O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Situação da economia global

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por
Wladimir Pomar

A maioria dos analistas internacionais prevê que a economia mundial deve entrar em curva
descendente, durante 2008. Mas também existe um certo consenso de que o maior crescimento
dos países em desenvolvimento deve contrabalançar o fraco desempenho dos países desenvolvidos.
[ . . . ]
Entre os países em desenvolvimento, foram os asiáticos da região do Pacífico que alcançaram as
maiores taxas de crescimento, acima de 10%. Mas muitos países da África e da América Latina
também obtiveram taxas superiores às dos países desenvolvidos, o que é surpreendente, se o fato
for comparado a situações históricas anteriores. Era comum que a queda do crescimento
econômico nos países desenvolvidos tivesse reflexos negativos graves e imediatos sobre os países
em desenvolvimento.
[ . . . ]
Isso não significa, porém, que tais países estejam totalmente protegidos contra os riscos da
desvalorização do dólar americano, de uma recessão nos Estados Unidos e da volatilidade do
mercado financeiro internacional.
[ . . . ]
Em outras palavras, a situação mundial é diferente do passado. Um espirro forte de uma grande
potência talvez já não consiga deixar o resto do mundo gripado. Mas seria um grave erro supor
que todos estão imunes.

Wladimir Pomar é analista político e escritor.
Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1346/46/

Momento de virar à esquerda

Deu no Instituto Humanitas Unisinos:
"Fortalecido pela nítida manifestação popular no segundo turno de 2006, pelo bom
desempenho da economia em 2007 e pela compreensão que sindicatos e movimentos sociais
mostram da conjuntura, a situação objetiva permite que o Executivo escolha o caminho da
esquerda para resolver o impasse criado pelos conservadores no Senado". A proposta é de

André Singer
, jornalista e cientista político, é professor do Departamento de Ciência Política
da USP e ex- secretário de Imprensa e Porta-voz da Presidência da República (governo Lula),

em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 22-01-2008.
Eis o artigo.
Talvez sem consciência do que fazia, a oposição criou as condições mais propícias, desde 2003,
para o governo alterar, em alguns graus para a esquerda, o percurso seguido até aqui. É que, ao
decretar o fim da CPMF no final do ano passado, PSDB e DEM tiraram um dos suportes sobre os
quais estava apoiada a estratégia de fazer distribuição de renda sem confrontar o capital.
[ . . . ]
É verdade que, pela reação de parte do empresariado de São Paulo, animado com a derrota
imposta ao presidente, ou o acordo anterior só servia ao setor financeiro -o que não parece ser o
caso, a julgar pelas altas taxas de lucro e índices de atividade do setor industrial-, ou não foi só a
direita senatorial que deu um tiro no pé.
[ . . . ]
Em todo caso, não terá sido a primeira, nem certamente a última, vez que classes sociais e seus
representantes se deixam enganar por preconceitos e refrações ideológicas. De tanto afirmar a
urgência de aliviar a carga tributária, escapou-lhes que a CPMF era parte essencial de um modelo
que, longe de representar "gastança" inútil, garante a margem necessária para, ao mesmo tempo,
aumentar o investimento social e pagar juros que, embora declinantes até setembro de 2007,
ainda consomem parte muito significativa do orçamento público.
[ . . . ]
Qualquer diminuição do investimento público prejudica as classes populares. Bolsa Família,
vencimento dos funcionários públicos e salário mínimo pago pelo INSS são transferências diretas
do Tesouro para o bolso de assalariados e aposentados.
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No caso da infra-estrutura, atingiria a sustentabilidade do crescimento econômico, que, embora
beneficie também empresários que apoiaram o fim da CPMF, é prioridade absoluta para os que
dependem de um emprego para sair do inferno e ingressar em uma vida mais ou menos civilizada.
[ . . . ]
Em resumo, o gesto talvez impensado da oposição produziu uma polarização das opções
governamentais. Imaginar que se consiga economizar R$ 40 bilhões diminuindo o número de
membros do governo que viajam de avião é daquelas mitologias que só continuam a se propagar
pois há interesse em manter cidadãos confusos.
[ . . . ]
Ao fazê-lo, ajudaria, mesmo em um cenário de incertezas internacionais, a que o país mantivesse
o ritmo de expansão em 2008 e a que os setores progressistas pudessem fazer das eleições
municipais oportunidade de conscientizar o povo sobre o conteúdo da disputa hoje existente no
Brasil.

Cabe ao PT, como maior partido do governo, mas também principal partido socialista do país, cujo
novo Diretório Nacional se reúne pela primeira vez no próximo dia 9, deixar claro qual caminho
convém aos trabalhadores.

Leia na íntegra em http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11791

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Esquerda e direita na América Latina

Deu no Blog do Emir:
Como julgar um governo hoje na América Latina? Como não se julgam as pessoas pelo que elas dizemque são, não se deve julgar um governo pelo que ele diz que é, nem pelo que se diz que ele é, nemtampouco pelo que gostaríamos que ele fosse.
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No período histórico atual, o poder dominante se assenta sobre a hegemonia imperialnorte-americana e o modelo neoliberal. Cada governo deve ser julgado pela medida em que seenfrente a elas e aja concretamente na construção de alternativas que as superem.

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Nesta lista estão os governos do México, do Chile,da Costa Rica e do Peru – que, recentemente,decidiram essa adesão – e da Colômbia – quepleiteia o tratado de livre-comércio com os EUA,mas teve sua solicitação rejeitada pela oposiçãodos democratas no Congresso norte-americano.

[ . . . ]

Essa é linha divisória na América Latina e oCaribe, aquela que divide governos que aderiramaos tratados de livre-comércio, se articulamdiretamente com os EUA, se distanciam dos outrospaíses do continente e hipotecam o futuro dosseus países, renunciando à soberania para definirtemas fundamentais do país.

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Isto é possível pelas mudanças nas políticasinternacionais desses países em relação às deseus antecessores, assim como por flexibilizaçõesdo modelo econômico, o que lhes permitedesenvolver políticas sociais redistributivas,com revigoramento do Estado em alguns aspectos,assim como aumento do trabalho formal – mesmo semajoritariamente com empregos de baixa qualificação –, elevação do poder aquisitivo dos saláriose expansão do mercado interno de consumo, entre outros aspectos positivos.

