O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A esquerda e a eleição paulistana

Deu no Vermelho:
por Rodrigo Carvalho*
A esquerda paulistana está dividida nesta etapa das articulações políticas com vista à eleição paulistana. Essa constatação é acompanhada pela intensa movimentação das forças partidárias, que atuam para reforçar candidaturas, conquistar aliados, se posicionarem de modo a influenciar no processo de disputa e, finalmente, se posicionarem na conquista de espaços no legislativo e na gestão futura. A condição atual é a do diálogo amplo com as mais variadas forças políticas que atuam na metrópole.
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O PDT lançou o nome do deputado federal e sindicalista Paulo Pereira da Silva, como elemento de debate entre os seus partidários e com o chamado Bloco de Esquerda, que reúne PSB, PCdoB, PMN e PRB. Paulinho da Força, já foi candidato a prefeito em 2004 e obteve 86 mil votos (1,4% da votação). Sua candidatura não depende tanto de alianças, já que pode trabalhar para manter sua base de apoio. O debate está em aberto e o movimento dos pedetistas parece mais para a composição com outras forças políticas.
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O PCdoB entra como novidade na disputa, pois faz um movimento afirmativo de candidatura própria e se descola a aliança prioritária com o PT. O nome do deputado federal Aldo Rebelo é respeitado, precisa, contudo, se consolidar como alternativa neste grande jogo. É vital para Aldo a composição com outras forças políticas, em especial os partidos do Bloco de Esquerda e o PMDB. O ex-presidente da Câmara Federal é reconhecido como bom articulador político, figura de bom debate e comprometido com as causas populares. Pesa contra seu nome justamente o fato de nunca ter disputado um pleito majoritário e seu partido não reunir condições mais favoráveis para a disputa.
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Será possível uma unidade da esquerda para a disputa paulistana ainda no primeiro turno?
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O PT, que deveria ser o maior promotor da unidade, faz sua opção ao centro através de novas alianças prioritárias. Outra questão importante é a postura hegemonista e muitas vezes arrogante dos petistas no pouco trato político. Ao fim e ao cabo, para o PT, a unidade não é o centro estratégico para a disputa eleitoral.

A eleição paulistana ruma para a apresentação de várias alternativas de esquerda, tendo ainda a chance de consolidar um novo bloco de partidos. A observação das idéias, opiniões, posturas e propostas farão a diferença entre esses concorrentes.

* Rodrigo Carvalho, Sociólogo, membro da direção estadual do PCdoB em São Paulo. Leia na íntegra em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=33172

Voto obrigatório ou optativo

Deu no Blog do Emir:
O tema volta sempre: se votassem apenas os que se interessam, o país seria melhor. O problema estaria no voto dos alienados. Assim a democracia seria melhor, votariam os conscientes, os interessados.
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Mas será mesmo que é assim?
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O resultado é que, no país que, por seu caráter imperial, mais influência tem sobre o conjunto da humanidade, o presidente é eleito – mesmo quando não há fraude visível – por uma minoria dos norte-americanos. E quem deixa de votar? Os negros, os latinos, os idosos, os pobres - todos os que vivem mais marginalizados na sociedade, com menos informação, menos organização, maiores dificuldade para dispor de tempo livre. Votam, em geral, maciçamente, a classe média branca e a burguesia. Os que mais necessitam reivindicar direitos postergados – os mais pobres, os mais discriminados, os que menos grau de instrução. Assim, com o voto optativo, a democracia é ainda mais restrita. Os democratas, que costumar ser menos direitistas que os republicanos, só ganham – como pode ser o caso agora – quando conseguem mobilizar maciçamente aos negros, aos latinos, aos pobres. Os republicanos são mais organizados, mais informados, costumam votar maciçamente. Os EUA são ainda menos democráticos, tem menos participação política, com o voto opcional.
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Hoje passa algo igual. Fora das eleições, a direita - PSDB, DEM, Folha, Globo, Veja, Estadão – acha que defende os interesses do país e tenta passar essa idéia pelo tom em que falam. Reparem que costumam escrever editoriais e artigos com construções que buscam enganosamente passar essa idéia, cheios de “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” –com sujeitos ocultos, tentando passar a idéia de que defendem um bem comum. Na realidade “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” – para os interesses que eles defendem e de que são porta vozes, os grande monopólios privados, bancários, industriais, comerciais, agrícolas. Esses são os sujeitos ocultos cujos interesses expressa a direita na sua imprensa mercantil.
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Mas esses 2/3 da população são claramente os mais pobres, os que não assinam e não lêem essa imprensa de direita, não prestam atenção no que diz o jornalismo televisivo. São os que teriam mais dificuldades para ir votar caso as eleições se realizassem em dia de semana, por exemplo. (Na eleição de Evo Morales, na Bolívia, mais de um milhão de indígenas, que votaram maciçamente por Evo, não puderam votar porque não estavam informados de que os que não tinham votado nas eleições municipais anteriores, teriam que ter feito um trâmite na Justiça Eleitoral para poder votar e assim a grande vitória de Evo poderia ter sido maior ainda, poderia ter-lhe dado maioria também no Senado e nos governos dos estados, caso isso não tivesse acontecido.)

O sentimento da direita é de que gastam todo o seu tempo em denunciar irregularidades – supostas ou reais – no governo e nos aliados do governo, mas isso não tem efeito algum sobre a opinião pública. A proposta de abolição do voto obrigatório seria um instrumento a mais para tentar diminuir a importância do voto dos pobres que, pelas políticas que secularmente a própria direita desenvolveu – são a grande maioria da população.
Postado por Emir Sader às 16:31
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=167

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Se depender da vontade política, legado da Copa no Brasil será difícil de consertar

Deu na Carta Capital:
José Carlos Brunoro
Uma Copa do Mundo pode alavancar muita coisa boa em termos de infra-estrutura geral e de turismo em um país, principalmente o Brasil, e este é o lado bom do evento.
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A Copa é importante para o País sim, é a minha resposta. Temos muito trabalho e muito pouco tempo. Isto porque tudo está sendo levado para a construção dos estádios, e eles são o menor problema. Na verdade, alguns podem ser reformados e outros construídos, não temos a necessidade de construirmos exemplos de engenharia ou arquitetura. Podemos trocar isto por funcionabilidade e simplicidade, metas perfeitamente viáveis para a realidade brasileira. Mas o problema é outro. Por coincidência, estou escrevendo esta coluna após visitar a Amsterdam Arena do Ajax, famoso time holandês. Após a visita pensei se estaremos preparados em tão pouco tempo? Sinceramente, fiquei na dúvida. Pegando carona no estádio holandês, veja quantas coisas teremos que fazer:
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b) Há um enorme Shopping e um grande local para eventos musicais. Uma outra área que abrange lojas, cinemas, dentro de uma enorme praça na entrada da Arena, além de salas comerciais também no complexo. Traduzindo: quando uma família quer ir ao jogo, pode haver uma divisão, a mulher ir ao shopping, os filhos ao cinema, e o maridão ao futebol, lógico, dependendo do gosto de cada família, ou então fazer todos juntos um programa antes ou depois da partida.
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Tudo isso em uma Copa do Mundo é muito mais complexo, com um fluxo gigantesco de pessoas de vários países.
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Hoje estou analisando algumas ações perigosas que estão aflorando em função da Copa. A primeira delas é que todo clube quer ter seu estádio, mas ninguém sabe como mantê-lo. É possível, “pelo andar da carruagem”, que somente em São Paulo tenhamos as arenas de Palmeiras, Corinthians, Santos (fala-se em Diadema) e o já existente Morumbi. Como fazer para mantermos ativos tantos estádios após a Copa? Teremos condições para atender a esta demanda?
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Pegando carona na Fonte Nova agora existe a briga política para uma cidade tornar-se sede do Mundial. É muito importante uma análise bem apurada para a utilização em termos futuros das modificações que estes locais passarão para receber os jogos, tais como:
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A cidade tem equipes de futebol para a utilização do estádio? A cidade tem infra-estrutura geral, aeroportos, estradas, hotéis, lazer para continuar a receber pessoas dos mais diferentes países?
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Em resumo, a realização da Copa no Brasil é uma grande mobilização nacional em torno de um evento mundial, que não se resume em uma cidade apenas como foi o Pan-americano do Rio de Janeiro em 2007. De fato, temos capacidade de realização para uma Copa do Mundo, ela pode deixar um legado muito bom. O meu medo, como o de muitos, é um só: quem vai tomar conta dos políticos ou técnicos de cada área? Se por vontade e administração políticas, podem contar com um grande fracasso e um legado muito difícil de ser consertado.
José Carlos Brunoro, que começou sua carreira como atleta de vôlei, foi o responsável pela gestão da parceria esportiva entre Palmeiras e Parmalat e é um dos maiores especialistas em marketing esportivo do País. Leia na íntegra em http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=242

Luis Nassif desnuda a Veja

Paz e bem!

