O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Doha, um erro perigoso

Deu na Agência Carta Maior:
Bélgica e Suíça são famosas pelos chocolates; alguém sabe de algum pé de cacau em Flandres ou na Basiléia? A Alemanha é grande exportadora de cafés industrializados; o leitor já ouviu falar de cafezais no Ruhr? Essas perguntas indicam o que está em jogo na Rodada de Doha: a cristalização da velhíssima divisão internacional do trabalho.
Gilson Caroni Filho
Ao dar sinais de que está disposto a aceitar a proposta encaminhada por Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), que prevê cortes tarifários médios de 54% da indústria nos países em desenvolvimento, o Brasil está dando dois passos atrás e guardando um tropeço mais para frente. Cria uma fratura irreversível na aliança dos países emergentes (G20) e estabelece impasses desnecessários no âmbito do Mercosul.
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Como destacamos em artigo recente, o fundamental é fortalecer o Mercosul e estreitar laços com África do Sul, Índia e China. O que soa como pragmatismo é um preocupante indicativo de capitulação. O que está em curso em Genebra é tão cristalino como água de fonte. Doha, e a OMC-como-um-todo, assim como o GATT, velho antecessor, nada mais são que a cristalização da velhíssima divisão internacional do trabalho: os países outrora ditos "do terceiro mundo" entram com mão de obra e recursos naturais (a preços vis), e os países antes ditos "de primeiro mundo", com tecnologia e manufaturas (com alto valor agregado). Sub-Ricardo, "vantagens comparativas”, fórmulas tão velhas quanto o colonialismo, merecem um lugar de destaque em um antiquário, não na agenda de um governo que estabeleceu uma agenda de inserção soberana no mundo globalizado.
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Há subsídios e subsídios. A "exception culturelle" da França (apesar do uso feito pela direita francesa do conceito de multifuncionalidade), que visa também a preservar culturas e sociedades locais, é uma coisa; o protecionismo estadunidense em prol de gatos gordos daqueles "red states" cujos nomes começam por vogal, outra bem diferente.
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Os produtos primários, de petróleo a grãos, de há muito viraram "commodities", cujos preços são determinados nos mercados compradores sobre os quais o Brasil não tem qualquer ingerência, interferência ou influências. Qual a nosso grau de intervenção no jogo especulativo das Bolsas de Mercadorias de Chicago, Londres ou New York?
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O noticiário que destaca a pressão dos países ricos por abertura, pelos países pobres e "emergentes", de seus mercados "apenas" para bens industriais é, sem eufemismos, conversa mole pra "boi pirata" dormir. Afora os ditos "serviços" (bancos, finanças, seguros e resseguros, os serviços públicos ainda não "globalizados" etc.), há a agenda oculta das ditas propriedades industrial e intelectual, de medicamentos a "software", passando por toda a vastíssima "indústria do entretenimento".
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Quando o presidente Lula diz que ”o importante é que há decisão política de que nós podemos fazer um acordo, e ele será bom para todo mundo", comete um erro perigoso para quem construiu sua trajetória sob o fogo de negociações difíceis. Nada é “bom para todo mundo" quando o jogo é de soma zero. Estamos falando de imperialismo. Aquele que, para não deixar dúvidas, resolveu voltar a içar velar em águas latinas e caribenhas para garantir recursos naturais e um “mercado realmente livre”.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3941

terça-feira, 29 de julho de 2008

"É o petróleo, estúpido!"

Deu no Brasil de Fato:
Acordo entre o ministério iraquiano do Petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas sobre a invasão do Iraque pelos EUA
29/07/2008
Noam Chomsky
O acordo que se perfila entre o ministério iraquiano do petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas quanto aos motivos da invasão e da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Estas questões deviam ser levantadas pelos candidatos às eleições presidenciais e discutidas seriamente nos Estados Unidos, assim como no Iraque ocupado, onde parece que a população desempenha apenas um papel menor - se é que desempenha - na definição do futuro do país.
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"O mundo árabe e parte das população americana suspeitavam que os Estados Unidos tinham entrado em guerra precisamente para proteger a riqueza petrolífera que estes contratos procuram garantir" escreveu Andrew E. Kramer no New York Times. A referência de Kramer a uma suspeita é um eufemismo. É além disso mais provável que a ocupação militar tenha ela própria impulsionado a restauração de uma odiada Companhia Petrolífera Iraquiana, instalada na época da dominação britânica afim de "se alimentar com a riqueza do Iraque no quadro de um acordo notoriamente desequilibrado", como escreveu Seamus Milne no Guardian.

