebra de decoro parlamentar contra o presidente do Congresso Nacional –, voltaram a surgir suspeitas de que ilegalidades estariam sendo cometidas na transferência de controle e outorgas de empresas de televisão paga do Grupo Abril para o Grupo Telefônica (Telesp). Voto contrário à transação do conselheiro Plínio de Aguiar Júnior, apresentado na 443ª. Reunião do Conselho Diretor da Anatel (disponível aqui) passou a circular publicamente.

O assunto mereceu iniciativa parlamentar de instalação de uma CPI (ainda não decidida), notas públicas de esclarecimento das empresas envolvidas, lobby pesado junto a parlamentares e avaliações a priori de analistas que se deixaram influenciar pelas circunstâncias políticas em que o assunto veio a público.

Ata indisponível

A proposta de instalação de uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar eventuais irregularidades na transação comercial entre o Grupo Abril e a Telefônica (Telesp) provocou reações que consideraram a iniciativa, sem mais, apenas como despropositada e vingativa, além, é claro, de um "atentado à liberdade de imprensa".

As suspeitas ilegalidades envolvidas na transação referiam-se à contrariedade da Lei do Cabo (Lei 8.977/1995) em pelo menos três pontos:

1. o Grupo Abril estaria repassando à Telefônica o controle de 86,7% da Comercial Cabo (São Paulo) e 91,5% da TVA Sul (Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú);

2. de que um Acordo de Acionistas da Comercial Cabo deixaria a operação e o gerenciamento da operadora a cargo da Telefônica (Telesp); e

3. de que estaria sendo desrespeitada a proibição de que uma operadora de telefonia (Telesp) detenha também, na mesma área, concessão de TV a Cabo.

O Ato n. 66.085 de 18/7/2007 do Conselho Diretor da Anatel (disponível aqui) concordou previamente com as transações, mas, em seu Parágrafo Único, estabeleceu:

"A anuência prévia constante do caput deste artigo, no tocante à operação envolvendo a outorga para prestação do Serviço TV a Cabo na área de São Paulo, no Estado de São Paulo, detida pela empresa COMERCIAL CABO TV SÃO PAULO S.A., fica condicionada à comprovação, no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da publicação deste Ato, da eliminação das relações de controle vedadas pela regulamentação, decorrentes da aplicação do Regulamento aprovado pela Resolução nº 101, de 4 de fevereiro de 1999, mediante a apresentação de novo acordo de acionistas envolvendo a empresa COMERCIAL CABO TV SÃO PAULO S.A."

Curiosamente, a Ata da 443ª Reunião do Conselho Diretor da Anatel, que tomou esta decisão, não está disponível no site da agência, embora as Atas das reuniões anteriores e posteriores lá estejam (acesso em 16/9/2007). Não se conhece, portanto, os detalhes da decisão que não acolheu o voto contrário do conselheiro Plínio de Aguiar Júnior.

Exigências democráticas

Por outro lado, os atos autorizando as transferências das empresas de televisão paga em MMDS do Grupo Abril para a Telefônica (Telesp) já foram publicados no Diário Oficial da União (13/9/2007). Ao que se sabe, a Anatel preferiu adiar a decisão final sobre as empresas de televisão paga a cabo, na esperança de um clima politicamente mais favorável.

O que fica claro em mais esse episódio, todavia, é que a transparência é uma exigência da prática democrática que deve valer para todas as instituições. Certamente, deve valer para o governo, as agências reguladoras, as instituições que são concessionárias de serviço público e, em especial, os grupos de comunicações. Da mesma forma, a demanda por transparência, não pode, in limine, ser descartada como "atentado à liberdade de imprensa".

Será democrático aplicar-se as exigências da democracia apenas em certas circunstâncias e para certas instituições?

Extraído de http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=451IPB001 acesso em 22 set. 2007.

Análise de Conjuntura set. 2007.

Esta é a análise de conjuntura apresentada à reunião do CONSEP da CNBB.
Deu na Adital:
Pedro A. Ribeiro de Oliveira*

Apresentação

Após um intervalo de seis meses, a análise de conjuntura retoma sua forma habitual para apresentação na reunião do CONSEP. Inicia-se com um breve panorama das grandes questões da atualidade mundial e latino-americana; em seguida, examina os rumos que vêm sendo traçados pelo segundo mandato do Presidente Lula e as reações da sociedade; conclui com um informe sobre problemas e projetos do Congresso Nacional.

I. Instabilidades de âmbito mundial

É sensível o clima de instabilidade mundial, que se torna bem nítido em quatro grandes campos: a diminuição da hegemonia dos EUA, as diversas formas de violência entre os povos, o desequilíbrio ecológico e a crise financeira global. Este tópico se conclui com uma breve análise dos reflexos dessas instabilidades no processo de integração regional.