O jornalista Luis Nassif está publicando uma série de artigos que estão colocando a nú a situação da revista Veja.
Quem desejar acompanhar é só navegar em:
http://luis.nassif.googlepages.com/

Cuba

Deu na Agência Carta Maior:

Do ponto de vista dos EUA, Cuba lhes pertence, e está incluída na sua “zona de segurança”. Além disto, aos seus olhos, a posição soberana dos cubanos transforma a ilha num aliado potencial dos países que se propõem a exercer influência no continente americano, de forma competitiva com os Estados Unidos.
José Luís Fiori
Foi logo depois da conquista da Flórida, em 1819. Os Estados Unidos só tinham 40 anos de idade, e seu território não ia além do Rio Mississipi. James Monroe era o presidente dos Estados Unidos, mas foi seu Secretário de Estado, John Quincy Adams, quem falou, pela primeira vez, da atração norte-americana por Cuba. Quando disse, numa reunião ministerial do governo Monroe, que “existem leis na vida política que são iguais às da física gravitacional: e por isto, se uma maçã for cortada de sua árvore nativa - pela tempestade - não terá outra escolha senão cair no chão; da mesma forma que Cuba, quando se separar da Espanha, não terá outra alternativa senão gravitar na direção da União Norte Americana. E por esta mesma lei da natureza, os americanos não poderão afastá-la do seu peito”. Naquele momento, o desejo de Quincy Adams ainda não era conquistar a ilha, era preservá-la, e por isso deu ordem ao seu embaixador em Madrid, que comunicasse ao governo espanhol a “repugnância americana à qualquer tipo de transferência de Cuba para as mãos de outra Potência”.
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Logo depois da sua vitória contra a Espanha, o presidente William McKinley repetiu, frente ao Congresso Americano, em dezembro de 1889, a velha tese de Quincy Adams: “a nova Cuba precisa estar ligada a nós americanos, por laços de particular intimidade e força, para assegurar de forma duradoura, o seu bem estar” . E foi isto que aconteceu: os cubanos aprovaram sua primeira Constituição independente, em 1902, mas tiveram que anexar ao seu texto, uma lei aprovada pelo Congresso Americano e imposta aos cubanos, em 1901 – The Platt Amendement – que definia os limites e as condições de exercício da independência dos islenhos.
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Depois da Revolução Cubana de 1959, entretanto, a ilha deixou de ser a “maçã” de Quincy Adams, sem deixar de ser o “objeto do desejo” dos norte-americanos. O novo governo revolucionário assumiu o comando da sua economia e da sua política externa, e provocou a reação imediata e violenta dos Estados Unidos. Primeiro foi o “embargo econômico”, imposto pela administração Eisenhower, em 1960, e logo depois, a ruptura das relações diplomáticas, em 1961. Em seguida, foi a administração Kennedy, que promoveu e apoiou a frustrada invasão da Bahia dos Porcos, a expulsão cubana da Organização dos Estados Americanos, e vários atentados contra dirigentes cubanos.
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Esta atração precoce e a obsessão permanente dos Estados Unidos não autorizam grandes ilusões, neste momento de mudanças nos dois países. Do ponto de vista americano, Cuba lhes pertence, e está incluída na sua “zona de segurança”. Além disto, aos seus olhos, a posição soberana dos cubanos transforma a ilha num aliado potencial dos países que se propõem exercer influencia no continente americano, de forma competitiva com os Estados Unidos. Por fim, Cuba já se transformou num símbolo e numa resistência que é intolerável por si mesma, para os seus vizinhos norte-americanos. Por isto, o objetivo principal dos Estados Unidos, em qualquer negociação futura, será sempre o de fragilizar e destruir o núcleo duro do poder cubano. Por sua vez, Cuba não tem como abrir mão do poder que acumulou a partir de sua posição defensiva, e de sua resistência vitoriosa. A hipótese de uma “saída chinesa” para Cuba, é improvável, porque se trata de um país pequeno, com baixa densidade demográfica, e com uma economia que não dispõe da massa crítica indispensável para uma relação complementar e competitiva, com os norte-americanos. Por isto, apesar da mobilização internacional a favor de mudanças nas relações entre os dois países, o mais provável é que os Estados Unidos mantenham sua obsessão de punir e enquadrar Cuba; e que Cuba se mantenha na defensiva e lutando contra a lei da gravidade, formulada por John Quincy Adams, em 1819.

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3831

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

EUA e UE apóiam políticos ligados ao crime organizado

Deu no Brasil de Fato:
Michel Chossudovsky
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Os Estados Unidos, a União Européia e as Nações Unidas (ONU) estão apoiando um governo no Kosovo encabeçado por um reconhecido criminoso, o primeiro-ministro Hashim Thaci. Esse cargo foi criado pelo governo provisório aprovado pela Missão Interina de Administração das Nações Unidas em Kosovo (UNMIK, na sigla em inglês).
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O Partido Democrático do Kosovo encabeçado pelo ex-comandante do KLA Hashim Thaci é essencialmente um desdobramento do antigo Exército de Libertação do Kosovo. O apoio encoberto dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao KLA vem desde meados da década de 90. No ano anterior ao bombardeamento de 1999 da Iugoslávia, o KLA era claramente apoiado pela administração Clinton.
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“Alguns membros do Exército de Libertação do Kosovo [liderados pelo atual primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaci] financiaram os custos da guerra através da venda de heroína e foram treinados em campos dirigidos pelo fugitivo internacional Osama bin Laden – procurado pelos bombardeamentos em 1998 de duas embaixadas estadunidenses na África, responsáveis pela morte de 224 pessoas, dos quais 12 eram americanos.
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Os relatórios mostram igualmente que houve terroristas islâmicos que se alistaram ao KLA – membros de Mujahidin – como soldados no seu conflito em curso contra a Sérvia, e que muitos já haviam sido contrabandeados para o Kosovo e juntaram-se ao combate.
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O Christian Science Monitor, em agosto de 2000, descreve a rede criminosa controlada por Thaci: “Um policial da ONU suspeita que grande parte da violência e intimidação veio de antigos membros do KLA, especialmente dos aliados de Hashim Thaci, o antigo líder do KLA e chefe do Partido Democrático do Kosovo, um dos braços políticos do KLA.
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Potencialmente, o partido de Thaci tem muito a perder nas eleições, que são apenas municipais. Depois de as forças sérvias terem retirado no ano passado, o KLA ocupou sedes de municípios e de instituições públicas por todo o Kosovo, e criou o seu próprio governo provincial.
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"Estes sujeitos não estão em vias de abandonar o poder facilmente", diz Dardan Gashi, analista político junto ao International Crisis Group, uma organização de investigação com sede nos EUA e com um gabinete em Pristina.
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Responsáveis dizem que o problema é pior na região Drenica do Kosovo, a área central do KLA e a fortaleza do partido de Thaci. Srbica, onde Koci é o presidente local do LDK, é uma das cidades principais em Drenica. (Christian Science Monitor)
Fundação Heritage: Apoia o KLA-KDP, apesar das suas ligações ao mundo do crime
Num relatório de Maio de 1999, a Fundação Heritage reconheceu que o KLA é uma organização criminosa. No entanto, pediu à administração Clinton apoio ao KLA.
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O afastamento agora do KLA privaria os Estados Unidos das vantagens de cooperar com uma força de resistência que é capaz de apoiar as pressões sobre Milosevic para negociar. (Ibid)
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O KDP manteve as suas ligações ao crime organizado. De uma forma geral, esta é a posição da “comunidade internacional” sobre o Kosovo. Recentemente, a Fundação Heritage, que tem um papel importante nos bastidores que definem a política externa estadunidense, tem pressionado pela “independência” do Kosovo.
Hashim Thaci
É uma evidência que o primeiro-ministro do Kosovo nunca cortou as ligações ao crime organizado.
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De acordo com o ministro da Justiça sérvio, Vladan Batic, “o processo em Haia no Tribunal Internacional tem mais de 40 mil páginas de provas contra o antigo líder do Exército de Libertação do Kosovo, Hashim Thaci”. (citado por Radio B92, Belgrado, 03/Julho/2003).
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De uma forma geral, a Missão da ONU atuou como um elemento de proteção de um sindicato do crime. Em novembro de 2003, começaram em Belgrado as acusações contra vários ex comandantes do KLA. Estes incluíam Hashim Thaci, Agim Ceku e Ramush Haradinaj. O nomes de Haradinaj e Ceku estão em listas da Interpol.
Agim Ceku
Agim Ceku é conhecido por sistematicamente ter cometido crimes de guerra na região de Krajina, na Croácia, em meados da década de 90, envolvendo o massacre e a limpeza étnica da população sérvia. Foi brigadeiro-general no Exército croata e um dos planificadores da Operação Tempestade, que levou à expulsão de várias centenas de milhares de sérvios da região de Krajina. Em 1999, foi nomeado comandante do KLA, com o apoio dos EUA e da Otan. Depois foi nomeado comandante da Corpo de Proteção do Kosovo, subsidiado pela ONU (conta da folha de pagamentos) e tornou-se primeiro-ministro do Kosovo em 2006, tendo-lhe sucedido Hashim Thaci, atual primeiro-ministro.
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A mídia ocidental: desinformação quanto à natureza do governo do Kosovo
O governo do Kosovo está ligado a sindicatos de crime organizado e envolvido em tráfico de narcóticos e seres humanos.
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Os EUA e a União Européia estão a apoiar a criminalização da política no Kosovo. 12/Fevereiro/2008
* Michel Chossudowsky é do Centro de Pesquisas sobre a Globalização e autor de A globalização da pobreza Este texto foi originalmente publicado em Global Research Tradução de Luís Guedes Leia na íntegra em http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/eua-e-ue-apoiam-politicos-ligados-ao-crime-organizado