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Tudo isso, em detrimento da democratização econômica e social, da mobilização e da consciênciapopular, da democratização da formação da opinião pública, de políticas econômicas centradas noconsumo interno de caráter popular, na criação de empregos, na diminuição da jornada de trabalho,na reforma agrária, no fortalecimento da economia camponesa, na segurança alimentar, na regulaçãoda circulação do capital financeiro, no apoio às pequenas e medias empresas.

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Em outro grupo se situam países que romperam ou nunca haviam aderido ao neoliberalismo – comoCuba – ou que estão em processo de ruptura com o neoliberalismo – como a Venezuela, a Bolívia, oEquador –, que, além de participarem integralmente nos processos de integração citados, puderamcriar um espaço superior de integração – a Alba –, em que cada país dá o que tem e recebe o quenecessita, no melhor exemplo alternativo ao “livre-comércio” da OMC, como exemplo do que o FSMchama de “comércio justo”, um embrião do “outro mundo possível”.

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A luta central deve ser pela revogação dos tratados de livre-comércio, mediante mobilizações populares que reivindiquem consultas populares e proponham alternativas de integração regionalcomo opção popular e democrática, recuperando a soberania dos Estados e a participação no Mercosule na Alba.

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O objetivo é reconstruir a unidade da esquerda, buscando evitar tanto a subordinação ao governo,assumindo e justificando tudo o que ele faça, quanto o erro oposto, o de perder a visão global doquadro política – incluindo centralmente a direita nacional, regional e o imperialismo – e exerceroposição frontal a tudo o que o governo faça, até mesmo a posições progressistas – como as defortalecimento do papel do Estado, de integração regional, de resistência às políticas de Guerrados EUA – e confundir-se, assim, com as posições da direita.

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Daí a necessidade das mais amplas formas de mobilização, consciência política e organização,assim como de crítica construtiva, desde dentro desses processos. Nunca somar-se, conscientementeou não, às posições da direita, sempre buscar fortalecer o processo, atuando desde o seu interior.Nunca a América Latina teve, simultaneamente, um número tão grande, diverso e expressivo degovernos progressistas. Tem que saber zelar pela unidade interna da esquerda, pelo enfrentamento àhegemonia imperial dos EUA e ao neoliberalismo, e trabalhar na perspectiva de construção de umaAmérica Latina pós-neoliberal.

Postado por Emir Sader às 14:12

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A revolução técnico-científica questiona o capitalismo

Deu no Brasil de Fato:
Vania Bambirra, uma das formuladoras da Teoria da Dependência, analisa as transformações na América Latina e a impossibilidade de o capitalismo resolver as contradições sociais
07/02/2008
Jorge Pereira Filho, do Rio de Janeiro (RJ)

As frases são carregadas de conteúdo não só discursivo. Têm emoção, histórias. Trajetória de quem além de pensar sobre a dependência, foi testemunha e participante. Vânia Bambirra chegou ao Chile exilada. Ao lado de intelectuais, como Rui Mauro Marini, Andre Gunter Frank, Theotônio dos Santos, formulou a Teoria da Dependência, uma leitura marxista, crítica, não-dogmática, dos processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo.


Em 1961, inscreveu-se com um grupo de intelectuais, entre eles Theotônio, como voluntária para defender a revolução cubana. Participou da Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (ORM-Polop), organização que lutou contra o regime militar de 1964. No Chile, integrou o Centro de Estudos Sócio-econômicos (CESO) com um grupo de marxistas que desenvolveu uma nova leitura da realidade latino-americana. Elaboraram um instrumental analítico da realidade que influenciou o programa da Unidade Popular, partido de Salvador Allende, eleito presidente em 1970. Três anos depois, assiste o assassinato do primeiro presidente de esquerda eleito democraticamente em um golpe de Estado promovido pelas forças militares, com apoio dos Estados Unidos. Novo exílio, dessa vez no México, onde leciona na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). Volta ao Brasil apenas nos anos de 1980.


Mais conhecida na América Hispânica do que no próprio Brasil, tem apenas dois livros publicados em terras tupiniquins. Ainda não se encontra nas livrarias uma de suas mais famosas obras, “A Revolução Cubana – uma reinterpretação”, tido como um dos melhores trabalhos produzidos fora de Cuba sobre o processo revolucionário. Hoje vive no Rio de Janeiro, com sua filha e seu neto. Em entrevista ao Brasil de Fato, concedida no final de novembro, Bambirra expõe suas idéias sobre os processos capitalistas contemporâneos, as transformações na América Latina e a decepção com o governo Lula. QUEM É Vânia Bambirra é cientista política formada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Economia pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). De 1991 a 2000, foi Chefe da Assessoria Técnica da Liderança do PDT na Câmara dos Deputados, partido do qual não é mais filiada.