Rumo a um mundo multipolar

Assistimos a uma evolução rápida e profunda da paisagem política mundial. Os EUA estão perdendo sua hegemonia (situação na qual o poder é aceito e consentido pelos subalternos, porque acreditam que é exercido em prol do bem geral) e apóiam-se apenas sobre sua força tecnológica e militar. Mas não há outro país ou região capaz de contrabalançá-los. A União Européia é economicamente forte, mas até agora não conseguiu construir uma política comum para os 27 países membros. O Japão, que nos anos 1980 despontara como novo pólo econômico mundial, foi forçado a valorizar sua moeda e sua economia perdeu o dinamismo. Neste contexto, aumenta o peso dos países emergentes, tanto no campo econômico quanto no político.

A China está na frente, seguida de perto pela Índia. A onda de crescimento econômico atinge toda a região asiática, que abriga também centros importantes de tecnologia de ponta. A Rússia, que dispõe de imensos recursos naturais, especialmente no campo energético, conserva sua força militar, assegurando assim um lugar privilegiado nas negociações internacionais. O Brasil, que se junta à China, Índia e Rússia, como um dos "novos grandes" emergentes, só tem posição estratégica no agronegócio. Os imensos investimentos para a produção de bioenergia aumentam suas perspectivas de poder no mercado mundial. Estes quatro países empenham-se em mudar as regras do comércio mundial, sempre favoráveis aos mais poderosos, mas a "rodada de Doha" continua em ponto morto. Além disso, as rédeas do FMI e do Banco Mundial permanecem nas mãos dos EUA e da Europa.

A China já se constitui num novo pólo mundial, na medida em que dela depende a estabilidade financeira do sistema (por ser a principal compradora dos títulos do tesouro americano) mas sua economia está superaquecida e há uma grande rivalidade entre ela e os outros países, que temem a sua supremacia. Isso pode ser percebido na África, que começa a reagir diante da compra geral do continente pela China.

Ruídos de guerra

A guerra-raiz dos principais conflitos mundiais no último meio-século é a guerra não declarada entre o Estado de Israel e o Povo palestino, porque está na base das tensões entre o Ocidente e o Islã. A divisão entre as duas principais organizações palestinas - o Fatah e o Hamas - afastam ainda mais as perspectivas de retomada do processo de paz.

O isolamento político de Bush deixa aumentar a pressão do Congresso e da população em favor da retirada das tropas do Iraque. As eleições para a Casa Branca em novembro de 2008, podem sinalizar mudanças, mas ainda não se vê medidas viáveis para a reconstrução do Iraque, dilacerado pela violência da ocupação dos Estados Unidos e seus aliados. A situação caótica no Iraque gera mais violência em quase todo o Oriente Médio. O presidente do Irã não nega que o país esteja a caminho da construção de armas nucleares e há uma real ameaça de destruição de suas usinas por Israel, com ou sem a cumplicidade do Ocidente. Há atentados no Afeganistão, onde os talibãs estão de volta, no Paquistão e até na Argélia. Bin Laden está vivo e as guerras de Bush lhe deram muitos seguidores. O terrorismo não acabou, muito pelo contrário: os serviços de segurança desarmaram, no último momento, atentados no Reino Unido e na Alemanha. Por que na Alemanha que nunca apoiou a guerra no Iraque e que acaba de construir uma mesquita em Berlim? Em vários países, inclusive da Europa, o clima de terrorismo é propício ao desrespeito aos direitos humanos, a exemplo do que ocorre nos EUA.
Na África registram-se pequenos avanços em relação ao conflito de Darfur, que desde 2003 matou 300.000 pessoas, deslocou mais de 2 milhões e atingiu a vida de 4 milhões de pessoas, porque o Sudão declara-se disposto a aceitar a presença de uma força de segurança com 33.000 soldados da União Africana e da ONU. A ajuda humanitária em zona de conflitos torna-se impotente; mas, ao ser protegida por soldados, desfigura-se.

O aquecimento do Planeta

A situação climática piorou. Nos últimos meses houve um aumento das inundações, canículas, incêndios e furacões. Nenhum continente escapou dessas situações climáticas extremas. Na Ásia, a pior monção na lembrança humana fez mais de 2.200 mortos e 30 milhões de sinistrados. O aquecimento global acentuou as inundações. Os muitos estudos recentes não são animadores. A penúria de água poderá atingir três bilhões de pessoas. Enquanto em Viena se preparam as negociações pós-Kioto, os EUA nem ao menos assinaram aquele protocolo. Se, por um lado, cresce no mundo a consciência da população sobre a responsabilidade humana pelo desequilíbrio ecológico, por outro lado cresce também a indústria automobilística e o consumo de combustíveis.

Mercado financeiro

A crise financeira se desenvolve além e aquém do contexto geopolítico global acima observado, mostrando ao mesmo tempo a vulnerabilidade e fragilidade do sistema, bem como a sua força de integração. Ao inundar o mercado mundial de liquidez monetária, os bancos centrais impediram a paralisia do sistema bancário. Se houvesse a mesma coordenação e rapidez de esforços para salvar vidas humanas e construir a paz, o mundo seria bem melhor... A Pacem in Terris lançou a idéia da instância governativa mundial - federativa, democrática, pluralista e participativa - para administrar as questões de interesse global. Mas as instâncias políticas internacionais nem de longe têm a mesma vontade e capacidade de intervenção que os diretores de bancos centrais, sempre cuidadosos quando se trata da "saúde" do mercado financeiro.