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A nau dos dinossauros

Deu no Le Monde Diplomartique Brasil:
No crepúsculo da Era Bush, centenas de neo-conservadores norte-americanos embarcam num cruzeiro marítimo, durante o qual debatem o "sucesso notável" dos EUA no Iraque, a "inexistência" do aquecimento global e o "risco iminente" de dominação muçulmana sobre a Europa. Nosso repórter estava com eles
Johann Har
De frente para o Oceano Pacífico, pés na água, deixo-me levar pelo bate-papo casual tão apreciado pelos norte-americanos em férias. Uma bondosa senhora de Los Angeles está sentada a meu lado, sobre as rochas. Ela me fala de seu filho. Eu lhe pergunto se tem só um. “Sim. E o senhor, tem filhos, lá na Inglaterra?” Respondo que não e sua expressão é de assombro. “O senhor deveria pensar a respeito. Os muçulmanos se reproduzem como coelhos. Logo, logo, vão invadir toda a Europa.”
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Regularmente, a National Review, a Bíblia dos conservadores norte-americanos, organiza um cruzeiro para seus leitores, a fim de coletar fundos. Paguei 1.200 dólares para me juntar a eles. Obriguei-me a uma única regra de conduta. Quando um passageiro perguntar o que sou, responderei a verdade: jornalista. Meu objetivo: misturar-me à massa, para descobrir o que dizem os conservadores quando se imaginam a salvo de ouvidos indiscretos.
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Endireito as costas e cumprimento a primeira pessoa que passa na minha frente. É juiz, me diz, com essa presunção confortável que todo membro de sua profissão acaba um dia por adquirir. E canadense, confessa, em um tom um pouco mais contrito, além de presidente da associação Canadenses contra os Atentados Suicidas. Pergunto-me em voz alta sobre que futuro pode ter uma associação de canadenses contra atentados suicidas. Espantado, ele murmura que é um evidente sucesso.
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À minha esquerda, vejo um cinqüentão, a barba bem aparada. Ele é da Flórida. À minha direita, duas senhoras que vivem em Nova York e me lembram Dorothy Parker [1], sem os vapores do álcool. Moram em Park Avenue, explicam, com o sotaque um pouco seco da antiga burguesia norte-americana. “As senhoras moram perto do prédio das Nações Unidas?”, pergunta meu vizinho. A mulher assume um ar contrariado e responde que sim. “Eis um lugar que merece um atentado suicida”, graceja o homem. Todos riem discretamente.
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O caminho agora está aberto, todo mundo se anima e diz que os muçulmanos vão acabar com os franceses. E todo mundo acha isso muito engraçado. Os culpados habituais são rapidamente apontados. Jimmy Carter “praticamente traiu o país”. John McCain [2] “ficou louco” depois das torturas por que passou. Uma mulher conta que reza todos os dias para “agradecer a Deus por ter criado a Fox News”. Antes de encher seu copo de vinho, um homem se ajeita em sua cadeira e declara: “Este cruzeiro foi o melhor investimento que já fiz”.
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Há qualquer coisa estranha nessa discussão e leva alguns minutos até que eu compreenda do que se trata. Tudo que os conservadores negam em público, o fato de que o Iraque é um novo Vietnã ou que Bush defende unicamente os interesses de classe dos ricos, aqui é aceito e comentado como a verdade absoluta. Certo, reconhecem, a guerra no Iraque é novo Vietnã. Só que, desta vez, não vamos deixar esses esquerdistas covardes perdê-la. “A gente sempre ouve dizer que perdemos a Guerra do Vietnã. Mas ‘nós’ quem?”, pergunta Dinesh D’Souza [4], enfurecendo-se. “A esquerda venceu, exigindo a humilhação da América.” A bordo deste navio, nem sinal do Vietcongue ou dos 3 milhões de mortos vietnamitas. Tudo que resta é a traição dos esquerdistas. Sim, afirma D’Souza, voltando à política interna, “sem dúvida o programa dos republicanos defende alguns interesses de classe”. E é bastante natural: “O Partido Republicano é o partido dos winners (vencedores), o Partido Democrata defende apenas losers (perdedores)”.
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De repente, uma intervenção imprevista vem destruir esse doce consenso. Rich Lowry, jovem redator da National Review com cara de genro ideal, toma a palavra: “Se nossos concidadãos avaliam que vamos perder a guerra, é porque têm motivos racionais para pensar assim. Já pesaram todos os fatos”. O Vista Lounge mergulha imediatamente em um silêncio perplexo. “Eu adoraria acreditar que o simples fato de sermos uma superpotência nos protegeria da derrota. Mas isso não é verdade.”
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A linha de fratura que divide o conservadorismo norte-americano está se abrindo bem diante dos meus olhos. Após o intervalo, Norman Podhoretz [6] e William Buckley [7], dois pilares do Partido Republicano, começam a discutir [8]. Ninguém se apresenta para cortar a palavra de Podhoretz. “Tenho muitos velhos amigos na esquerda e diria que em breve os terei também na direita”, resmunga. Buckley se dirige ao moderador: “Tire o microfone dele ou a gente não termina nunca”. Isso é dito com um sorriso, mas o olhar é glacial.
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Buckley é um velho reacionário de modos polidos. Mas a dúvida o corrói. Fundou a National Review em 1955, quando o conservadorismo era encarado pelas elites como uma espécie de doença mental. Herdou de sua educação católica uma visão de mundo rígida e hierarquizada e é imune aos encantos da democracia. Durante a Guerra Fria, esteve ao lado de Podhoretz contra os comunistas ateus. Atualmente, cerca de vinte e quatro anos depois, sua visão não se conforma mais com a idéia de democratizar à força o mundo muçulmano. Quase invisível no início do cruzeiro, agora resolveu intervir e está bem decidido a se fazer escutar.
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O público aplaude Podhoretz. As dúvidas levantadas por Buckley deixaram o plenário um pouco desorientado. Ele não acabara de repetir exatamente o mesmo discurso da esquerda, dominante na mídia? Mais tarde, no jantar, meu vizinho de Denver chama Buckley de “frouxo”. Sua esposa balança a cabeça: “Buckley está muito velho”, conclui, levando o indicador à têmpora para sugerir a senilidade.
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Não é uma maneira muito otimista de defender sua progênie, mas ele afirma, com segurança: as grandes batalhas de sua geração foram ganhas. Isso não o impede de pensar no que Ronald Reagan teria feito no Iraque. “Reagan era um homem prudente. Creio que teria compreendido onde estava pisando e não teria envolvido os Estados Unidos na situação em que hoje nos encontramos. Acho que teria se certificado de que a ameaça a que expunha as tropas fosse restrita e controlável.” E explica que a estratégia de Reagan teria sido “pôr um tirano local” no governo do Iraque.
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“Não canso de dizer às pessoas que a Quarta Guerra Mundial começou”, explica, praguejando contra Buckley, George Will [10] e todos os traidores da causa que se recusam a ver a realidade diante do nariz. Segundo ele, a vitória está próxima. Depois de alguns minutos, a bordo desse navio embalado pela brisa tépida que vem do México, fico com a impressão de que nunca houve sofrimento em Bagdá.
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Ele me devolve um sorriso impassível e explica, com sua voz monótona: “Não me arrependo nem um pouco. A Câmara dos Representantes expressou sua vontade, o Senado expressou sua vontade e a Suprema Corte emitiu seu parecer. A Constituição funcionou de maneira notável”. Diante de uma defesa tão preguiçosa, eu o pressiono quanto a suas omissões e ele insiste em se valer de argumentos jurídicos, cada resposta uma variação do tema “não foi culpa minha”.
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Chegada a noite, com minha pele intacta, janto em companhia de uma personalidade da National Review: Kate O’Beirne. É uma loira imensa com a voz de uma atriz de comédia dos anos 1930 e os argumentos de um patriarca vitoriano da década de 1890. Dominando habilmente o dito espirituoso, ela ridiculariza o feminismo e “essas mulheres que querem mudar o mundo… para pior”. Cercada de admiradores deslumbrados, apresenta-nos seu marido, que se apressa a anunciar que é o assistente pessoal de Donald Rumsfeld. “As pessoas me perguntam o que estou fazendo aqui, já que ele se demitiu. Mas este cruzeiro foi organizado antes de tudo aquilo acontecer.”
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Os presentes balançam a cabeça solenemente e passamos à questão que ocupa todos os espíritos, o bilhão de muçulmanos que ameaçam pôr o mundo de joelhos. A idéia segundo a qual a Europa está sendo invadida constitui uma espécie de tema recorrente no cruzeiro. Pode-se fazer um cruzeiro para solteirões, um cruzeiro de danças de salão: eu faço o cruzeiro “os muçulmanos estão às nossas portas”. Todo mundo acha isso. Todo mundo diz isso. O homem que revelou tal verdade está sentado a algumas mesas de mim: Mark Steyn. Usa uma camisa colorida e óculos escuros puxados sobre a cabeça. A tese de Steyn, enunciada em seu novo livro, America alone, é simples: as “raças européias”, quer dizer, os brancos, “tornaram-se narcisistas demais para procriar em quantidade suficiente”, ao passo que os muçulmanos se reproduzem a pleno vapor.
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Os fatos, ou as dúvidas, não têm lugar a bordo desse navio. Com uma ou duas exceções, os passageiros encaram os “muçulmanos” como um grupo homogêneo de fanáticos obcecados com a sharia que quase estão tomando conta da Europa. Em uma semana, perguntaram-me nove vezes – eu contei – quando tomaria a decisão de fugir da Europa para me refugiar no único santuário ainda a salvo, os Estados Unidos.
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Nordlinger mostrou a eles. Decter mostrou a eles. Steyn mostrou a eles. Durante esse cruzeiro, todo mundo “mostrou” a eles e, por causa de meu passaporte europeu, todo mundo me mostrou. Será a última coisa que me mostrarão, no fim da viagem. Pisando no cais do porto de San Diego, quando dou as costas ao navio para ir embora, o juiz que conheci no primeiro dia pousa um braço afetuoso em meu ombro: “Vamos largar a Inglaterra para os muçulmanos. Melhor vir para a América”.
Leia na íntegra em http://diplo.uol.com.br/2008-02,a2200