A Teoria da Dependência foi formulada na década de 1960. O que mudou hoje na relação dos países da América Latina com o resto do mundo?
Vânia Bambirra – É preciso dizer que a Teoria da Dependência, que surgiu nos anos 1960, sofreu um baque com o golpe do Chile (1973). Foi muito criticada porque teria influenciado o governo de Salvador Allende; de fato, influenciou o seu programa. E seus críticos diziam que, assim como a experiência fracassou, a Teoria da Dependência teria tido o mesmo destino. Ela entrou em uma crise, não houve mais produção a partir a partir de então. E ela não captou as mudanças que ocorreram nos 1980. O que aconteceu depois? (Ronald) Reagan teve dois mantados (1980-1988) e consolidou o neoliberalismo na América Latina. A Teoria da Dependência não processou essa fase porque já estava em baixa. O próprio Rui Mauro Marini faz reflexões em vários artigos, mas não há uma análise profunda e sistemática do neoliberalismo. O mundo mudou, sim. O imperialismo transformou o mundo globalizado. A globalização é uma palavra moderna para esse fenômeno.
[ . . . ]
Reacionário no sentido de não permitir a ampliação dos avanços das forças produtivas?
A tendência é se acabar com o trabalho humano, que é o que gera mais-valia. Mas, sem isso, não há como o capitalismo sobreviver.
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O ingresso de massas trabalhadoras nos parques industriais da China e da Índia e a redução do trabalho operário na Europa, nos países centrais, trazem mudanças no conceito de superexploração?
Traz, evidentemente. Na China, por exemplo, essas massas que deixam o campo e vão para as cidades recebem salários irrisórios. Por que as coisas feitas na China são tão baratas? Porque há uma intensificação da superexploração. Remunera-se o trabalho muito abaixo. É uma hipersuperexploração. Quanto é o salário de um trabalhador na China? 30 dólares? Vão surgindo nesse país, que foi socialista, as mazelas típicas das sociedades capitalistas. É uma população que não estava acostumada com isso. Por que na Rússia, na Alemanha e em ex-repúblicas socialistas começa a surgir um saudosismo daqueles velhos tempos? Isso se manifesta, claro, entre os mais idosos. Mas é muito significativo isso. Porque a hecatombe foi em 1990, não foi há tanto tempo assim. Eles vivem uma sociedade de consumo, mas não podem desfrutar dela.
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As senhora acredita que há alguma forma de superar essa etapa neoliberal nos marcos do próprio capitalismo, como a reativação do Estado de bem-estar social, o neokeynesianismo?
Nenhuma viabilidade. Como é que vai superar, se o progresso vai na direção de superar o trabalho humano? É nesse sentido que o capitalismo é reacionário, porque precisa do trabalho humano. E o socialismo tampouco conseguiu essas respostas. Veja bem, Marx, os clássicos, pensavam o socialismo em uma sociedade desenvolvida. Foi uma audácia fazer a Revolução Russa. Os bolcheviques foram muito atrevidos, porque ousaram tomar o poder e tentar construir o socialismo em uma sociedade cheia de vestígios feudais que não tinha tido um desenvolvimento suficiente do capitalismo. A Rússia era muito atrasada. E ainda mais grave: foi um país cercado, bloqueado, dizimado fisicamente, invadido pelos países desenvolvidos europeus. A infra-estrutura incipiente capitalista que existia lá foi fisicamente destruída. Começou-se a construir sob os escombros. Então era para dar no que deu, todo mundo torcia que não. Era uma epopéia incrível. O socialismo completa quase 100 anos. E quantos anos o capitalismo demorou para se desenvolver? O socialismo ainda é uma experiência muito rudimentar, frágil, porque triunfou em países muito débeis.
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Como a senhora coloca a questão do consumismo nisso? Por exemplo, fala-se que seria inviável expandir para o planeta o padrão de consumo estadunidense ou europeu.
O modelo de vida da maioria dos americanos, e a maioria é classe média, é modesto. Não vamos esquecer que os Estados Unidos têm milhões e milhões de miseráveis, sendo o país mais rico do planeta. Vamos falar da classe média americana. Eles têm um modelo de vida muito restrito, muito medíocre. Nova York é uma cidade violentíssima, muito perigosa, com níveis de violência que não fazem inveja ao Rio de Janeiro. Entre no Central Park à noite para ver o que ocorre. A maior parte dos americanos tem uma vida medíocre, mas vive no país mais rico do mundo. É um absurdo. É um povo que não usufrui em sua maioria das riquezas que o sistema produtivo conquistou.
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E o Lula?
Isso é a continuidade de Fernando Henrique, é o neoliberalismo, sim. E aí eu acho mais inconcebível. Não sou moralista, não vou entrar na história de “mensalão”, corrupção, isso é secundário. O que é substantivo é a amizade que ele tem com Bush. Eu votei nele e não votei num cara que iria ser o amiguinho número 1 do Bush. Não votei em um cara que quer transformar o campo brasileiro em zona de produção de agrocombustível para abastecer os Estados Unidos. Tirar comida da boca do povo brasileiro para dar combustível para os países desenvolvidos? Isso não.
[ . . . ]
A senhora acha que esses países caminham para uma saída mais desenvolvimentista ou para uma transformação mais radical?
Olha, o ritmo da radicalização é marcado pela contra-revolução. Assim foi em Cuba. É contra-partida. Se a direita avança, força esse processo. Isso está ocorrendo assim na Bolívia, querem tornar independentes as regiões mais ricas. Não somos nós que definimos o ritmo das mudanças. E como quem é proprietário privado nunca vai abrir mão, a tendência é sempre essa, de radicalização. Já vimos esse filme antes. O Evo vai chegar a um ponto em que precisará entregar ao povo as defesas daquilo que conquistou. As respostas a gente já conhece. E nenhum processo avança se não tem a confiança do povo em definitivo. Em Cuba, por exemplo, se a população quisesse depor Fidel Castro, tinha feito isso. Mas eles o adoram. Saúde de altíssimo nível, escola, comida, mesmo que racionada, porque é um país que importa alimentos, não produz. Não há uma abundância generalizada em Cuba.
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Ainda sobre o mundo socialista, há pesquisadores que apontam a existência de um suposto imperialismo soviético sobre as outras repúblicas socialistas...
Essa é uma visão de direita. A questão é que a União Soviética salvou Cuba; sem o petróleo, a revolução não teria sucesso. Para os soviéticos, interessava o sucesso da revolução. Mas é óbvio que, junto com esse apoio, veio toda um influência. Os cubanos passaram a adotar típicos manuais soviéticos nas universidades. E foram assimilando certas mazelas do sistema soviético. Isso é inquestionável. Foi um período terrível, à beira de uma guerra nuclear. A primeira vez que fui a Cuba foi em 1963. Eu conheci intelectuais cubanos que tinham uma independência muito grande em seu pensamento. Claro, não podiam expressar isso. Uma revista como Pensamiento Crítico acabou fechada, o que foi terrível, muito ruim. Mas foi um preço alto que se teve de pagar pela manutenção da revolução cubana. Um preço alto. Valeu a pena? Eu acho que valeu. Porque o exemplo de Cuba está aí e é onde a Venezuela se inspira. A bandeira do socialismo está lá hasteada, em uma ilha. O país tem uma das melhores taxas de mortalidade infantil do mundo, está exportando médicos, acabou a miséria.
[ . . . ]
E como a senhora entende, hoje, a questão dos partidos?
Eu acho fundamental. Não sou dinossauro, nem nada, cabeça bem aberta, tentando analisar as coisas objetivamente. Partido é um grande instrumento para se formar quadros, organizar militância. Partido nada mais é do que um instrumento, mas um instrumento muito importante de organização do povo. Senão caímos no anarquismo, o que não leva nada em nenhum lugar. Os anarquistas tinham uma força histórica tremenda no começo do século no Brasil, fizeram greves sensacionais, mas levaram alguma coisa? Não levaram nada. Na revolução mexicana, o Pancho Villa e Emilliano Zapata tomaram o Zócalo (praça central da Cidade do México, onde fica o Palácio Nacional, sede do governo), tiram fotos e, depois, vão embora. Não tinham o que propor para o conjunto da sociedade. O partido é muito importante. Não o operário, vamos modernizar essa concepção, mas sim um partido que englobe todas as forças progressistas.
[ . . . ]
Que lembranças você tem dos anos 1960 em termos de luta, militância e atividade?
A lembrança dos anos 1960. Para destacar algo, eu me lembro muito do grupo de pesquisa na Universidade do Chile, onde elaborávamos em debates a Teoria da Dependência. E a minha melhor lembrança é a do Rui Mauro Marini, um intelectual brilhante. Organizamos um seminário de leitura do Capital. Eu já tinha lido, mas individualmente. A leitura coletiva é mais rica. Foi um contato muito marcante, do ponto de vista acadêmico e político.
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Os dois governos de Fernando Henrique colocaram em prática as idéias proposta do debate que ele tinha com Rui Mauro? Você conviveu com ele, no Chile...
A Teoria da a Dependência de Fernando Henrique nunca foi marxista, ele conhecia o marxismo, mas sempre foi weberiano. Quando eu o conheci no Chile, uma coisa interessante é que ele nunca discutia nada político; apenas o acadêmico. Ele freqüentou minha casa no Chile, cheguei a me despedir dele no aeroporto quando fui embora do país. Ele falava em sociologia o tempo todo, era um chato. Quando voltei ao Brasil, ele veio jantar conosco e era senador. Mas eu acho que ninguém esperava que fosse fazer um governo tão neoliberal, tão traiçoeiro. Entregar todas as jóias da Coroa, as empresas nacionais, lucrativas. Entregar tudo a preço de banana, literalmente. O que ele fez com a Vale do Rio Doce? Eu chorei quando ele vendeu a empresa, trabalhava em uma assessoria técnica na Câmara dos Deputados. Eu não esperava que chegasse a esse ponto de ser tão reacionário. Mas queria encerrar a pergunta afirmando o seguinte: tive decepção com Fernando Henrique, sim; mas tive mil vezes mais decepção com o Lula. O Fernando Henrique eu sabia que não era um cara de esquerda, era um cara progressista à época. Um liberal-progressista. Mas o Lula era do PT; claro, eu sempre fiz crítica ao PT, mas era um operário e terminar como amigo do Bush? Seguir uma linha tão entreguista? É o fim.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Um ano de Yeda Crusius: qual o balanço?