Os últimos relatórios evocam atrasos na apreciação das ofertas. O essencial desenrola-se sob o signo do segredo e não seria surpreendente que surgissem novos escândalos.
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Em novembro último, estas preocupações tornaram-se explícitas quando o Presidente Bush e o Primeiro ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki, assinaram uma "Declaração de princípio", com total desprezo pelas prerrogativas do Congresso americano e do Parlamento iraquiano, assim como da opinião das respectivas populações.
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A declaração encobre igualmente uma descarada afirmação quanto à exploração dos recursos do Iraque. Nela se afirma que a economia iraquiana, isto é os seus recursos petrolíferos, deve ser aberta aos investimentos estrangeiros, "especialmente americanos". Isto é quase como um anúncio de que vos invadimos para controlar o vosso país e dispor de um acesso privilegiado aos vossos recursos.
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O recurso extensivo aos "signing statements", que permitem ao poder executivo estender o seu poder, constitui outra das inovações práticas da administração Bush, condenada pela American Bar Association (Associação de advogados americanos) como contrária ao Estado de direito e à separação constitucional dos poderes".
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Segundo a propaganda de Washington, é o Irã que ameaça a dominação americana no Iraque. Os problemas americanos no Iraque são todos imputados ao Irã. A Secretária de Estado Condoleeza Rice sugere uma solução simples: "as forças estrangeiras" e os "exércitos estrangeiros" deveriam ser retirados do Iraque - os do Irã, não os nossos.
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Uma ironia é que o Iraque está se transformando pouco a pouco num condomínio americano-iraniano. O governo de Maliki é a componente da sociedade iraquiana sustentada ativamente pelo Irã. O chamado exército iraquiano - exatamente uma milícia entre outras - é largamente constituído pela brigada Badr, treinada no Irã e que foi constituída do lado iraniano durante a guerra Irã-Iraque.
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O Irã, segundo Rosen, "apoiou claramente o Primeiro ministro Maliki e o governo iraquiano, na altura do recente conflito em Bassra, contra o que eles descrevem como 'os grupos armados ilegais' (do exército Mahdi de Moqtada)", "o que não é surpreendente tendo em conta que o seu principal testa de ferro no Iraque, o Conselho Supremo Islâmico Iraquiano, apoio essencial do governo Maliki, domina o Estado iraquiano."

"Não há guerra por procuração no Iraque", conclui Rosen, "porque os Estados Unidos e o Irã partilham o mesmo testa de ferro".
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Em termos de relações externas, Steven Simon sublinha que a estratégia contra-insurrecional atual dos Estados Unidos "alimenta as três ameaças que pesam tradicionalmente na estabilidade dos Estados do Médio Oriente: o tribalismo, os senhores da guerra e o sectarismo." Isto poderia desembocar no surgimento de um "Estado forte e centralizado, dirigido por uma junta militar que poderia assemelhar-se" ao regime de Saddam. Se Washington conseguir os seus fins, então as suas ações estão justificadas. Os atos de Vladimir Putin, quando conseguiu pacificar a Tchechênia de uma maneira bem mais convincente que o general David Petraeus no Iraque, suscitam contudo comentários de outra natureza. Mas isto são eles, nós somos os Estados Unidos. Os critérios são portanto totalmente diferentes.
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De fato, a invasão no seu conjunto constitui um crime de guerra - crime internacional supremo, que difere dos outros crimes de guerra porque gera, segundo os próprios termos do julgamento de Nuremberg, todo o mal causado em seguida. Isto está entre os assuntos impossíveis de abordar na campanha presidencial ou em qualquer outro quadro. Porque estamos no Iraque? Qual é a nossa dívida para com os iraquianos por ter destruído o seu país? A maioria do povo americano deseja a retirada das tropas americanas do Iraque. A sua voz tem importância?
Noam Chomsky é professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)

domingo, 27 de julho de 2008

Vídeo: Senador Azeredo quer INCRIMINAR OS INTERNAUTAS!