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

TV Paga: As conseqüências do monopólio

Deu no Observatório da Imprensa:
Por Venício A. de Lima em 19/2/2008
O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição reza que "os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Esta, no entanto, é apenas uma das muitas normas do "Capítulo V – Da Comunicação Social" que nunca foram regulamentados por lei e, portanto, não são observadas.

Nas diferentes legislaturas dos últimos 20 anos – a idade da Constituição de 1988 – não houve número suficiente de deputados federais e senadores que reunisse a força política necessária para regulamentar a norma. Nem o Poder Executivo, no mesmo período, tomou qualquer iniciativa para enviar ao Congresso Nacional projeto de lei regulamentando o assunto.

Ninguém conhece melhor as conseqüências diretas do descumprimento dessa norma constitucional do que os consumidores dos serviços de TV por assinatura no país.

Na quinta-feira (14/2), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) mostrou "ao vivo" do plenário da Câmara dos Deputados como funcionam os serviços de atendimento ao consumidor das concessionárias de telefonia celular e TV a cabo. Ele esperou 25 minutos para agendar a prestação de um serviço na operadora de TV a cabo NET, que monopoliza esse serviço em algumas das principais cidades brasileiras. Aparentemente, a espera foi grande. A média de espera para ligações desse tipo, no entanto, é maior do que 30 minutos. O deputado chamou também atenção para o fato de que essas longas ligações são pagas pelo consumidor e não pela operadora. (Aliás, o assinante paga até mesmo a emissão do "boleto bancário" através do qual a sua assinatura é quitada mensalmente!).

Clubes insatisfeitos

Os problemas do consumidor, todavia, não se limitam à demora no atendimento, ao preço pago pelas ligações e pelo boleto bancário. Um serviço de pay-per-view, por exemplo, contratado – e pago – pode simplesmente não estar disponível no dia e na hora que deveria ir ao ar. Os assinantes de Brasília que compraram o pacote de futebol que inclui o Campeonato Mineiro só conseguiram ver alguma partida deste campeonato a partir da segunda rodada e, assim mesmo, depois de inúmeras e longas ligações, agendamento não cumprido de visitas técnicas e muito aborrecimento.

A tentativa de resolver o assunto utilizando o atendimento via e-mail chega a ser cômica: além da demora de dois dias para se obter uma resposta, um pedido de informações sobre o cancelamento do contrato pode ser respondido anonimamente com um texto padrão que diz: "Ficamos felizes em saber que o Sr. aprecia o nosso trabalho" (sic)!

Se o consumidor consegue finalmente assistir aos jogos do campeonato que ele contratou, se defronta com outro problema: a ausência de profissionalismo das transmissões. Um exemplo: no jogo entre Cruzeiro e Guarani de Divinópolis, realizado no sábado (16/2), o locutor passou quase todo o primeiro tempo identificando o zagueiro Léo Fortunato do Cruzeiro como sendo Giovanny Espinoza, o equatoriano que não havia entrado em campo e não constava da escalação fornecida pelo próprio locutor antes do início da partida.

Aliás, sobre transmissões esportivas o jornalista Daniel Castro revelou, na Folha de S.Paulo (11/2), que o governo federal reabriu em outubro passado as investigações iniciadas em 1997 na Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, para apurar indícios de práticas anticoncorrenciais por parte da Rede Globo na compra do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Nada mais oportuno. A grande mídia noticiou recentemente a insatisfação de clubes do porte de Flamengo, São Paulo e Cruzeiro com os contratos de exclusividade de transmissão que vem sendo celebrados, há anos, com a Globo.

Passou da hora

Para os assinantes da NET interessados em acompanhar o Campeonato Brasileiro não há outra alternativa a não ser se tornarem "sócios" do PFC (Premiere Futebol Clube) e pagar as mensalidades mesmo nos intervalos entre campeonatos, isto é, quando não há jogos para serem transmitidos.

A última da operadora NET com seus assinantes foi enviar, junto com a conta do mês de fevereiro, um novo contrato de Prestação de Serviços, impresso em três páginas de letras de corpo minúsculo. Perdido no meio do texto do longo contrato está uma cláusula de permanência mínima de 3 a 24 meses, a critério da operadora. E, mais escondida ainda, está um nota de pé de página que informa "para sua conveniência, ao pagar a próxima fatura este novo contrato entra em vigor automaticamente" (sic). Que falta faz a concorrência!

A (des)regulação do setor de comunicações no Brasil e a ausência histórica de um marco regulatório abrangente que inclua e contemple a convergência tecnológica é fato por demais sabido. As conseqüências do monopólio estão aí e já passou da hora para que os consumidores desses serviços públicos reivindiquem seus direitos.

O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição precisa ser regulamentado e a Secretaria de Direito Econômico e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) devem tomar medidas urgentes para garantir a concorrência no serviço público de comunicações.
* Venicio A. de Lima, Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília. Autor/organizador, entre outros, de ''A mídia nas eleições de 2006'' Editora Fundação Perseu Abramo - 2007
Extraído de http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=473TVQ001 acesso em 22 fev. 2008.