Deu na Agência Carta Maior:
O governo Yeda Crusius foi eleito com um discurso baseado em três conceitos: novo jeito de
governar, fazer mais com menos e transparência na gestão. Ao final do primeiro ano, esses três
conceitos foram bombardeados pelos próprios atos do Executivo.
Marco Aurélio Weissheimer

Quando Yeda Crusius (PSDB) assumiu o cargo de governadora do Estado no dia 1° de janeiro de 2007,
em uma cerimônia realizada no Palácio Piratini, ocorreu uma pequena gafe com a bandeira do
Rio Grande do Sul, sem maiores repercussões. Yeda foi comemorar a posse, na sacada do palácio,
com uma bandeira do RS nas mãos. Com as duas mãos, mostrou-a a seus apoiadores que estavam
na rua. A bandeira estava virada de cabeça para baixo. Se olharmos para esta cena hoje, ela
aparece como um símbolo profético do que estava por vir nos próximos meses.
[ . . . ]
Logo após a campanha eleitoral, Feijó denunciou que havia sido censurado durante a campanha
e impedido de expressar suas opiniões favoráveis às privatizações. Na campanha, reproduzindo o
discurso utilizado pelo candidato tucano à presidência da República, Geraldo Alckmin, Yeda Crusius
prometeu que não iria privatizar patrimônio público no RS. Além disso, prometeu que não iria
propor aumento de impostos, dizendo que essa era uma prática do “velho jeito de governar”.
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As marcas do novo jeito de governar
O atual governo foi eleito com um discurso baseado em três conceitos: novo jeito de governar,
fazer mais com menos e transparência na gestão pública. Ao final do primeiro ano, esses três
conceitos foram bombardeados pela realidade dos próprios atos do Executivo. O “novo jeito de
governar” acabou traduzido por uma sucessão de conflitos em áreas estratégicas do serviço
público: Segurança, Educação e Meio Ambiente.
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A fragilidade maior do principal conceito do governo Yeda acabou revelando-se mesmo na relação
que estabeleceu com sua própria base aliada na Assembléia Legislativa. A derrota estrondosa que
o governo sofreu na segunda tentativa de aprovar uma proposta de aumento de impostos, em
novembro de 2007, escancarou a incapacidade do Executivo de fazer valer a maioria que tem no
Parlamento.
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“Fazer mais com menos”
O conceito de “fazer mais com menos” também sai enfraquecido ao final do primeiro ano de
governo. A queda na qualidade dos serviços públicos, motivada pelo corte linear de 30% no
orçamento de todas as secretarias, transformou o Palácio Piratini em um palco de protestos de
servidores públicos.
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“Transparência na gestão”
Por fim, o conceito de “transparência na gestão” chega ao final do ano torpedeado pelo escândalo do
Detran. A Operação Rodin, desencadeada pela Polícia Federal, revelou um esquema de corrupção,
que teria iniciado ainda durante o governo Rigotto, que causou um prejuízo de pelo menos R$ 40 milhões
aos cofres públicos. Entre os presos na operação, nomes importantes do governo, como Flávio Vaz Neto
(presidente do Detran) e Antônio Dorneu Maciel (diretor financeiro da CEEE), e um dos ex-coordenadores
financeiros da campanha de Yeda, o empresário Lair Ferst.
[ . . . ]
* Publicado originalmente no jornal Extra-Classe, do Sindicato dos Professores do RS (Sinpro)
Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3803