Lá vem a quarta frota Lá vem a quarta frota

Deu na Adital:

Frei Betto *

Adital -
No dia 12 de julho os EUA decidiram reativar sua IV Frota Naval - a que vigia os mares do Sul -, atuante entre 1943 e 1950, em decorrência da Segunda Guerra, e desde então desativada. Compõem a frota 22 navios: quatro cruzadores com mísseis; quatro destróieres com mísseis; 13 fragatas com mísseis; e um navio-hospital.
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Segundo o almirante Gary Roughead, chefe das operações navais, a IV Frota visa a combater o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, bem como a pirataria que ameaça o fluxo do livre comércio nos mares do Caribe e da América do Sul.
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É a velha história do lobo-mau pretendendo enganar o chapeuzinho vermelho. Quem acredita que nariz tão grande é apenas para cheirar a netinha? Não é muita "coincidência" a IV Frota ser reativada no momento em que Cuba aprimora sua opção socialista, Daniel Ortega volta a presidir a Nicarágua, o Brasil descobre reservas petrolíferas sob a camada pré-sal, e a América do Sul se vê governada por pessoas como Chávez, Lula, Correa, Kirchner, Morales e, em breve, Lugo, que não morrem de amores pelo Tio Sam e se empenham em reduzir a dependência de seus países em relação aos EUA?
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Os EUA sentem-se incomodados com a atual conjuntura latino-americana. Em especial, com o fato de o presidente Lula empenhar-se na criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e do Conselho Sul-Americano de Defesa (agora apoiado até pela Colômbia), dois organismos que, como o Mercosul e a Alba, excluem a participação dos EUA e tornam inócuos o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e a Junta Interamericana de Defesa, que sempre estiveram sob controle da Casa Branca.
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Ainda por trás da fantasia de vovozinha, Tio Sam quer impedir que a China tome conta dos mares do Sul. Hoje, 90% do comércio mundial depende de navios, e Pequim se empenha em ampliar e proteger suas rotas, incluindo as que conduzem ao nosso Continente.
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Com tantas embarcações de alta tecnologia e poder de fogo em nossos mares, os usamericanos poderão pesquisar a plataforma submarina e controlar a navegação de nossos países rumo à África e à Ásia.

Ensina a zoologia que todo animal acuado se defende com ferocidade. É o caso de Tio Sam, cuja moeda perde poder de compra, a economia mergulha numa crise de longo prazo, o atoleiro no Iraque não mostra nenhuma luz no fim do túnel, e os brancos republicanos se vêem na iminência de transferir o poder para um negro democrata.


[Autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros].

* Frei dominicano. Escritor.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A Crise de Petróleo


Deu na revista Espaço Acadêmico, 86, jul. 2008:

Henrique Rattner


Nas últimas semanas, o mercado de petróleo e das “commodities” tem sofrido sérios abalos com o aumento do preço do barril para US$ 140.00, seguido por ondas de elevação de preços de alimentos e de inúmeros subprodutos, tais como plásticos, petroquímicos e fertilizantes pelo mundo afora.
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Soou patético o comunicado dos ministros de Energia do G-8, reunidos na semana passada no Japão, exigindo dos países exportadores de petróleo (OPEP), para que invistam mais na produção e na ampliação da oferta do combustível e reclamando também da falta de transparência sobre os níveis atuais de produção e de suas reservas.
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Na segunda metade do século XX, os dois choques de petróleo nos anos setenta causaram uma elevação radical dos preços, sobretudo nos países europeus e nos Estados Unidos, grandes consumidores e dependentes da importação do combustível para gerar energia e mover a rede de transportes, hoje composta por centenas de milhões de veículos alimentados por gasolina e/ou diesel. Nas duas décadas seguintes, houve um recuo e relativa estabilização dos preços nos mercados, para retomar o ritmo de alta com uma intensidade inédita, nesses primeiros anos do século XXI.