Chile: breves recordações sobre neoliberalismo e ditadura

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Virgílio Arraes
21-Fev-2008
Há muito tempo, louvam os neoliberais o Chile como o exemplo a ser seguido para o desenvolvimento. Em seu favor, os admiradores do modelo socioeconômico daquele país invocam um argumento inquietante: embora formalmente a esquerda, mesmo moderada, esteja no poder desde 1990, ela não se dispôs a efetivar alterações de monta na estrutura herdada – de onde paradoxalmente se extrai um dos piores indicadores de distribuição de renda na América Latina.
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Membro tardio no rol das ditaduras infestantes na região sul-americana no ambiente bipolar - visto que havia Paraguai, Brasil e Bolívia -, o Chile notabilizou-se, portanto, não por ser mais um a sofrer um golpe militar de Estado, mas sim por executar um programa recomendado para os países europeus na esteira dos primeiros sinais de crise da social-democracia: o neoliberalismo.
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Conquanto o alvorecer da crise política e administrativa da esquerda comedida surgisse no final dos anos 60, o seu amadurecimento viria após o primeiro choque do petróleo, em 1973. Todavia, somente ao término daquela década é que ascenderiam ao governo no velho continente agremiações subscritoras do pensamento liberal: a Grã-Bretanha em 1979, com o Partido Conservador, liderado, por Margaret Thatcher; e a então Alemanha Ocidental, com a União Democrata Cristã, conduzida por Helmut Kohl.
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A ruptura institucional no Chile nasceu em março de 1973, quando os parlamentares mais conservadores, incluindo-se os democratas-cristãos, avaliaram não ser mais possível destituir o Presidente Salvador Allende, do Partido Socialista, via processo regular de impedimento – eram necessários 2/3 dos votos dos congressistas.
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Curiosamente, o General Augusto Pinochet, sucessor do General Carlos Prats na titularidade do Exército, aderiu ao golpe de Estado na última hora, persuadido no dia 9 de setembro pelo Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Toribio Merino, e pelo da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Gustavo Leigh.
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Com vistas à administração, logo após o encerramento do governo Allende, contrataram-se pouco mais de duas dezenas de gestores provindos da Universidade de Chicago – estudantes de pós-graduação de Milton Friedman - encarregados de levar a cabo as novas diretrizes, sob justificativa de revigorar novamente a economia. Entretanto, isto não impediria que, em 1982, o país experimentasse uma profunda crise, a maior desde a década de 30, a segunda daquele regime. A outra havia ocorrido em 1975.
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Além do mais, o crescimento do produto interno bruto durante a vigência do período de 17 anos de autoritarismo mal chegou aos 60% - em três mandatos, ou seja, 15 anos, o Concerto de Partidos pela Democracia (socialista, democracia-cristã, social-democrata) mais que o dobraria.
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Assim, esboroa-se a fundamentação dos apologistas de Pinochet de que o quadro negativo na área de direitos humanos – um mal menor ou um efeito colateral indesejado, na melhor das hipóteses - teria sido compensado pelos efeitos positivos na economia.
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Destarte, constataram-se quase 2.300 mortes, das quais a metade de militantes do Partido Socialista, do Movimento de Esquerda Revolucionária e do Partido Comunista. Mais de 33 mil detidos, a maioria deles nos primeiros meses de ditadura, dos quais 27 mil torturados de alguma forma.
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Segundo a versão ditatorial, este último morticínio teria sido ocasionado por disputas entre os próprios militantes de esquerda; os atentados contra Carlos Prats, ex-Comandante do Exército, em Buenos Aires, em 1974, e contra Orlando Letelier, ex-ministro das Relações Exteriores, em Washington, em 1976. Quanto ao último, o ato seria avaliado como a maior operação terrorista dentro do território estadunidense até então.
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Ressalte-se que, malgrado a coligação de partidos (outrora considerados) de esquerda não tenha desmontado a estrutura sociopolítica anterior, o seu simples suavizar, de toda maneira, proporciona, desde os anos 90, um desempenho econômico superior ao do chamado neoliberalismo original.

Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais da UnB.
Leia na íntegra em
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1452/102
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Cuba libre sem coca-cola

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Léo Lince
"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer". O líder da revolução cubana mostrou, mais uma vez, que conserva viva a sua extraordinária capacidade de surpreender. Para espanto dos que fizeram até o inimaginável para tirá-lo de lá, soberano, ele escolheu o momento e a forma da retirada.
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A revolução cubana é o mais poderoso ícone do romantismo revolucionário dos tempos modernos. Aqueles jovens rebeldes, com suas barbas e charutos cinematográficos, pegaram em armas contra a tirania e venceram. No poder, foram fiéis ao prometido: desencadearam mudanças profundas e, sob pressão permanente, sustentaram um processo político marcado por singular originalidade.
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Hoje, depois de quase meio século de socialismo, Cuba segue sendo um país pobre, renda baixa e múltiplas carências. Ao mesmo tempo, consegue ostentar indicadores sociais que se equiparam aos países mais avançados. Analfabetismo, zero. Expectativa de vida e mortalidade infantil, padrão europeu. Os serviços de saúde e educação são públicos, gratuitos e de alta qualidade. Todos, até os detratores, são obrigados a reconhecer esse "mistério". Moradia e alimentação asseguradas. No esporte, no cinema, na música, na dança, na poesia, na pintura: um furacão desabusado de alegria.
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A carta do Fidel, cuja enorme repercussão é um sinal positivo, é uma tentativa de estabelecer pontes para a difícil travessia. Garantir a sustentação das conquistas sociais e reafirmar os princípios do projeto socialista nas turbulências da adversidade. Não vende ilusões e conclama a que se prepare para os piores cenários. Como Lezama Lima, o grande romancista de "Paradiso", ele sabe que "só o difícil é estimulante". Como Marti, ele cultiva a fé substantiva naquilo que ainda não existe: "continuamos com nuestra serenata ante balcones que no quieren abrirse".

Vale lembrar, os de meu tempo, o saudoso Stanislaw Ponte Preta e sua personagem mais faceira, a "tia Zulmira". Ela era simpatizante da ilha heróica e, nas festas, pedia sempre um traçado forte a que deu o nome de Fidel Castro. Indagada sobre o conteúdo da bebida, respondia com entonação de slogan: Fidel Castro é Cuba Libre sem Coca Cola.
Léo Lince é sociólogo. Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1450/45/

O arrasa quarteirão

Deu na Caros Amigos:
Entrevista Ciro Gomes
Na última quinta-feira, 14, aconteceu no Senado uma audiência pública sobre a transposição do Rio São Francisco. Assunto polêmico, debate acirrado. De um lado, o ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. O deputado federal pelo PSB-CE é um dos defensores do projeto, argumenta que 12 milhões de pessoas serão beneficiadas e, por isso, optou em colocar a “mão na massa”. Em posição contrária, encabeçam as manifestações a atriz Letícia Sabatella e o bispo de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, que já fez duas greves de fome contra as obras – ambos entrevistados do só no site Caros Amigos. Para eles, o projeto é de interesse das empreiteiras e da "agricultura irrigada, criação de camarão e usos industriais", assim, não melhoraria, de fato, a situação de quem mais precisa. Em maio de 2006, Ciro Gomes concedeu entrevista explosiva para Caros Amigos. Não mediu as palavras e criticou partidos, José Serra e FHC, a mídia e o MST. Além de expor seu pensamento sobre dom Cappio e, claro, a transposição do Rio São Francisco. Vale relembrar.
O arrasa quarteirão
Se existe um político brasileiro que não apalpa e “fala tudo na lata”, como festejam seus conterrâneos, é esse cearense nascido em São Paulo que acaba de deixar o Ministério da Integração Nacional. E ele diz que exatamente por ter deixado o ministério é que agora pode soltar os cachorros tranqüilamente. Daí que nesta longa e agitada conversa não faltaram contundentes críticas ao PFL, ao PSDB e ao PT, à dupla Serra-FHC, à mídia, ao próprio governo (“não tem projeto”), ao MST, a dom Cappio, e revelações – “há um centro clandestino que comanda as coisas do país”. Ou a frase que ouviu de FHC sobre a presidência da República: “Quem não contemporiza com a corrupção, cai”. E por aí vai. Explosivo é pouco.
Entrevistadores: Verena Glass, Marina Amaral, Hamilton Octavio de Souza, Palmério Dória, Ricardo Kotscho, Renato Pompeu, Wagner Nabuco, Sérgio de Souza. Fotos: Nino Andrés
Marina Amaral – Você nasceu na terra do Alckmin...
Nasci em Pindamonhangaba, filho de um cearense, migrante como muitos, e de uma paulista de Pindamonhangaba, e fui criado no Ceará, em Sobral.

Marina Amaral – E estava falando que a política paulista é provinciana.
A política desta quadra. Tirante problemas aqui e acolá, e não são poucos e nem irrelevantes, o PSDB e o PT são afins. Ambos são modernosos, produtos de uma sociologia de um Brasil industrializado, proletarizado, sindicalizado, de um Brasil acadêmico, e, a rigor, deveriam ser parceiros. Fomos parceiros, por exemplo, no episódio do impeachment do Collor. Houve um catalisador óbvio nessa associação do Brasil rural, clientelista, corrupto, fisiológico, com uma pseudomodernidade internacionalista no pior sentido que essa palavra possa ter, consumista, exótica, nessa coisa de uma pequena burguesia à-toa que também floresce na nossa sociedade. E nós nos juntamos, fi zemos a empreitada. Eu era do PSDB, o único governador eleito do PSDB, o primeiro da história do PSDB. E a contradição já aflorou na noite do dia do impeachment. Impeachment coordenado por um coletivo que era Tasso Jereissati, presidente nacional do PSDB como hoje; Lula, presidente do PT; Miguel Arraes, presidente do PSB; João Amazonas, secretário-geral do PCdoB; Quércia, presidente do PMDB, não lembro outros. Esse coletivo ajuizava as coisas todas. E na noite do impeachment nos sentamos na galeria da Câmara Federal, havia muitas ameaças, muito riscos, passamos a noite anterior laçando gente que estava sendo subornada e tal e tangemos aquele negócio e assistimos lá à sessão e ganhamos. Quando acabou, saímos para jantar, eu, Tasso e Fernando Henrique, num restaurante de Brasília. Pelas tantas, já descambando pra meia-noite, chamam o Fernando Henrique no telefone.Ele vai atender e volta lívido. Disse: “Olha, alguma coisa está acontecendo, o Itamar está nos chamando na casa dele. Vamos pra lá agora”. Fomos para o Itamar, uma casa no Lago, chegamos e estava cheia de gente, na sala, cozinha, muita gente e lembro a primeira figura que veio para nossa linha de frente: “Pelo amor de Deus, não façam isso comigo”. Eu disse: “O que houve?”. Era o Gustavo Krause. Não dá tempo de ele responder à pergunta e o Itamar vem: “Eu preciso falar com os senhores”, e nos leva para o quarto dele e fecha a porta. Estou contando a história para tipificar o que eu estou falando do provincianismo dessa contradição que está fazendo muito mal ao Brasil. E aí o Itamar nos faz a seguinte afirmação – eu, garoto, foi a primeira vez que gelei assim: “Queria comunicar aos senhores que não vou assumir a Presidência”. “Como é que não vai assumir a Presidência?”, diz o Fernando Henrique para ele. “Não vou assumir porque o senhor Orestes Quércia e o senhor Fleury estão me impondo o nome do ministro da Fazenda e eu não aceito, e o senhor Lula me comunicou que o PT vai pra oposição e assim não dá para eu assumir.” Hoje eu conheço melhor o Itamar, sei que naquele momento ele estava fazendo um gesto que era de delegar para nós a tarefa de consertar o caminho dele. Porque de bobo esse daí não tem nada, absolutamente nada; ao contrário, é um homem muito inteligente.
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Palmério Dória – Mas você foi o queridinho da mídia uma certa época, como governador mais novo do Brasil.
Não fui propriamente o queridinho da mídia, não. Nessa data eu era um fenômeno...