A recessão nos EUA e seus reflexos

Deu na ALAInet:
Altamiro Borges

Agora não são somente os críticos do desastroso governo Bush que alertam. Até os economistas ortodoxos, ligados aos círculos financeiros, prevêem que os EUA entrarão em recessão em 2008. Numa enquete recente, a agência de noticias Bloomberg constatou que a maioria dos analistas de mercado avalia que o PIB do país sofrera retratação já neste primeiro trimestre. Goldman Sachs, Merrill Lynch e Morgan Stanley, poderosas máfias financeiras, também temem o pior, apesar das nuances nas analises entre os mais e os menos pessimistas – sem que haja nenhum otimista.
[ . . . ]
O declínio do império
Segundo recente pesquisa da CNN, 57% dos estadunidenses avaliam que o país já se encontra em
recessão. Para David Brooks, do La Jornada, este pessimismo é compreensível. “Milhares
perderam suas casas com a crise da divida hipotecária, um em cada 10 padece de fome, o salário
real da grande maioria dos trabalhadores não melhora a mais de 30 anos... O ‘sonho americano’ se
define muito simplesmente: a nova geração gozará de melhor nível de vida do que a anterior. Mas
este mito fundamental no país está se desvanecendo rapidamente. Pesquisa recente detectou que
somente 16% acreditam que seus filhos terão melhores condições financeiras do que a sua”.
[ . . . ]
Otimismo excessivo do BC
Diante deste cenário sombrio, que aterroriza os donos do capital, quais os reflexos no restante do
mundo? É certo que, mesmo combalida, a economia ianque ainda ocupa posição de destaque no
planeta. Caso entre realmente em recessão, toda a economia mundial será atingida – inclusive a
brasileira. Um dos efeitos será o da redução das importações, principalmente das dependentes e
limitadas commodities. Também poderá ocorrer fuga de capitais, inclusive nos investimentos
diretos, e quebradeira das poderosas multinacionais ianques, com os seus efeitos devastadores.
[ . . . ]
É certo que o Brasil hoje está menos vulnerável aos humores externos. Até setores críticos da
política macroeconômica do governo reconhecem este avanço. O economista Paulo Nogueira
Batista Jr., por exemplo, não acredita que a retração nos EUA paralisará o crescimento brasileiro.
“A recessão americana teria que ser muito forte para produzir esse efeito... A menos que se
instaure um cenário externo caótico, a economia brasileira continuará crescendo. Mesmo que os
EUA entrem em recessão”. De qualquer forma, é bom se prevenir!

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB,
editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”
(Editora Anita Garibaldi).
Leia na íntegra em http://www.alainet.org/active/21591〈=pt

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O poder tem medo da Internet

Deu no Instituto Humanitas:
Entrevista com Manuel Castells
Se alguém estudou o que é, por dentro, a sociedade da informação, é o sociólogo Manuel Castells. A sua
trilogia A era da informação foi traduzida para 23 línguas. Ele voltou para a Espanha em 2001 e dirige a
pesquisa na Universitat Oberta de Catalunya, depois de ter lecionado, durante 24 anos, na Universidade da
Califórnia, em Berkeley. Uma das pesquisas mais recentes é o Projeto Internet Cataluña, em que durante seis anos
analisou, com 15 mil entrevistas pessoais e 40 mil pela internet, as mudanças que a Internet introduz na cultura
e na organização social. Ele acaba de publicar com Marina Subirats, Mujeres y hombres, ¿un amor imposible?
(Alianza Editorial), onde aborda estas mudanças. A reportagem e a entrevista é de Milagros Pérez Oliva e publicada
pelo jornal El País, 6-01-2008.
Eis a entrevista.

Esta pesquisa mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas que as pessoas
que mais usam o chat são as mais sociais.

Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenho sido uma surpresa. Há
pelo menos 15 estudos importantes no mundo que dão esse mesmo resultado.
[ . . . ]
Porque tem medo do novo?
Exatamente. Mas medo de quem? A velha
sociedade tem medo da nova, os pais dos seus filhos, as pessoas que têm o poder ancorado num mundo
tecnológico, social e culturalmente antigo do poder que lhes abalroa, que não entendem nem
controlam e que percebem como um perigo. E no fundo é mesmo um perigo. Porque a Internete é um
instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre foi baseado no controle das pessoas
por meio do controle da informação e da comunicação. Mas isto acaba. Porque a Internet não pode
ser controlada.
[ . . . ]
Se a Internet é tão determinante da vida social e econômica, seu acesso
pode ser o principal fator de exclusão?

Não. O mais importante segue sendo o acesso ao trabalho e à carreira
profissional e, ainda anteriormente, ao nível educativo, porque sem educação, a tecnologia não
serve para nada. Na Espanha, a chamada exclusão digital é por questão de idade. Os dados estão
muito claros: entre os maiores de 55 anos, somente 9% são usuários da Internete, mas entre os
menores de 25 anos, são 90%.
[ . . . ]
Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente  e que é cada vez mais
globalizada, aumenta a sensação de insegurança, de que o mundo se move debaixo dos nossos pés?

Há uma nova sociedade que eu busquei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede e que
não está distante da que define Bauman. Eu creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que
tudo está articulado de forma transversal e onde menos controle das instituições tradicionais.
[ . . . ]
Qual é o papel da Inernet neste processo?
Por um lado, ao nos permitir aceder à toda informação, aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é
um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isto é algo que demonstramos pela primeira
vez na nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mas ela utiliza a Internet. Em nosso
trabalho definimos seis dimensões da autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte
projeto de autonomia, em qualquer uma dessas dimensões, ela utiliza Internet com muito mais
freqüência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro,
quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos ela se fia das instituições.
[ . . . ]
Leia na íntegra em http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11632

CTB, a novidade no sindicalismo

Deu na ALAInet:
ltamiro Borges
A crise do sindicalismo, que já dura quase duas décadas, teve forte impacto na fundação e funcionamento das centrais sindicais, que têm como função superar a dispersão das categorias isoladas e unificar a classe para interferir nos rumos do país. No topo, o movimento sindical se encontra dividido e fragmentado, bem diferente de outros períodos históricos, nos quais sempre predominou uma única articulação horizontal da classe – como a Confederação Operária Brasileira (COB), dirigida pelos anarquistas no início do século passado, ou a CGT, no final dos anos 20, o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), nos anos 40, e novamente a CGT na década de 60, todas sob a hegemonia dos comunistas.