Dada sua atualidade, cabe aqui um breve esclarecimento sobre a natureza dessa crise.

Quando em 1929 (começando nos Estados Unidos) as bolsas desabaram, os estados nações entenderam, pelo caminho penoso dos fatos, que precisavam de bancos centrais com função reguladora. O problema decorre da capacidade das entidades financeiras para gerar meios de pagamento. Um exemplo: Tiago deposita R$1.000, o banco empresta 800 a Tadeu, que os paga a Bartolomeu que compra debêntures com os R$800, depositando o cheque em outro banco. Se o dinheiro continuar rodando, aqueles "mesmos" R$1.000 iniciais permitirão que diversas empresas e indivíduos paguem quantia muito maior. Os bancos centrais têm a função de regular e determinar parâmetros de depósitos, empréstimos e investimentos, de modo a controlar essa capacidade bancária de gerar meios de pagamentos desproporcionais à economia real. Algo semelhante se passa com o aumento de valor das ações de uma empresa devido à expectativa de terceiros quanto ao aumento de seus lucros. Como o desenrolar da economia real é bem mais lento que os processos financeiros, pode ocorrer um enorme hiato entre o valor financeiro dos papéis e o valor real do patrimônio da empresa. Na atual crise, o hiato se deu no mercado imobiliário: a facilidade de empréstimos elevou o preço das casas, que agora são vendidas muito abaixo daquele valor.

A globalização dos mercados, nos últimos 30 anos, permitiu às instituições financeiras uma atuação transnacional e praticamente fora de controle, dado seu sucesso em convencer a opinião pública, da necessidade de bancos centrais autônomos perante os governos , em nome de resguardar decisões técnicas contra a influência de políticos. Mesmo na Alemanha, cuja primeira ministra vem se empenhando em criar mecanismos internacionais de controle das mega-operações financeiras, os bancos têm mais poder real sobre os parceiros da Alemanha - e sobre o governo alemão - que o inverso.

É fantástica a diversidade dos fundos financeiros em matéria de especulação, pois podem assentar-se sobre cinco até sete "andares" de reservas de valor e meios de pagamento escriturais (em papel ou virtuais). Basta que se instale a desconfiança no primeiro andar (a operação geradora dos "derivativos") para que os detentores de títulos corram a resgatá-los. Para evitar essa corrida, os bancos centrais europeus injetaram bilhões de dólares no circuito bancário. Não tendo meios de ação preventiva, resta-lhes evitar que "o pior" aconteça. Boa parte do custo dessa operação recai sobre os contribuintes, uma vez que os bancos receberão empréstimos públicos em condições especiais. Mais: a operação de salvamento assegura aos banqueiros que podem correr riscos porque serão resgatados pelos bancos centrais. Não abrirão falência como em 1929 e poderão manter a estratégia de privatização dos ganhos e socialização dos prejuízos.

Reflexos na América Latina

A globalização dos mercados puxa necessariamente a integração econômica regional. Nos 15 últimos anos, com altos e baixos, a América Latina veio passando por um processo irreversível de integração. O que está em jogo é se essa integração vai se dar de forma autônoma, ou se subordinada à economia estadunidense, como foi a proposta da ALCA.

Lula e Kirchner fizeram avançar a consolidação do Mercosul, com o Parlatino. Mas ainda lhe falta melhor definição institucional. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) é o novo nome da Comunidade Sul-americana das Nações, criada em 2004, com o objetivo de integrar o Mercosul e o Pacto Andino. Até agora o processo de integração foi sobretudo comercial, mas a questão energética e as negociações para a criação de um banco comum- o Banco do Sul - abrem novas dimensões para a integração.

Empresas transnacionais e grandes bancos, com o apoio dos organismos financeiros internacionais, também querem implementar projetos de infra-estrutura (vias de transporte e energia), na linha da privatização dos planos de desenvolvimento e integração regionais.
Há problemas de ordem política a serem superados. Uruguai e Paraguai queixam-se de ser tratados como menores, e esta é uma questão a ser encarada realisticamente. O presidente Chávez, da Venezuela, quer uma definição política para a integração, sem deixá-la ao sabor do mercado, mas encontra fortes resistências, inclusive do Congresso Brasileiro. Ele aponta a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) como meio de superar uma integração limitada ao econômico e realizar uma integração que chegue também à área política e cultural, com ênfase na saúde e na educação dos povos. Na realidade, cada governo defende seus interesses, sem subordiná-los aos interesses comuns e que só podem ser alcançados se houver unidade regional.

Atualmente, o processo de integração autônoma é puxado por oito países (Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Equador, Nicarágua, Uruguai e Venezuela). No entanto, sua unidade se dá mais em contraposição ao projeto da ALCA - ou aos TLCs igualmente danosos - do que em torno a um projeto comum. O Brasil tem andado um pouco sozinho. Faz o seu jogo, mas não cumpre a função de locomotiva.