Como explicar esse comportamento errático do mercado de petróleo?

Dois fatores parecem fundamentais para explicar a alta dos preços e seus impactos na economia mundial. Primeiro, a entrada no mercado da China e da Índia, grandes consumidores e importadores, devido às altas taxas de crescimento de suas economias. A pouca elasticidade da oferta – a perfuração de novos poços e as descobertas de novos campos de exploração não conseguem acompanhar o ritmo de expansão da demanda global – explica em parte o salto do preço do barril até US$ 140.00 (um barril equivale a 160 litros).
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Acrescenta-se a presença do cartel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que controla 78% das reservas mundiais e responde por 40% da produção e 60% das exportações, fica patente a cilada em que se encontra a imensa maioria dos países e da população mundial. Criado em 1960, para conseguir melhores preços para seu produto, a associação dos membros do cartel conta com 14 países membros. Na África são Argélia, Nigéria, Angola e Líbia; na América Latina, Venezuela e Equador; no sudeste asiático, a Indonésia e no Oriente Médio, a Arábia Saudita, os Emirados do golfo pérsico, o Irã, Iraque, Kuwait e Quatar.
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Estima-se que o total da produção mundial, neste começo de século XXI, se eleva a 24 bilhões de barris por ano, dos quais 23 bilhões são consumidos e um bilhão é retido para formar estoques. As reservas globais de petróleo são estimadas em um trilhão de barris, sendo que 67% encontram-se no Oriente Médio. Em várias partes do mundo, as reservas de gás e de petróleo estariam diminuindo (México, Mar do Norte), o que tem intensificado a pesquisa e o desenvolvimento de fontes energéticas alternativas. As respostas a esse dilema que afetará a todas as sociedades, mais cedo ou mais tarde, são complexas e intrincadas.
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Outro fato relevante neste contexto, é o aumento contínuo da frota de veículos movidos à gasolina e/ou óleo diesel, subprodutos de refino de petróleo cru. As refinarias existentes trabalham a plena capacidade e a construção de novas unidades exige tempo, investimentos e, sobretudo, precauções quanto aos possíveis impactos negativos no meio ambiente.
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O dilema vislumbrado por governos e empresas tem inspirado o renovado interesse pela energia nuclear e outras fontes de energia. Quanto à energia nuclear, alega-se que, além de ser mais “limpa” e de custo competitivo (?), sua fonte de matéria–prima, o urânio, está localizada em países politicamente estáveis e aliados (Austrália e Canadá), ao contrário de petróleo controlado por governos hostis ou autoritários, como o Irã, a Venezuela e todo o Oriente Médio.
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Por outro lado, as pressões sobre os países produtores de petróleo, para aumentarem sua produção, não têm surtido efeito. A oferta de petróleo ficou praticamente estagnada e não foi capaz de atender a demanda crescente, sobretudo dos países “emergentes”. Estima-se que somente a Arábia Saudita e os Emirados do Golfo estariam em condições de elevar sua produção, situação que pressiona os preços, dado o desequilíbrio entre demanda e oferta. Também, pequenos acidentes como a sabotagem por guerrilheiros dos oleodutos na Nigéria, tempestades no Golfo do México ou a ameaça constante de eclosão de novos conflitos nos Oriente Médio, pressionam os preços para alta.
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A postura nacionalista de certos governos – Rússia e Oriente Médio – tem desencorajado novos investimentos privados. As novas áreas de exploração no Brasil e na região ártica apresentam dificuldades técnicas além de políticas, o que tende a aumentar os preços finais do produto. Face à esta situação, os países ricos da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – avaliam seriamente a redução do consumo de petróleo e sua substituição por fontes energéticas alternativas, tais como o etanol, veículos elétricos, plantas eólicas e usinas nucleares.
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Em resumo, parece que nossa civilização encontra-se em um beco sem saída: por um lado, as pressões representadas por um bilhão de veículos a motor que não param de expandir, sobretudo com a construção de novas fábricas para veículos populares na China e na Índia.
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A crise de petróleo tem o mérito de alertar os governos e as populações para o perigo de um colapso e a necessidade de se investir seriamente em pesquisa e desenvolvimento de soluções alternativas e sistêmicas, que abranjam o conjunto das atividades humanas, enfim, um novo paradigma civilizatório.
Henrique Rattner. Professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP); e na pós-graduação no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Fundador do Programa LEAD Brasil e da ABDL - Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças.
rattner@ipt.br
Outros textos do autor estão disponíveis na coluna IDENTIDADE em http://www.abdl.org.br
Leia na íntegra em http://www.espacoacademico.com.br/086/86rattner.htm