A fragmentação do sindicalismo

Apesar do nome, a CUT nunca foi a central única dos trabalhadores. Na década de 80, já concorria com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). Nos anos 90, devido à tsunami neoliberal, a fragmentação se agravou. A vitória de Collor de Mello inspirou o surgimento da Força Sindical (FS); já o governo FHC incentivou a fundação da Social-Democracia Sindical (SDS). Além destas, neste mesmo período surgiram também a CGTB, a CAT e outras entidades menos representativas. A “crise existencial” do sindicalismo no primeiro governo Lula reforçou ainda mais esta divisão. Contraditoriamente, a central que mais perdeu bases foi a inspirada pelo próprio presidente, o que confirma as limitações e graves equívocos da CUT.

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As limitações da CUT


Devido ao quadro de divisão no topo e à realidade adversa na CUT, a sua segunda maior força interna, a Corrente Sindical Classista (CSC), também decidiu sair da entidade e fundou, num congresso no final de 2007, a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB). A fundação reuniu distintas tendências e setores do sindicalismo – inclusive federações e sindicatos da cidade e do campo que não se sentiam representados pelas atuais centrais. A CTB defende uma tática diante do presidente Lula que evite tanto a passividade acrítica da CUT como o voluntarismo esquerdista da Conlutas e da Intersindical. Nem chapa-branca, nem oposição sectária! Sem fazer o jogo da direita para evitar qualquer risco de retrocesso, ela propõe apoiar as medidas progressistas do governo Lula, mas também pressioná-lo para que avance nas mudanças.

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Em primeiro lugar, os classistas criticam a ausência de democracia interna e as práticas exacerbadas de hegemonismo da força majoritária. Acusam a CUT de se tornar uma entidade partidarizada, que não dá espaço para outras correntes de pensamento. Afirmam que não há no seu interior respeito ao pluralismo e nem transparência na gestão – inclusive nas finanças. A segunda crítica diz respeito à burocratização e à institucionalização desta entidade, que teria refluído no seu ímpeto combativo e se afastado das bases dos trabalhadores. Por último, afirmam que esta central perdeu autonomia durante o governo Lula, adotando uma postura de passividade acrítica que reforçaria as marcas de uma entidade chapa-branca.
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Algumas polêmicas antigas

Além destas críticas, os idealizadores da CTB retomam velhas polêmicas, que sempre estiveram presentes no conjunto do sindicalismo e no interior da CUT. Já no debate sobre a reforma sindical, promovido no primeiro mandato do presidente Lula através do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite que reuniu representantes do governo, do patronato e do sindicalismo, as diferenças de concepções se aguçaram. A corrente majoritária da CUT defendeu o fim da unicidade e da contribuição sindical e propôs uma estrutura centralizada na cúpula, retirando autonomia dos sindicatos na base. A CSC e várias entidades independentes, sem filiação às centrais, uniram-se para barrar o perigo da pulverização sindical, da redução dos recursos financeiros para as organizações dos trabalhadores e da concentração de poder no topo. Graças a esta atuação, a reforma sindical pretendida pela direção da CUT não saiu do papel.

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Este debate estratégico ressurgiu no ano passado com o projeto do governo Lula de reconhecimento das centrais. O acordo firmado garantia a existência da estrutura horizontal com a redistribuição dos recursos da contribuição sindical – dos 20% que atualmente vão para a “conta especial de emprego e salário” do Ministério do Trabalho, 10% seriam investidos no fortalecimento das centrais. Coube ao patronato atacar o sistema de custeio das lutas dos trabalhadores, aprovando o projeto do deputado Augusto Carvalho, que extinguiria arbitrariamente a contribuição sindical. A experiência concreta confirma que o capital almeja enfraquecer o sindicalismo. A unicidade, a contribuição e a existência de centrais incomodam o capital.
Sindicalismo internacional

O aumento das tensões na CUT, que resulta agora na criação da CTB, também reflete o intenso processo de realinhamento do sindicalismo mundial. No final do ano passado, num congresso na Áustria, foi criada a Confederação Sindical Internacional (CSI), com a fusão de duas antigas organizações: a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl) e a Confederação Mundial do Trabalho (CMT). Estas duas entidades sempre cumpriram papel de freio da luta dos trabalhadores, apostando na conciliação de classes e adotando práticas cupulistas e burocratizadas. A primeira era ligada ao pragmatismo sindical dos EUA e à social-democracia européia; já a segunda era dirigida pela democracia-cristã. Com a fusão, a CSI pretende garantir a total hegemonia do sindicalismo internacional, impondo a sua visão de defesa do capitalismo “civilizado” e de domesticação da luta de classe.

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Prova da forte influência das nações imperialistas, o congresso quase não condenou o genocídio praticado pelos EUA no Iraque e Afeganistão, que já causou mais de 700 mil mortes, mas dedicou muitas páginas para condenar o governo da China. Ele também sequer mencionou a heróica luta do povo cubano contra o criminoso bloqueio econômico dos EUA e a resistência dos venezuelanos contra os golpes e sabotagens patrocinados pelo “império do mal”. Diante do real perigo representado pela CSI, que afirma representar 166 milhões de trabalhadores de 156 países, há um esforço do sindicalismo classista no mundo todo para reagrupar as suas forças. Este movimento cresce principalmente na América Latina, onde a resistência dos povos tem garantido expressivas vitórias nos últimos anos, com uma viragem à esquerda na região.