A situação política (perda de hegemonia dos EUA) e econômica (anos seguidos de crescimento do PIB mundial) favorecem a integração, mas falta uma tradição de negociação entre os países região e ainda há a oposição dos EUA a qualquer projeto de integração que possa diminuir sua influência.

II. A política econômica e os rumos do segundo governo Lula

O governo brasileiro está festejando nossa imunidade diante da crise financeira. De fato, nossas reservas, as exportações e a confiança dos mercados financeiros na estabilidade política (leia-se: na continuidade da política econômica) blindaram nossa economia. É como o dono da birosca na favela, que paga "pedágio" para não ser assaltado. O que está em questão é o custo econômico, social e político dessa blindagem.

A atual política econômica dá continuidade à linha implantada desde o governo Collor, com ampla abertura dos mercados brasileiros aos capitais externos. A diferença reside no atual aquecimento da economia mundial, puxada pelos países asiáticos, que fez crescer enormemente as exportações brasileiras puxadas pelo agronegócio e pela mineração. Ou seja, o Brasil encontrou seu lugar na economia globalizada: produtor de matérias-primas de alto custo ecológico e pouco valor agregado. Enquanto as economias mais avançadas precisarem de soja, carnes, produtos florestais, açúcar e álcool, bem como minerais e ferro-gusa, a economia brasileira poderá crescer sem inflação, por causa do superávit na balança comercial. Além disso, a abertura cambial e a manutenção das altas taxas de juros, atraem muito capital para o mercado financeiro. As reservas cambiais já superam 160 bilhões de dólares. Elas blindam o Brasil contra um ataque especulativo, mas são praticamente esterilizadas porque aplicadas em títulos do Tesouro dos EUA, cujas taxas de juros são irrisórias, se comparadas às taxas pagas pelo Tesouro brasileiro a seus credores. O Brasil continua sendo um porto seguro e um paraíso para a especulação financeira.

Um sinal dessa subordinação da política econômica ao sistema financeiro é o aumento do superávit primário (isto é, a economia de receitas realizada pelo poder público para o serviço da dívida) desde o primeiro governo Lula. No primeiro semestre deste ano ele atingiu quase R$80 bilhões. Isso corresponde a 5,58% do PIB, superando a meta estipulada pelo governo de 3,8% do PIB (no último ano do governo FHC chegou a 3,89%). Apesar do enorme esforço, essa quantia não tem sido suficiente para pagar a totalidade dos juros (R$160 bilhões em 2006), o que faz aumentar o total da dívida pública (hoje quase R$ 1,3 trilhão). Tem sido eficiente, contudo, para reduzir a relação da dívida do setor público sobre o PIB: hoje ela corresponde a 44,4% , enquanto no final do governo FHC ela havia chegado a 55,5%.

Esta situação de estabilidade monetária, com a inflação sob controle, seria ideal para impulsionar um projeto de desenvolvimento do país, mas falta vontade política que obrigue os capitais especulativos a se transformarem em investimentos produtivos. O governo brasileiro abriu mão do controle sobre o Banco Central, que está a serviço do sistema financeiro globalizado (ao contrário dos EUA, cujo banco central - FED - é acionado para implementar uma política de crescimento e garantir o nível do emprego). Assim, a economia brasileira segue a reboque dos países mais dinâmicos, e já é motivo de festejo o anúncio de que neste ano ela não crescerá menos do que a média mundial.

Esses fatos recentes confirmam o que havíamos dito na análise de conjuntura do mês de março. Apontando o primado das finanças sobre a produção e a hegemonia do agronegócio de exportação no setor produtivo, como os dois tentáculos que cerceiam o desenvolvimento brasileiro, ela concluía criticando o dualismo político do governo Lula: "por um lado, prevaleceu o culto aos contratos, o pagamento fiel dos juros, a defesa e o perdão das dívidas de grandes proprietários e as isenções fiscais para o capital financeiro e as grandes fortunas, enquanto o volume de impostos e taxas sobre o conjunto da população subiu a quase 40% do PIB. Por outro lado, deu um novo papel aos bancos públicos, para favorecer o acesso dos pobres (abertura de 3,8 milhões de contas até 2006 e mais de 3 milhões de empréstimos, com valor médio de R$ 400,00.) Também mudou o papel do BNDES, antes utilizado para a privatização de empresas públicas, hoje fortalecendo o desenvolvimento industrial, apoiando empresas em crise e ainda impulsionando cooperativas de trabalhadores. Vai no mesmo sentido a recuperação do salário mínimo, o incentivo à agricultura familiar, o investimento no setor de energia e saneamento, a Bolsa Família, o incentivo às escolas técnicas, a implementação do ProUni, a manutenção do piso das aposentadorias e pensões do INSS, sem esquecer o avanço em políticas públicas para mulheres e a promoção da igualdade étnico-racial." Hoje poderíamos acrescentar o avanço na política de Direitos Humanos, com a publicação do livro "Direito à Memória e à Verdade", pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Ao que tudo indica, este será o rumo do governo Lula até 2010: deixar o comando da política econômica nas mãos do capital financeiro e do agronegócio e implementar políticas sociais em benefício das massas empobrecidas. Enquanto as exportações derem bom retorno financeiro e o PIB crescer, esse dualismo político poderá funcionar, ficando satisfeitas tanto a casa-grande quanto a senzala. Caso sobrevenha uma crise de âmbito global, o custo terá que recair sobre o conjunto da população, mas - como de hábito -a casa grande provavelmente estará blindada.