Palmério Dória – Em que momento deixou de ser?
Ah, no Ministério da Fazenda. Até chegar ao Ministério da Fazenda, inclusive na chegada, eu ainda era visto como o garoto-prodígio que, dada aquela confusão que o Ricupero causou, ia lá pra dar um jeito no problema. E quando cheguei fui dar um jeito no problema ao modo como imaginava que tinha que fazer. E eu tinha um problema concreto para resolver, o Plano Real tinha feito água, a inflação de julho tinha sido zero, assumi dia 7 de setembro, a de agosto tinha sido 3%. Hoje a gente pode ajuizar o que significa 3% de inflação num único mês. O Plano estava fazendo água. O país estava com a sua capacidade instalada a 100%, trabalhando a três turnos, e havia muito mais poder de compra do que mercadoria em oferta. Ágio, fila, desabastecimento, aumento generalizado de preços e já os primeiros acordos de reindexação de salários aqui na indústria automobilística, na “coalizão inflacionária”, como chamei na época. E fiz o que tinha que fazer: criei a alíquota progressiva de 35% do imposto de renda, porque uma das mais graves injustiças brasileiras é que você que é classe média paga 27,5%, e o Antônio Ermírio paga 27,5% sobre os rendimentos dele, e a empresa dele 15%. Criei um IOF com alíquota progressiva de 0 a 10% para inibir fluxos especulativos de capital, discretíssima regulação na conta de capital, que é uma anarquia por onde o Brasil é subjugado. Porque o governo Fernando Henrique em oito anos produziu 100 bilhões de dólares de déficit nas nossas contas com o estrangeiro, o chamado déficit de transações correntes. O que quer dizer que o Brasil precisava ser o bom moço que adivinhasse na véspera o que estavam sonhando os donos do poder no planeta e fazer na véspera para poder fechar essa conta. Senão morria. Quebramos três vezes nos oito anos do senhor Fernando Henrique Cardoso, passamos os oito anos dele subjugados pelo Fundo Monetário Internacional. Ele, pra mim, não é nada senão aquilo que eu sei que ele é. E tomei mais a providência do IOF progressivo, a participação dos trabalhadores no resultado das empresas, e a abertura comercial. Que foi feita não por ideologia, foi feita por um truísmo: havia um hiato de produto, mais gente podendo e querendo comprar do que 100% da capacidade brasileira de produzir oferecia. Nessa circunstância, das duas uma: ou os preços sobem, excluindo os que não têm renda daquela mercadoria que só dá para uns e não dá para todos, ou você traz o excedente de fora. Como tínhamos um superávit de 14 bilhões de dólares na data, eu trouxe de fora pra não fazer aquilo que está sendo infelizmente feito pelo governo Lula, que é via aumento de juros excluir os miseráveis, os pobres, a pequena classe média via crédito, dissuasão da compra.
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Leia na íntegra em http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed131/valeapena_ciro.asp

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Poder Mudial e Dinheiro Mundial

Deu na Exit!:
A função económica da máquina militar dos Estados Unidos no capitalismo global e os motivos ocultos da nova crise financeira
por Robert Kurz
Nota prévia (22.01.2008): O texto que segue foi escrito em Novembro de 2007 para a revista de debates de esquerda "Widersprüch" (Zurique) e aí foi publicado no início de Janeiro [nº 53]. Sob o signo da crise financeira em curso e do mais recente crash bolsista, ele adquire uma actualidade insuspeitada.
Desde 1989, quando se fala do "fim de uma era", na maior parte dos casos as pessoas referem-se à queda da RDA e do socialismo de Estado, na Rússia e na Europa Oriental; na sua sequência, ao fim da guerra-fria entre os blocos e ao desaparecimento das guerras "quentes" por procuração, nos pátios das traseiras do mercado mundial. Segundo os eufóricos da liberdade de então, a suposta vitória do capitalismo, paralelamente à generalização inevitável da "economia de mercado" e à constituição de um espaço económico unificado global segundo o padrão ocidental, deveria anunciar uma nova era de prosperidade global, desarmamento e paz. Esta expectativa revelou-se completamente ilusória. Nos últimos 17 anos desenvolveu-se realmente bem o contrário dos prognósticos interesseiros dos optimistas profissionais. A globalização trouxe, em levas sucessivas, cada vez mais zonas de pobreza em massa, guerras civis sem perspectiva, e um terrorismo pós-moderno neo-religioso que não se pode qualificar senão como bárbaro. O Ocidente, sob a direcção da última potência mundial, os Estados Unidos da América, reagiu a tudo isso com "guerras de ordenamento mundial" com igual falta de perspectivas e com uma precária administração da crise planetária (sobre isso vd. Kurz, 2003).
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A interpretação aqui esboçada a traços largos no fim dos anos 90 era considerada com cabimento e até plausível, pelo menos junto de parte da crítica social de esquerda. Entretanto, as pessoas habituaram-se a que o capital pareça poder de algum modo viver, mesmo com uma acumulação simulada de bolhas financeiras ("jobless growth"). E a mais recente industrialização para exportação na Ásia, sobretudo na China, não apontará para uma nova era de crescimento real, só que já não na Europa? Simultaneamente as guerras de ordenamento mundial parecem reduzir-se, de forma muito banal, aos ordinários interesses do petróleo, pois ameaça faltar o "produto" para a cultura de combustão capitalista. Perante este pano de fundo, será que vem aí uma nova concorrência imperialista de blocos, por exemplo entre os Estados Unidos, a União Europeia e a China? Com tais considerações, a esquerda regride em grande parte, com certas modificações, ao seu velho padrão de pensamento anterior à mudança de era. Existem, porém, boas razões para crer que esta reinterpretação fornece uma mera caricatura da realidade que, vista mais de perto, se apresenta de modo completamente diferente. Neste contexto é essencial o estatuto político-económico da última potência mundial, os Estados Unidos da América, no capitalismo de crise global.

A crise do dinheiro e do sistema monetário mundial

A crise mundial da terceira revolução industrial e da globalização das últimas duas décadas remonta, por assim dizer, a uma crise do dinheiro que já há muito tempo está a cozinhar em lume brando, nomeadamente desde a primeira guerra mundial. Até aí o carácter do dinheiro, como "mercadoria à parte" (equivalente geral) dotada de uma substância de valor autónoma, era reconhecido de forma quase unânime. Por isso as moedas dos grandes países capitalistas tinham de ter "cobertura" em reservas de ouro nos bancos centrais. O ouro era o verdadeiro dinheiro mundial, a "lingua franca" do mercado mundial; e a libra esterlina da potência mundial de então, a Grã-Bretanha, só pôde funcionar como moeda mundial graças ao seu "padrão-ouro". Contudo, as economias industriais de guerra das duas guerras mundiais e as forças produtivas da segunda revolução industrial (produção em massa fordista, linha de montagem, "automobilização") deixaram de poder ser expressas, mesmo numa circulação acelerada, na "vinculação ao ouro" do dinheiro, que por isso teve de ser cortada. Por outras palavras: a substância de valor do dinheiro, que se baseia na substância condensada de trabalho do metal nobre ouro, não podia ser mantida. Por isso a "dessubstancialização" se fez sentir no plano do dinheiro, equivalente geral como "mercadoria-rainha" e forma de aparência do capital, já muito mais cedo do que no plano da vulgar "ralé da mercadoria", onde ela só hoje se torna manifesta, na terceira revolução industrial. A consequência foi a "inflação secular", completamente desconhecida no século XIX, a ininterrupta desvalorização do dinheiro – ora galopante (hiperinflação), ora latente.
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Contudo, uma vez que não chegou a vir a grande catástrofe, apesar da crise monetária mundial dos anos 70, o problema do dinheiro e da moeda é considerado desde então empiricamente resolvido, mesmo entre os teóricos de esquerda: contrariamente à opinião de Marx, o carácter do dinheiro como "mercadoria à parte", com substância de valor própria, teria passado definitivamente à história (veja-se por exemplo Heinrich 2004). Mas a prática, de modo algum segura, de relações monetárias flexíveis no espaço de tempo historicamente curto de poucas décadas nada de essencial diz ainda sobre a sustentabilidade da nova constelação, tanto mais que as crises monetárias na periferia, nos anos 90 na Ásia e após a viragem do século na Argentina, apontam para um problema que continua latente.