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Desafios diante do governo Lula

Diante dos sinais contraditórios do sindicalismo, fica evidente que ele terá enormes desafios pela frente. As possibilidades de revigoramento da sua atuação, decorrentes do tímido crescimento da economia e da postura democrática do governo Lula, não garantem por si só que conseguirá superar sua crise estrutural e “existencial”. É preciso dotar o sindicalismo de táticas e estratégicas ajustadas. Neste sentido, a CTB, a maior novidade do sindicalismo no último período, poderá dar importantes contribuições. No tocante ao governo Lula, é necessário extrair as lições do primeiro mandato para garantir três requisitos essenciais:

1) Preservar a autonomia. O sindicalismo não pode se confundir com o Estado, mesmo que o governo de plantão seja oriundo de suas lutas, sob pena de virar um mero apêndice, um dócil instrumento chapa-branca, sem capacidade de crítica e de mobilização de suas bases. Mesmo na experiência socialista na ex-União Soviética, que decorreu de uma revolução e não de uma mera eleição, a fusão do sindicato com o estado foi desastrosa. O sindicalismo perde suas funções de instrumento de luta e pressão social;

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3) Agir com sagacidade. A direita neoliberal, derrotada nas urnas, está na espreita para retornar ao poder e para aplicar seus planos destrutivos. Ao mesmo tempo em que pressiona o governo para que ele avance nas mudanças, o sindicalismo deve usar sua inteligência política para evitar qualquer risco de retrocesso, para não fazer o jogo dos inimigos. Mantendo a sua autonomia, deve apoiar as medidas progressistas do governo, como o veto presidencial à Emenda-3, e denunciar todas as manobras das classes dominantes, como o movimento golpista do “Cansei”. Não basta lutar, é preciso saber lutar.

Autocrítica e desafios estratégicos


Além destes desafios táticos diante do governo Lula, o sindicalismo necessita aproveitar este momento de maior democracia para realizar profundo exame autocrítico da sua atuação. Os sombrios anos da tsunami neoliberal resultaram no seu afastamento das bases e na perda do seu poder de barganha. Para superar esta grave crise, que resultou na sua institucionalização e burocratização, o sindicalismo necessita concentrar energias e investir pesado na mobilização, conscientização e organização dos trabalhadores. Mobilizar, conscientizar e organizar – eis os três desafios estratégicos do sindicalismo.

Para isto é preciso refletir sobre a nova realidade do mundo do trabalho, atuando junto aos terceirizados e aos demais precarizados, usando a criatividade para atrair os jovens, priorizando a inserção das mulheres, concentrando esforços na organização no local do trabalho e investindo na formação política e sindical. Também é urgente estreitar os laços de solidariedade com o conjunto das forças populares, reforçando iniciativas como a da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). A realidade do trabalho hoje é mais complexa e fragmentada e o sindicalismo, por si só, não tem mais como cumprir o papel estruturante na resistência dos trabalhadores. Daí a urgência de investir com mais ímpeto nos movimentos sociais.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

Leia na íntegra em http://alainet.org/active/21473

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Nós e o cansaço da superpotência

Deu no Blog do Alon:

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (08/01/2008) no Correio Braziliense.

Decadência material combinada a angústias existenciais, tudo indica que o vento contestatório é sintoma de que vem aí um ciclo isolacionista na política americana. “America first”, como diria Mike Huckabee

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

O vento anti-establishment começa a soprar com força na sucessão presidencial americana. Hoje é dia de decisão nas primárias de New Hampshire. Uma nova derrota deixará a democrata Hillary Rodham Clinton em situação ainda mais difícil. Aritmeticamente, ela vai bem. O problema é que Barack Obama ameaça virar uma onda. Do lado republicano, a antes aparentemente favorita candidatura de Rudolph Giuliani dá sinais crescentes de debilidade. O sonho de uma disputa “novaiorquina” vai ficando cada vez mais distante e improvável.
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Quais são as raízes da contestação nos Estados Unidos? Uma pergunta a fazer é se a sociedade americana não estaria dando sinais de desagrado e esgotamento diante do custo de seu país manter-se como superpotência. Depois do ataque às torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001, a explosão dos gastos militares na gestão republicana aposentou a política de responsabilidade fiscal posta em prática pelos democratas. E a bomba-relógio dos déficits gêmeos (externo e fiscal) continua seu tique-taque, com a previsível conseqüência sobre o dólar, cada vez mais fraco.
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Analistas respeitados apontam que os ventos anti-establishment sopram também a partir da insatisfação popular com os sinais de declínio do poder nacional. Há dúvidas e frustração sobre os custos e os resultados das guerras no Afeganistão e no Iraque, sobre a incapacidade de desnuclearizar o Irã e a Coréia do Norte, sobre a fragilidade financeira desencadeada pela crise do mercado imobiliário, sobre o alto preço do petróleo, etc.
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E o Brasil? Diante desse cenário, será prudente afastar a latente tentação de voltar as costas aos vizinhos e colocar as fichas no aprofundamento das relações bilaterais com Washington. É uma cantilena atlantista que volta e meia ressurge das entranhas do Itamaraty, permanentemente consumido pela luta interna entre terceiro-mundistas e americanófilos. Que estes últimos nos perdoem, mas o mar não está para o peixe que tentam nos vender.

Melhor a gente se entender bem com a vizinhança e aprofundar a integração comercial, política e militar. Vamos olhar legal a nossa casa e assumir com responsabilidade nosso papel de potência regional, cuidando sempre de não melindrar coadjuvantes como a Argentina. A América do Sul é um continente livre do terrorismo e das armas de destruição em massa. Um continente que cresce em paz e na democracia. Preservemos esse statu quo. Parece a atitude mais prudente e adequada ao que parece vir por aí, no grande irmão do norte.


Acrescento no blog: para uma interessante e bem-humorada caracterização dos candidatos à eleição nos Estados Unidos, vale ler o post Eleições americanas: um ABC, do Idelber Avelar, no blog O Biscoito Fino e a Massa.