III . Sinais de reação na Sociedade

A reeleição de Lula não aumentou a participação da sociedade civil organizada na definição das políticas de governo. Ao contrário, no atual mandato o governo está menos aberto ao diálogo com os setores sociais descontentes do que antes. O presidente demonstra ter consciência de que seu governo não abala as estruturas herdadas da colônia e que mantém o Brasil em posição subordinada no sistema econômico mundial. Seu projeto de modernização - evidente em seu fascínio pelo etanol e outras fontes de bioenergia - deixa praticamente intocada a estrutura fundiária (a reforma agrária saiu da agenda), não se opõe ao clientelismo imperante na política, nem contraria os interesses econômicos e financeiros dos milionários. Essa diferença entre o candidato da Frente Popular em 1989 e o atual Presidente da República repercute nas suas relações com a sociedade.

Reações diferenciadas

Deixando de lado a "maioria silenciosa" - favorável ao governo Lula mas que só tem peso político no período eleitoral - pode-se distinguir na sociedade brasileira três tipos de manifestações públicas em relação ao governo.

A primeira é formada pelos setores conservadores, que por diversas razões prefeririam ter outra pessoa que não Lula na presidência da República. Este setor da opinião pública se faz muito presente na mídia, principalmente por meio de colunistas e editorialistas que sempre encontram uma maneira de responsabilizar o presidente pelos males do país. A cobertura do acidente da TAM, no aeroporto de Congonhas, é um bom exemplo. O movimento "cansei", que já nasceu com pouco fôlego, é outro exemplo. Essas manifestações da opinião pública criticam não só as políticas sociais do governo, mas principalmente a forma de Lula governar: com corrupção, gastos exorbitantes, mal gerenciamento dos recursos, excesso de impostos, apadrinhamento etc. Seu efeito político é manter o governo na defensiva, gastando energia no inútil esforço para mostrar o outro lado da realidade ou até mesmo para desmascarar afirmações enganosas ou levianas.

A segunda corrente é formada por pessoas e grupos que acreditam na proposta política representada por Lula e/ou pelo PT e que se colocam em posição de defesa do seu governo, ainda que de modo crítico (1). Eximem-se de opinar sobre a política econômica, alegando a complexidade do problema, e realçam os feitos do governo Lula em benefício dos mais pobres. Esta corrente, que era muito forte no início do primeiro mandato, veio perdendo substância. Ela continua sendo importante, contudo, como contraposição à primeira, pois é do seu agrado ver Lula na presidência da República.

A terceira corrente pode ser definida como uma dissidência da segunda. Gente que acreditou na proposta representada por Lula, mas que foi perdendo a confiança à medida que se definiam os rumos do governo. O ponto crítico é, certamente a política econômica que multiplica os ganhos financeiros e comprime os investimentos públicos, mas o "ponto de mutação" dessa atitude política situa-se na percepção de que o governo Lula não fará reforma agrária. Aí se dá a ruptura entre essa terceira corrente e o governo Lula. Talvez este seja o dado político mais relevante da atual conjuntura e por isso convém aprofundar mais um pouco a análise.

As eleições de 2002 representaram um grande avanço político para os movimentos sociais e populares, mas os rumos tomados pelo governo Lula os confundiram. Além disso, setores importantes do sindicalismo, da CUT em particular, foram incorporados ao governo e esvaziaram as articulações populares de âmbito mais amplo. Desde então, assistimos a muitas iniciativas rearticulação. A 4ª Semana Social Brasileira e a Campanha das Assembléias populares locais "reinventando a democracia" tiveram um papel positivo para manter alguma mobilização, articular as bases e buscar uma unidade em torno ao debate sobre "o Brasil que queremos". Elas se juntaram para realizar a "Assembléia Popular, Mutirão por um novo Brasil", em outubro de 2005. Mas a dispersão das forças populares ainda é grande: CUT, Conlutas, Intersindical, MST, UNE, Pastorais sociais, Grito dos Excluídos, CMS, Assembléia Popular e muitas outras organizações se esforçam para alcançar melhor articulação e certa unidade, mas tais objetivos ainda parecem distantes. Enfim, há dinamismo organizativo nas bases da sociedade, mas falta-lhes articulação de âmbito nacional. Uma experiência importante, neste sentido, foi o recente Plebiscito popular.