Do dólar-ouro ao dólar-armamento

A crise monetária mundial dos anos 70 apenas terminou sem grandes prejuízos porque o dólar, apesar da perda da convertibilidade em ouro, conseguiu manter quase intacta a sua função de dinheiro mundial, isto é, como moeda de reserva e do comércio mundial, à falta de uma alternativa credível. Caso contrário, o resultado teria sido já então a repetição da catástrofe dos anos 30, elevada a um patamar superior, pois sem a função de um dinheiro mundial o mercado mundial tem de implodir. No entanto, a reconstituição do dólar como moeda mundial ocorreu sobre um fundamento completamente novo. Em lugar da substância de valor do dinheiro alicerçada em ouro surgia agora, efectivamente, uma espécie de garantia "política", contudo não apenas jurídico-formal, mas essencialmente militar. A moeda da potência mundial, ou "superpotência" do hemisfério ocidental, assumia agora a sua função de dinheiro mundial apenas em razão desta base de poder.
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A astronómica dívida ligada a este processo de militarização económica deixou de poder ser financiada com as poupanças próprias já nos anos 80. Mas a potência económica da máquina militar também se repercutiu nas relações externas. Era precisamente o poder militar dos EUA como "polícia mundial" que parecia oferecer um "porto seguro" aos mercados financeiros globais. Esta impressão iria ainda reforçar-se consideravelmente após a suposta vitória sobre o sistema contrário do Leste. O dólar conservou a sua função de dinheiro mundial ao metamorfosear-se de dólar-ouro em dólar-armamento. E o carácter estratégico das guerras de ordenamento mundial, nos anos 90 e após a viragem do século, no Próximo Oriente, nos Balcãs e no Afeganistão, consistia em primeira linha em perpetuar o mito do "porto seguro" e, com ele, o dólar como moeda mundial através da demonstração de capacidade de intervenção militar global. Nesta base, em última instância irracional, o capital monetário excedentário na terceira revolução industrial (já não susceptível de investimento real rentável) fluiu cada vez mais de todo o mundo para os EUA, financiando assim indirectamente a máquina militar e do armamento.

A maior bolha financeira de todos os tempos e o milagre do consumo dos Estados Unidos

O limite interno da valorização real do capital na terceira revolução industrial promoveu por todo o lado a fuga para a superstrutura do crédito e para uma economia de bolhas financeiras. Esta economia de crise do capital financeiro teve forçosamente que se concentrar no suposto "porto seguro" do espaço do dólar. Quanto mais capital monetário excedentário vagueava pelos mercados financeiros globais, tanto maior se tornava a força de sucção dos EUA para absorver estas torrentes monetárias. Deste modo se formou in Gods own country "a mãe de todas as bolhas financeiras". Através da venda de títulos do tesouro americanos em todo o mundo não só se financiou o boom do armamento endividado. Paralelamente a isso também inflaram nos EUA os mercados de acções nos anos 90 e os mercados imobiliários após a viragem do século. Assim se lançaram as bases de uma nova qualidade do endividamento.
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O boom do consumo alimenta-se, até hoje, não tanto de rendimentos salariais regulares como, e em primeiro lugar, das bolhas financeiras dos mercados de acções e do imobiliário. Os ganhos diferenciais, provenientes dos aumentos fictícios do valor dos respectivos títulos de propriedade, devido à sua ampla dispersão, reflectiram-se em milhões de casos de endividamento com cartões de crédito e créditos hipotecários, numa escala nunca antes vista. A garantia era constituída precisamente pelos preços acrescidos, primeiro das acções e depois do imobiliário. O ingresso maciço do capital monetário excedentário de todo o mundo para o suposto porto "seguro" do dólar foi encaminhado para financiar, não apenas o consumo armamentista endividado, mas igualmente o consumo privado endividado. Esta é a maravilhosa máquina do dinheiro que tem alimentado o milagre do consumo dos Estados Unidos.

O circuito do deficit do Pacífico e a conjuntura mundial

A fraqueza da economia real dos EUA no mercado mundial revelou-se num deficit da balança comercial que não parou de se avolumar. Em termos relativos, na economia interna da última potência mundial, dominada pelo complexo armamentista e pela prestação de serviços, foram sendo produzidas cada vez menos mercadorias industriais; em algumas áreas a regressão foi mesmo absoluta. A maior parte dos cidadãos americanos, que se puderam endividar com base no crescimento duradouro do preço das acções e dos imóveis, consumiam cada vez mais mercadorias produzidas noutros países. Assim foi impulsionado um circuito do deficit global, que se fez notar pela primeira vez nos anos 80, acelerou nos anos 90 e hoje começa a sobreaquecer. Se, em primeiro lugar, tinha sobretudo deslizado para negativo a balança comercial com o Japão, o deficit não tardou a crescer também face aos pequenos Estados asiáticos e face à Europa, para finalmente transbordar de forma incrível, no tráfego de mercadorias com os colossos Índia e China. Hoje quase já não existe uma zona industrial do mundo que não tenha saldo positivo no comércio com os EUA.
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A estrada de sentido único da exportação da Ásia sobre o Pacífico para os EUA transformou entretanto o circuito do deficit num volante que move toda a economia mundial. A indústria europeia não só fornece, como outras regiões do mercado mundial, uma parte dos seus excedentes aos EUA por via directa, como ao mesmo tempo exporta cada vez mais componentes de produção para a máquina trituradora da exportação asiática (sobretudo no sector da construção de máquinas). A famigerada "retoma" dos últimos anos deve-se quase exclusivamente a esta economia-vudu. É verdade que, periodicamente, há avisos para o perigo destes crescentes "desequilíbrios da economia mundial" sob a forma dos deficits externos acumulados dos EUA. Mas, uma vez que tudo de algum modo se tem passado bem há tanto tempo, na maior parte dos casos o alarme é desactivado logo a seguir.

O cenário da crise do crédito e do dólar que aí vem

Durante o ano de 2007, contudo, concentraram-se ameaçadoras nuvens negras no horizonte da economia mundial. Tal não podia deixar de acontecer: Está a esvaziar-se a bolha do imobiliário americano, principal combustível do consumo nos últimos anos, e os preços das casas estão a baixar a olhos vistos. Deste modo, os créditos hipotecários no sector "subprime" (devedores sem capital próprio digno de menção) começam a ficar em maus lençóis a uma escala maciça. A dimensão que a crise financeira crescente poderá assumir já se revelou em poucos meses: De repente, bancos e caixas de poupança de muitos países viram-se sob uma pressão maciça no sentido de amortizarem crédito mal parado, porque os títulos da dívida americana circulam à escala global. Mas isto foi apenas o começo. Em virtude dos ciclos de rotação do capital de crédito e do capital real, que muitas vezes se estendem ao longo de anos, a verdadeira dimensão da crise do crédito só se tornará visível nos anos de 2008 a 2010. Se, neste espaço de tempo, o consumo americano sofrer uma ruptura profunda, não só se tornará efectivo o revés nos mercados globais de acções, mas também ficará paralisado o circuito do deficit do Pacífico e, com ele, a conjuntura mundial. Ninguém pode prever com exactidão a sua dimensão, mas a crise ameaça ultrapassar todos os fenómenos de crise da terceira revolução industrial dos últimos 20 anos.
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O lugar do dólar, porém, não pode ser ocupado por nenhum outro dinheiro mundial, ainda que haja muita propaganda a favor do Euro nesse sentido. O Euro não pode assumir o lugar do dólar porque não tem bases para isso, nem em ouro, nem em armamento. A crise do dinheiro mundial e o potencial de inflação a ela associado apontam para uma amadurecida crise do dinheiro em geral. É o que se esboça também na imparável subida do preço do ouro, com sucessivos novos recordes, que acompanha a crise monetária em formação: O carácter de mercadoria do dinheiro, com substância de valor própria, impõe-se na crise. O ouro, de simples matéria-prima, torna-se novamente no "verdadeiro" dinheiro, ou dinheiro mundial, mas as forças produtivas da terceira revolução industrial já não podem ser mediadas como movimento do mercado mundial com base no ouro. Seria como tentar esvaziar o oceano como uma colher de café em ouro. A situação do período entre as duas guerras ameaça regressar, mas num nível de desenvolvimento muito mais elevado.