A Satiagraha de Gilmar Mendes

Deu na Agência Carta Maior:
Ao criticar, por sua suposta espetacularidade, a operação da Polícia Federal que resultou na prisão de vários notáveis, entre eles, Daniel Dantas, Naji Najas e Celso Pitta, o presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF), ministro Gilmar Mendes evidenciou duas coisas que um magistrado deve evitar:indignação seletiva e nostalgia de tempos recentes.
Gilson Caroni Filho
Tratando da indignação filosófica em Platão, o professor Jean Lauand, em artigo publicado no Jornal da Tarde (15 de agosto de 1981), afirmava que o filósofo não quer saber se “um rei que tem muito ouro é feliz ou não, mas o que é, em si, o poder, a felicidade e a miséria. Em si e em suas últimas razões"
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O que disse Mendes sobre espetacularização quando, no final de 2006, um delegado da Polícia Federal obteve e repassou à imprensa as fotos do dinheiro apreendidos com duas pessoas ligadas ao PT num hotel de São Paulo? Como se pronunciou na folhetinização do caso da menina Isabela Nardoini, promovida pela mídia com apoio prestimoso da polícia e do Ministério Público Paulista? A resposta para as duas perguntas é um nada retumbante.
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É bom lembrar que ação da Polícia Federal só foi possível a partir da abertura de um inquérito determinado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Esse fato, aparentemente prosaico, guarda uma distância enorme da prática vigente quando o atual ministro era Advogado-Geral da União (AGU), no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
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Anos antes, a febre privatista do tucanato sucateava o patrimônio público. Como destacou o saudoso Aloysio Biondi, em um livrinho capital para entender o processo (O Brasil Privatizado- um balanço do Desmonte do Estado),"o governo Fernando Henrique Cardoso implantou as privatizações a preços baixos, financiou " os compradores", sempre alegando não haver outros caminhos possíveis".
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A imprensa foi elemento central para legitimar a privataria. Editoriais e artigos afiançavam que, para o governo, não poderia haver negócio melhor, pois se livraria da responsabilidade de gerenciar um negócio em que seu desempenho era um fiasco para assumir a nobre atividade da fiscalização. Aos consumidores, o paraíso. Melhora na qualidade dos serviços, redução de tarifas e fácil acesso a um aparelho.
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Em conversa grampeada, Mendonça e Ricardo Sérgio (ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil) mostram os bastidores do governo que não chocou o presidente do STF.

“Mendonça de Barros - Está tudo acertado. Mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?

Ricardo Sérgio - Acabei de dar.

Mendonça de Barros - Não é para a Embratel, é para a Telemar [nome de fantasia da Tele Norte Leste].

Ricardo Sérgio- Dei para a Embratel, e 874 milhões para a Telemar. Nós estamos no limite da irresponsabilidade.

Mendonça de Barros - É isso aí, estamos juntos.

Ricardo Sérgio - Na hora que der merda, estamos juntos desde o início.

Não deu. E os motivos vão da sólida base parlamentar de FHC a um procurador que não indiciava. Uma operação da Polícia Federal que trouxesse resultados práticos era impossível. Faltava-lhe autonomia e uma dimensão republicana que só obteria em outro governo.

Ao dizer que a Operação Satiagraha configura um “Estado Policial” certamente o ministro não age de má-fé. É apenas um homem sem coordenadas precisas de tempo histórico e espaço político.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3933