A experiência do 3º Plebiscito popular

A proposta de organizar um 3º Plebiscito Nacional Popular e uma 2ª Assembléia Nacional popular surgiu no começo de 2007, como ações unitárias e autônomas dos movimentos sociais, não pautadas nem pelo apoio nem pela oposição ao governo Lula. Houve convergência sobre o tema "anulação do leilão de privatização da companhia Vale do Rio Doce", mas não sobre os demais (superávit primário, tarifas da energia elétrica e reforma da previdência), porque os setores pro-governamentais os consideraram como contrários ao governo Lula.
A mobilização foi importante, mas tardia. As perguntas - de difícil compreensão - só foram elaboradas em junho, enquanto nos plebiscitos anteriores, a preparação foi bem mais longa. Apesar disso, o plebiscito foi para muitos uma importante escola de formação política e de participação cidadã: um canteiro de construção da democracia participativa. O apoio da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, não só animou as bases católicas, mas explicitou a participação da Igreja no esforço da sociedade para construir um Brasil melhor. Outros apoios, como do 3º Congresso do PT, tiveram pouco efeito prático.

Como de hábito, a mídia defendeu os interesses do capital privado, silenciando-se sobre o tema. Nas raras vezes em que deu notícias do plebiscito, foi para defender a privatização da Vale e vituperar contra o que ela chama de "atraso" (leia-se todo projeto de desenvolvimento econômico e social não pautado pelo ideário neoliberal).

O próximo passo da mobilização popular deveria ser a 2ª Assembléia Popular em outubro, em Brasília. Mas não é certo que ela venha a realizar-se. Não somente porque o plebiscito consumiu muitas energias, como faltam articulação política, recursos materiais e financeiros.

Dessa experiência fica a constatação de desunião dos movimentos sociais, resultando na distribuição de cédulas diferentes (com quatro ou apenas uma questão). Essa desunião reduziu o alcance do plebiscito, pois não houve a mobilização esperada (2). É bem verdade que a Companhia Vale do Rio Doce articulou campanha contrária, vendendo uma imagem positiva da sua atuação em prol do Brasil. A receptividade dos setores populares ao tema, contudo, mostra que o plebiscito poderia ter recebido muito maior número de votos, se as organizações populares tivessem se envolvido com vontade e se conseguissem atuar coordenadamente. De todo modo, o plebiscito evidencia a rejeição das bases populares ao modelo neoliberal e seu anseio por um modelo de desenvolvimento mais nacionalista, democrático e redistributivo.

Outros itens na pauta dos movimentos sociais

Nos próximos meses serão colocados em pauta dois temas de grande apelo para os setores populares, pois o Executivo prepara duas importantes reformas: a trabalhista e a da previdência social. Estes são campos de luta social e política onde está em jogo a Justiça Social, pois elas podem retirar direitos tanto de trabalhadores e trabalhadoras na ativa, quanto de aposentados e pensionistas.

A Reforma da Previdência realizada no primeiro mandato de Lula pegou desprevenidos os setores populares, obrigando-os a ficar na posição de resistência, que afinal se revelou impotente contra o projeto neoliberal. Hoje é perceptível a mudança na estratégia. Ao verem seus direitos ameaçados, os movimentos sociais estão partindo para a ofensiva, no sentido de dialogar com a população brasileira que não tem sido informada sobre o andamento do projeto nas entranhas do poder executivo. É preciso que a Previdência pública seja reformada, sim, mas para acolher um maior número de brasileiros e brasileiras hoje sem cobertura previdenciária, e não simplesmente para diminuir um pretenso déficit do INSS (que não existiria se 20% dos recursos a ela constitucionalmente destinados não fossem desviados para o pagamento dos juros da dívida pública). Assim, a perspectiva é contrapor ao projeto do governo uma proposta includente. A CNBB tem contribuído para levar o diálogo com o Governo Federal nesse patamar.

A Reforma Política também tem ocupado lugar importante na agenda dos movimentos sociais, pois só será feita sob pressão da sociedade civil. Sobre ela voltaremos mais adiante.

Para concluir, o movimentos dos Povos Indígenas traz as boas notícias: as mudanças no Ministério da Justiça abriram novos horizontes para a política indigenista. Pelo menos três fatos relevantes devem ser assinalados:

• A aprovação pela ONU, da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, com o voto favorável do Brasil e demais países sul-americanos, exceto a Colômbia;
• A assinatura das portarias que declaram como terra indígena os 18 mil hectares reivindicados pelos povos Tupinikim e Guarani e que estavam sob a posse da empresa Aracruz Celulose, no norte do Espírito Santo;
• Criação da Comissão Nacional de Política Indigenista, formada por 20 lideranças de todas as regiões do País (10 com direito a voz e voto e 10 sem voto), 13 representantes de ministérios com ações voltadas a povos indígenas e 2 entidades indigenistas (uma delas é o Cimi).

IV. Notícias do Congresso Nacional

Diminui a confiança no Congresso Nacional

O caso do senador Renan Calheiros, em contínua degradação, e a votação da CPMF atropelaram, nos últimos meses, o andamento de um Congresso já desgastado, diminuindo a confiança dos brasileiros em seus legisladores e na democracia.