Leia na íntegra em http://blogdoalon.blogspot.com/2008/01/ns-e-o-cansao-da-superpotncia-0801.html

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Governo reafirma ênfase Sul-Sul

Deu no Correio do Brasil:
Por
Sidney Ferreira Leite - de São Paulo
O debate sobre as diretrizes da política externa brasileira ganhou um importante eixo de reflexão. Em fins de agosto, o ministro Celso Amorim proferiu discurso no Tribunal de Contas da União (TCU). O tema central de sua explanação foi a diretriz da política do comércio exterior brasileiro, levada a cabo pelo seu ministério.
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Além disso, as exportações brasileiras não cessam de ocupar proporções mais significativas no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Em 2002, por exemplo, respondiam por 8,5% do PIB, atualmente esse índice alcançou a marca de 13%. O superávit de nossa balança comercial atingiu o significativo índice de 46 bilhões de dólares. O dado mais relevante, no entanto, vem da área de investimentos. Tradicionalmente na posição de país em fase de desenvolvimento, o Brasil se colocou ao longo das últimas décadas na posição de receptor de investimentos externos. Todavia, em 2006, invertemos os sinais desse paradigma. Os investimentos do Brasil no exterior superaram os investimentos recebidos. Esse dado é muito relevante e está carente de análises mais aprofundadas. Enquanto tais análises não são elaboradas, um aspecto parece indiscutível: o setor externo ocupa, dia-a-dia, posição mais auspiciosa no conjunto da riqueza nacional.
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De fato, os resultados acima são expressão de uma conjunção de iniciativas políticas que delinearam ações com ênfase em países e regiões do Hemisfério Sul. Houve um aumento significativo da participação das empresas brasileiras no âmbito regional, isto é, nos países do Mercosul. Entre 2003 e 2005, por exemplo, as empresas brasileiras investiram aproximadamente 16 bilhões de dólares na América do Sul, sendo que o governo brasileiro financiou mais de 40 projetos de infra-estrutura em países vizinhos.
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No entanto, pode-se colocar outra questão à mesa das reflexões que norteiam a agenda da política comercial brasileira contemporânea: como podemos traduzir nossos êxitos na balança comercial em desenvolvimento para o país e para a sociedade? Para essa pergunta, ao mesmo tempo, inquietante e fundamental, parece que tanto o governo, como seus opositores não têm uma resposta clara, objetiva e satisfatória.

Sidney Ferreira Leite é consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria e coordenador do curso de Relações Internacionais da Trevisan Escola de Negócios. Leia na íntegra em http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=131819

Fé e Política

Deu no Correio do Brasil:
Por Luis Alberto Gómez de Sousa - do Rio de Janeiro

(Pensando em meus mestres H. C. Lima Vaz e Ernani Maria Fiori)
Emmanuel Mounier, mestre do personalismo comunitário, que marcou minha geração de JUC e de AP, Betinho e outros, em Feu la chretienté, 1950, pouco antes de morrer, tantos anos atrás, dizia que não se pode ser monarquista ou socialista porque cristão. Ele era um cristão que, com os instrumentos de análise social, fez uma opção socialista, não um socialista cristão, o que seria instrumentalizar a Fé e reduzi-la a uma ideologia e, além disso, não saber usar as categorias próprias das ciências sociais.
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Optemos ou rejeitemos valentemente projetos políticos e técnicos, sem nos esconder nos pretextos da profecia, que é um gesto muito menos comum do que se pensa e seria uma arrogância querer aplicá-lo à ligeira. Muito menos o martírio. Já falei disso em texto anterior. Jung Mo Sung nos está ajudando a pensar.
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Um dos apoiadores disse ontem que agora o governo resolveu dialogar! Que loucura, desde o começo Gilberto e outros, incansavelmente, estão tentando. Claro, com rigidezes e simplificações de um ministro do próprio governo. Mas seu trabalho paciente topou com a inflexibilidade de Cappio e de seus assessores. Agora, o médico e o irmão dizem que acabou e greve e os assessores dizem que não. Porque não se substituem a ele? É fácil empurrar o outro para a morte. Aliás, nos jejuns, em princípio, ninguém morre. Gandhi sempre parou um pouco antes, mas manteve sua aura.
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Uma profecia que se reduziria aos ribeirinhos, que não são os donos do rio e ao próprio rio, esqueceria todos os outros pobres nordestinos. Houve muitos debates técnicos e sempre um projeto pode ser melhorado, mas um governo não pode suspender tudo pelo gesto extremado de alguém, seja bispo ou não. A Justiça, por maioria, não viu argumentos técnicos sérios para parar o projeto. E o texto de Bernardo Kucinski, em Carta Maior, desmontou brilhantemente. um a um, os argumentos contrários ao projeto. Do ponto de vista teológico, Jung Mo Sung, em outras publicações mais de Igreja, também desocultou fundamentalismos ocultos.
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Terminando com Mounier, seu último e aceso debate foi com os católicos progressistas de seu tempo, um dos quais, que depois esteve em tantas posições, se chamava Garaudy. Há que ler seus textos publicados postumamente com o título: As certezas difícieis” (Oeuvres, vol. 4, Seuil, Paris, 1963, pp.11-284). Ali ele dizia: “Quando um monge começa a se agitar, a Igreja se pergunta com angústia se ele será um Lutero ou um São Francisco de Assis. Mas se essa efervescência de fronteiras é eliminada, nos separamos talvez de Lutero e nos privamos de São Francisco” (139).

Num texto antigo, retomado neste livro: “... esta exigência (sair da tentação de uma ideologia e reflexos de esquerda ou de direita) nos dá um parentesco com os homens livres, especialmente este verdadeiro povo, talvez minoritário, aquele que não aceitou o sonho burguês e que dará sua alma à civilização que ele mantém por uma liberdade de coração, ainda que desajeitado em se exprimir. Será ele que salvará as forças da esquerda: o mais humilde serviço que nós poderíamos fazer, não seria renunciar à lucidez, mas unir nossa clarividência à sua generosidade, desembarassando-o e nos desembarassando das ideologias mortais” (pg.75). E o título de outro artigo é significativo: “Para um certo sangue frio espiritual” (107). Ali está aquela declaração que coloquei na introdução de uma das partes de meu último livro: “O cristão não abandona o pobre, o socialista não abandona o proletário, ou eles abjuram seu nome” (fevereiro de 1950, dias antes de sua morte). Vejam que ele não mistura cristão e socialista, sendo ele próprio as duas coisas.

Luis Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.
Leia na íntegra em http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=131819