Crise mundial, ideologia mundial e guerra civil mundial

O que se espera da crítica social emancipatória nesta situação de um limite interno histórico do capitalismo é a redefinição de socialismo, para lá das formas fetichistas da mercadoria, do dinheiro, do Estado nacional e das relações de género que lhes estão associadas. Porém, na medida em que a esquerda, em vez disso, regressa aos seus velhos padrões de interpretação e procura uma nova "força" imanente às novas constelações mundiais, susceptível de ser ocupada positivamente, ela própria ameaça tornar-se reaccionária. Nestas circunstâncias, a crítica do capitalismo converte-se muitas vezes em anti-americanismo e anti-semitismo aberto ou estrutural. As "formas de pensamento objectivas" (Marx) do fetiche capital, que incluem uma "inversão da realidade", constituem (se não forem destruídas) o fundamento para uma digestão ideológica da crise, como a que já no período entre as duas guerras levou a resultados devastadores. No contexto da globalização do capital, o resultado é uma ideologia mundial assassina. Causas e efeitos são invertidos: a crise do crédito surge, não como efeito do esgotamento da acumulação real, mas como resultado da "avidez do capital financeiro" (uma ideia desde há 200 anos ligada aos clichés anti-semitas); o papel dos Estados Unidos e do dólar-armamento surge, não como condição comum transversal a todo o capital globalizado, mas como opressão imperial sobre o resto do mundo.
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A crise mundial da terceira revolução industrial, que vai amadurecendo e para cuja administração não há nenhum novo "modelo de regulação" à vista, certamente não vai simplesmente prosseguir o seu caminho económico. Na situação económica insuperável da nova constelação de crise global que se vislumbra, mais ainda que em anteriores rupturas na história da modernização, espreita o perigo de uma "fuga para a frente" irracional, em direcção à guerra mundial. Porém, no nível de desenvolvimento da globalização, esta já não pode ser nenhuma guerra entre blocos de poder, entre impérios nacionais, por uma "nova partilha do mundo". Haveria que falar antes de uma nova guerra civil mundial de tipo novo, tal como já se apresentou nas guerras de "desestatização" e de ordenamento mundial, desde a queda da União Soviética, que talvez não tenham passado dos seus prenúncios. Nunca a palavra de ordem "socialismo ou barbárie" teve tanta actualidade como hoje. Mas, simultaneamente, no final da história da modernização, o socialismo tem de ser reinventado.

Bibliografia

Hardt, Michael/Negri, Antonio (2004): Multitude. Krieg und Demokratie im Empire [Multitude. Guerra e Democracia no Império], Frankfurt/Nova Iorque

Heinrich, Michael (2004): Die Wissenschaft vom Wert [A Ciência do Valor], Münster

Kennedy, Paul (1993): In Vorbereitung auf das 21. Jahrhundert [A Preparação para o Século XXI], Frankfurt/Main

Knapp, Georg Friedrich (1905): Staatliche Theorie des Geldes [A Teoria Estatal do Dinheiro], Munique e Lípsia

Kurz, Robert (2003): Weltordnungskrieg. Das Ende der Souveränität und die Wandlungen des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung [A guerra de ordenamento mundial. O fim da soberania e as metamorfoses do imperialismo na era da globalização], Bad Honnef

Kurz, Robert (2005): Das Weltkapital. Globalisierung und innere Schranken des modernen warenproduzierenden Systems [O Capital Mundial. A Globalização e os limites internos do sistema produtor de mercadorias moderno], Berlim

Thurow, Lester (1996): Die Zukunft des Kapitalismus [O Futuro do Capitalismo], Düsseldorf/Munique

Original WELTMACHT UND WELTGELD. Die ökonomische Funktion der US-Militärmaschine im globalen Kapitalismus und die Hintergründe der neuen Finanzkrise in www.exit-online.org. Publicado no nº 53 da Revista Widersprüch (Zurique), Janeiro de 2007 http://www.widerspruch.ch/53.html

Robert Kurz Nascido
em 1943, estudou Filosofia, História e Pedagogia. Vive em Nurenberg como publicista autónomo, autor e jornalista. É co-fundador e redator da revista teórica EXIT! - Kritik und Krise der Warengesellschaft (EXIT! - Critica e Crise da Sociedade da Mercadoria). A área dos seus trabalhos abrange a teoria da crise e da modernização, a análise crítica do sistema mundial capitalista, a critica do iluminismo e a relação entre cultura e economia. Publica regularmente ensaios em jornais e revistas na Alemanha, Áustria, Suiça e Brasil. O seu livro O Calapso da Modernização (1991), também editado no Brasil tal como O Retorno de Potemkine (1994) e Os Últimos Combates, (1998) provocou grande discussão e não apenas na Alemanha. Mais recentemente publicou Schwarzbuch Kapitalismus (O Livro Negro do Capitalismo) em 1999 e weltordnungskrieg (A Guerra de Ordenamento Mundial) Die Antideutsche Ideologie (A Ideologia Anti-alemã) em 2003, e Blutige Vernunft (Razão Sangrenta) em 2004 não editados em português. Leia na íntegra em http://obeco.planetaclix.pt/rkurz283.htm

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TV Pública e TV Mercantil

Deu no Blog do Emir:
A polarização imposta pelo neoliberalismo – estatal x privado - como acontece com quem reparte, fica com a melhor parte – a esfera privada –,mas para isso tem que fazer desaparecer o essencial – a esfera pública. A primeira armadilha
montada pelo neoliberalismo é a camuflagem do verdadeiro sentido da esfera de que eles promovem a hegemonia : a esfera mercantil. Afinal de contas, esse é o objetivo das suas políticas: transformar tudo em mercadoria – direitos, água, empresas, informação. Privatizar é submeter ao mercado, mercantilizar.
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Quando tratamos de mídia – e, no caso específico do Brasil, hoje – de TV, a mesma polarização se reproduz, sob formas específicas. Um dos pólos foi ocupado pela TV mercantil, que se orienta por critérios comerciais, suportada pelas agências de publicidade – intermediárias do seu financiamento pelas empresas privadas – e voltada para a conquista de audiência – suporte da publicidade. Esta tv se dirige aos consumidores que, em grande parte, ela mesma produz. É formada por empresas que visam o lucro, que se financiam através da publicidade. São empresas que competem entre si em busca de mais espectadores, mais publicidade, mais lucros.
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Hoje, uma TV pública precisa lutar contra o pensamento único da mídia mercantil, monocórdia, repetitiva, cinzenta, mera reprodutora das pautas da imprensa produzidas nos grandes centros da globalização. Cada jornal parece repetir os demais e cada articulista quase se limita a oferecer uma nova versão aos editoriais do mesmo jornal. As grandes idéias, os grandes debates, os grandes temas contemporâneos não estão nessa mídia ou só aparecem para serem desqualificados. É uma mídia antidemocrática, propriedade de algumas famílias, cuja direção não é eleita, mas herdada por critérios de transmissão familiar, da qual os jornalistas são assalariados, contratados e descontratados segundo as decisões de uma direção que se sucede de geração a geração.
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A mídia mercantil, ou seja, fundada no mercado, demoniza o Estado e, com ele, as despesas através das quais o Estado atende, ou deveria atender – e o mercado, certamente não atende, não quer e nem poderia atender - às muitas dezenas de milhões de pessoas que precisam da educação pública, da saúde pública, de saneamento básico, de transporte público, de cultura pública. Em suma, a mídia mercantil privilegia os consumidores e o seu poder de compra. A mídia pública precisa privilegiar os cidadãos e seus direitos.
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É necessário enfatizar as diferenças existentes entre a TV pública e a TV estatal. Em primeiro lugar, é preciso dizer que um governo, eleito e reeleito pela maioria dos brasileiros, tem a necessidade e a obrigação de se dirigir constantemente aos cidadãos, para informar suas políticas, explicá-las, debatê-las. Mais do que qualquer pesquisa de audiência - esta que a mídia mercantil utiliza para manter privilégios da publicidade governamental -, a mais ampla e democrática pesquisa é aquela das próprias eleições e elas deram ao governo um mandato pelo qual está obrigado a responder cotidianamente diante da cidadania. Portanto, não é crime, mas sua obrigação utilizar todos os espaços possíveis para informar, explicar e debater com os cidadãos. Aliás, a mídia mercantil se comporta como se fosse sua propriedade um espaço que, de fato, é concessão do Estado. Por outro lado, mais do que se diferenciar de uma TV estatal, a TV pública precisa se distinguir das TVs mercantis. Elas estão submetidas a lógicas diferentes, e até contraditoras, Graças a esta diferença substantiva, seus horizontes são diversos: uma visa o lucro e, a outra, quer a democracia.
Leia na íntegra http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=164