Sem dúvida, a cada nova crise envolvendo parlamentares, juízes ou políticos é abalada a confiança dos brasileiros no funcionamento da democracia. Essa é a conclusão de uma pesquisa coordenada por José Álvaro Moisés, da USP, em 2006. O número de pessoas que dizem preferir a democracia a qualquer outro sistema ficou em 68,1%. Em 1989, eram 51%. Apesar dessa preferência, 81% das pessoas desconfiam dos partidos, e 76%, do Congresso. O estudo mostra que 31,5% dos entrevistados acreditam que a democracia pode funcionar sem partidos e 28,7% acham que pode funcionar sem o Congresso. Além disso, 51,8% concordam em algum grau com a idéia de que, "quando há uma situação difícil no Brasil, não importa que o governo passe por cima das leis, do Congresso, das instituições para resolver os problemas do país". A pesquisa também testou o grau de desconfiança. As três instituições em que mais confiam são bombeiros (86,1%), Igreja (75,3%) e Exército (61,4%).

Os brasileiros tendem a ser muito críticos com a corrupção dos políticos. Mas seriam bem mais lenientes se fossem colocados na mesma situação. Enquanto 97,6% condenam o desvio de recursos públicos para uso em campanha eleitoral, 19,4% dizem que, se fossem políticos, fariam caixa 2 "se não tivesse outro jeito", 6,3% fariam às vezes e 4% fariam sempre. A pesquisa conclui que a corrupção "é o sinal mais evidente de que a qualidade da democracia ainda está em questão".

Levantamento recente sobre os parlamentares revela que até o último dia 29/08 havia em tramitação no STF 172 inquéritos e ações penais contra 92 deputados e outras 23 contra 13 senadores. Além do mensalão, em 52 casos o Supremo já encontrou elementos suficientes para transformar 23 deputados e cinco senadores em réus de ações penais. O restante das investigações está na fase de inquérito. Um em cada seis parlamentares da atual legislatura está, então, sob investigação na mais alta corte do país.

Esta realidade constatada apela urgentemente por uma Reforma Política que proporcione instrumentos de reforma da democracia representativa, libertando-a das amarras do clientelismo e da corrupção eleitoral e consolidando a democracia participativa sobre bases éticas.

Reforma Política ainda por vir

Há quase 10 anos em hibernação no Congresso, acreditava-se que a reposição em pauta da reforma política reunia razoável convergência de vontades para aprová-la sem grandes atropelos. Os vários projetos sobre a matéria vêem sendo decantados desde 2003, o que se supunha expressar a média das tendências partidárias e de suas representações no Legislativo. Levadas à ordem do dia, contudo, desde o início da atual sessão legislativa, as alterações propostas quase em nada avançaram.

O reconhecimento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que os mandatos pertencem aos partidos, foi novo complicador. O risco de que a interpretação do TSE pudesse "virar lei" pela falta de legislação sobre o tema "incentivou" a votação da matéria da fidelidade partidária. Para o deputado Rubens Otoni, relator do projeto da Reforma Política, a aprovação do projeto de lei complementar que tratou da fidelidade partidária "é a busca" de uma regra mais eficaz para "garantir" o mínimo de fidelidade.

Então, qual é o futuro da reforma política? As organizações sociais tinham expectativas de que a votação em lista fechada pudesse ser um primeiro passo na consolidação dos partidos. O Executivo, apesar de ter sinalizado seu apoio a uma reforma política profunda, com lista fechada para possibilitar o financiamento público exclusivo de campanha, acabou liberando sua base parlamentar para votar conforme sua inclinação ou seu bloco partidário.

A posição de J. A. Moroni, da direção da ABONG e do INESC, que atuou decididamente em favor de uma real reforma política, bem revela o estado da questão:

Diz ele: "Para nós, o que está sendo discutido no Congresso não é uma verdadeira reforma política. Ela trata de apenas alguns pontos de uma reforma eleitoral, mas não é a reforma política que nós entendemos e para a qual estamos trabalhando. Para nós, a reforma política é a reforma do próprio poder, de quem o exerce, em nome de quem se exerce, quais os mecanismos que se tem de controle do poder. O que está sendo pautado neste momento é uma reforma eleitoral de alguns pontos do processo eleitoral e da vida partidária, porque tudo diz respeito à questão das eleições".

Continua: "Outros pontos como o fortalecimento da democracia direta, o fortalecimento da democracia participativa, a democratização da comunicação e da informação e democratização do Judiciário, não estão sendo nem tocados". Falou também de dois grandes desafios: "O primeiro: criar realmente um movimento por uma reforma política ampla, democrática e participativa, com maior densidade social e política na sociedade. As pessoas estão, pouco a pouco, desconsiderando essa luta institucional. O outro grande desafio é criar força política para que o Congresso vá além da reforma eleitoral, o que só será conquistado com muita mobilização e pressão da sociedade".

Temos, então, três posições sobre a Reforma Política: a) os que ainda acreditam que o Congresso possa dar novos passos; b) os que só acreditam no processo em andamento com forte participação da sociedade; daí a Frente Parlamentar com a participação da sociedade civil; c) os que defendem uma Assembléia Constituinte. Esta última posição ganha espaço entre alguns partidos políticos e na própria OAB. Partindo do princípio de que o Congresso e os partidos estão desgastados, o professor Fábio Comparato apresentou ao Conselho Federal da OAB uma proposta de uma Assembléia Nacional Revisora - de representantes do povo, exclusivamente para esta finalidade. A OAB ainda não se pronunciou a respeito.

A questão do aborto

Entre os tantos projetos em tramitação sobre o aborto, há um que se sobressai porque vem sendo motivo de muitos conflitos. É o projeto recentemente desarquivado, que tem como autora a ex-deputada Jandira Feghali. Este projeto, após muitas tensões e muito barulho, tinha sido arquivado no final da legislatura anterior. É um projeto polêmico, com muitas implicações constitucionais (direito à vida), implicações jurídicas e éticas. A Comissão de Seguridade Social e Família, onde o projeto está alojado, está dividida num clima conflitivo. Estão sendo feitas audiências públicas numa tentativa de buscar consensos. Ainda faltam duas audiências públicas a serem realizadas até novembro. O próprio presidente da Comissão, deputado Jorge Tadeu Mudalen, assumiu a relatoria. Ele está recebendo muitas pressões em favor do aborto. Em entrevista recente, anunciou que só divulgará seu parecer após o Supremo Tribunal Federal definir sobre quando se inicia a vida humana.

Trabalho no comércio aos domingos

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, no dia 5/9, uma Medida Provisória (MP) para regulamentar o trabalho no comércio aos domingos. A MP, já em vigor, autoriza o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a competência dos municípios de legislar sobre assuntos de interesse local. De acordo com ela, o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.

Tribunal Superior da Probidade Administrativa

O deputado Paulo Renato fez visitas às principais entidades da sociedade, apresentando uma PEC que propõe criar um Tribunal Superior da Probidade Administrativa: com onze membros, indicados pelo STF, sabatinados pelo Senado Federal e nomeados pelo Presidente da República. Este Tribunal terá competência para julgar crimes contra a Administração Pública e atos de improbidade administrativa praticados pelas altas autoridades. Visitou a CNBB e a OAB. Tanto a Comissão Brasileira de Justiça e Paz-CNBB como a Ordem dos Advogados do Brasil tiveram reações mais ou menos na mesma linha: o Supremo Tribunal Federal está preparado para julgar esses casos. O problema é que, infelizmente, a legislação não é aplicada.

Filhos de brasileiros que vivem no Exterior poderão ser registrados

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que permite o registro no exterior de filhos de brasileiros nascidos fora do País. Trata-se de uma emenda à Constituição estabelecendo que o registro possa ser obtido nas embaixadas e consulados. A Constituição, após a emenda de 1994, prevê a necessidade de a pessoa morar no Brasil para optar pela nacionalidade brasileira, o que obrigou muitos pais a voltarem ao País para pedirem o registro. Esta nova aprovação retira a obrigatoriedade dessa condição. Mais de 200 mil brasileiros nascidos no exterior devem ser beneficiados pelo projeto.

Sobre o ensino religioso

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei do Deputado Lincoln Portela sobre o Ensino Religioso (ER). Altera o artigo 33 da LDB, no sentido de que o ER na educação básica seja ofertado mediante autorização dos pais ou representantes legais dos alunos, e que o desempenho dos estudantes nessa matéria não seja levado em conta para efeito da avaliação escolar regular. Desta forma o ER perderia o pouco que conquistou até o momento. Pensemos as conseqüências de uma Lei que, para o aluno ter ER, necessite da autorização dos pais! E mais, o ER seria dado sem ônus para os cofres públicos.

Todo o esforço da CNBB em 1997, para conseguir a aprovação da Lei nº 9475/97, que alterou o art. 33 da LDB para incluir novamente o encargo do pagamento do professor de ER, ficaria anulado. O deputado Odair Cunha está acompanhando com cuidado o Projeto na Comissão de Constituição e Justiça.

Notas:
(1) Não estão incluídas nesta corrente pessoas que participam do governo ou que ocupam posições privilegiadas no aparelho estatal (gestão de fundo de pensão, empresas estatais, autarquias, etc), cuja defesa do governo é óbvia.
(2) Ao redigir esta análise ainda não dispomos dos resultados finais.

(Contribuíram para esta análise Pe. Antonio Abreu SJ, Pe. Bernard Lestienne SJ, Daniel Seidel, Pe. José Ernanne Pinheiro e Pe. Thierry Linard. - Não é documento oficial da CNBB)

* Membro da equipe de ISER-Assessoria e da Coordenação Nacional do Movimento Fé & Política
Extraído de http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29651 acesso em 22 set. 2007