O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

sábado, 11 de outubro de 2008

A importância geopolítica da América do Sul na estratégia dos Estados Unidos

Deu na Revista Espaço Acadêmico:

Luiz Alberto Moniz Bandeira*
“Procuremos precisar quais os interesses em jogo na questão. Petróleo! Exclamam de todos os lados. O petróleo opera prodígios, tem ditado a política internacional das grandes potências, assentou e derrubou governos, abalou uma dinastia, criou fortunas fabulosas e conta entre os seus servidores estadistas dos mais notáveis”.
Embaixador José Joaquim Moniz de Aragão, secretário-geral do Itamaraty, durante a Guerra do Chaco, 1934[1]
“No matter how selfless America perceives its aims, an explicit insistence on predominance would gradually unite the world against the United States and force into impositions that would eventually leave it isolated and drained”.
Henry Kissinger[2]
“A América é a terra do futuro, na qual, em tempos vindouros, haverá algo como uma contenda entre a do Norte e a América do Sul, e onde a importância da História Universal deverá manifestar-se”.[3]
G. W. F. Hegel
O conflito entre a Rússia e a Geórgia mostrou que o “arc of crisis”, que Zbigniew Brzezinski dizia estender-se do Paquistão até a Etiópia, circundando o Oriente Médio, é muito mais amplo e abrange toda a Ásia Central e o Cáucaso. Diante de tal situação, a importância geopolítica da América do Sul aumentou ainda mais, na estratégia de segurança dos Estados Unidos, que buscam fontes de fornecimento de gás e petróleo em regiões mais estáveis. O próprio Halford J. Mackinder, na sua conferência sobre o "The Geographical Pivot of History, em 1904, ressaltou que o desenvolvimento das vastas potencialidades da América do Sul podia ter “decisive influence” sobre o sistema internacional de poder e fortalecer os Estados Unidos ou, do outro lado, a Alemanha, se desafiasse, com sucesso, a Doutrina Monroe.[4]

Os Estados Unidos e a Alemanha, desde fim do século XIX, já se haviam tornado as duas maiores potências industriais do mundo e conseqüentemente rivais. Porém, ao contrário da Alemanha, que não possuía qualquer domínio importante, ao qual pudesse estender o círculo de consumo para o capital, os Estados Unidos dispunham de enorme espaço econômico. As Américas Central e do Sul, assim como o Caribe, configuravam uma espécie de colônia, a única região do mundo, em que não havia séria rivalidade entre as grandes potências. Lá os Estados Unidos eram, praticamente, “soberanos” e seu fiat tinha força de lei, conforme o secretário de Estado, Richard Olney, escreveu em 1895. E acrescentou que os “infinite resources” da América (Estados Unidos), combinados com sua posição isolada, tornavam-na “master of the situation and practically invulnerable as against any or all other powers”. [5] Nem a Alemanha nem a Grã-Bretanha nem a França quiseram desafiar a Doutrina Monroe, expressão de uma política unilateral dos Estados Unidos, formulada em 2 de Dezembro de 1823, pelo presidente James Monroe (1817-1825).

O que disse Halford J. Mackinder a respeito do "closed heartland of Euro-Asia", afirmando que o Estado que o controlasse teria condições de projetar o poder de um lado para o outro lado da região e era inaccessível a uma força naval, aplica-se aos Estados Unidos, mas no sentido inverso. Com um território distendido ao longo da América do Norte, entre dois oceanos, o Atlântico e o Pacífico, os Estados Unidos não tinham vizinhos que pudessem ameaçar sua segurança. Seu extensivo litoral impedia que qualquer bloqueio fosse efetivamente mantido[6]. E, ao ascender ao primeiro lugar no ranking das maiores potências industriais, nos anos 1890, os Estados Unidos começaram a robustecer seu poder naval, até então menor que o do Brasil, Argentina ou Chile. [7] Assim puderam projetar sua influência, para um lado e para o outro, i. e., para o Ocidente e o Oriente, avançando sobre os mares, que a Grã-Bretanha ainda controlava, como o “chief builder and shipowner”, com “vast imperial responsabilities” na Ásia e na África.[8]

O comandante Alfred T. Mahan foi quem racionalizou a construção do poder naval dos Estados Unidos, argumentando que a grandeza de uma nação dependia do seu comércio no além-mar, o comércio dependia do poder naval e o poder naval, de colônias. Sem estabelecimentos no estrangeiro, colonial ou militar, os navios de guerra dos Estados Unidos seriam como pássaros sem terra, incapazes de voar muito além de suas próprias costas. Tornava-se, portanto, necessário o estabelecimento de bases e depósitos de carvão, para o abastecimento dos navios, numa extensa cadeia de ilhas, que possibilitassem a sustentação do poder naval e permitissem a expansão marítima e comercial dos Estados Unidos. O domínio de Cuba, bem como de Porto Rico e das Ilhas Virgens, cuja cessão o presidente William McKinley (1897 – 1901) solicitara à Dinamarca, afigurava-se fundamental para a segurança das rotas no Golfo do México e a defesa do canal, que os Estados Unidos projetavam abrir no istmo do Panamá. E o presidente McKinley, em 1898, aproveitou a luta pela independência de Cuba para declarar guerra à Espanha, visando a conquistar o que ainda restava do seu vasto império colonial. No entanto, a campanha militar contra a Espanha, impulsionada por interesses econômicos e objetivos estratégicos, não se limitou às ilhas do Caribe. Estendeu-se ao arquipélago das Filipinas, cuja conquista possibilitaria sua penetração nos mercados da Ásia, particularmente da China. Esta guerra permitiu que os Estados Unidos, como salientou Sir Halford Mackinder, conquistassem importantes possessões em ambos oceanos – o Pacífico e o Atlântico – e assumissem a construção do Canal do Panamá, com objetivo de ganhar a vantagem da insularidade para a mobilização de suas frotas de guerra. [9]

Realmente, em termos estratégicos, a projeção geopolítica dos Estados Unidos, na direção da Ásia, e a vastidão do seu próprio território continental, que separava o litoral do Atlântico do litoral do Pacífico, constituíam um problema para a defesa, dado que era difícil separar e, quando necessário, reunir suas frotas, em caso de guerra. Esta foi uma das razões pelas quais o presidente Theodore Roosevelt (1901-1909) apressou a abertura de um canal inter-oceânico, no istmo do Panamá, território pertencente à Colômbia, a fim de consolidar os alicerces do império, cuja soberania se expandira de Cuba e Porto Rico, no Caribe, até Tutuila, no arquipélago de Samoa, e Guam, ao sul do Pacífico, quinze milhas a leste das Filipinas, possibilitando que suas frotas pudessem circular livremente e reunir-se, no momento e no local em que as circunstâncias táticas e estratégicas o exigissem. Motivos, tanto militares quanto civis, faziam “imperativo” o estabelecimento de “fácil e rápida” comunicação por mar, entre o Atlântico e o Pacífico[10].
Continue lendo em http://espacoacademico.com.br/089/89bandeira.htm

O mito do colapso americano

Deu na Agência Carta Maior:
Apesar da violência desta crise financeira, não deverá haver um vácuo nem uma 'sucessão' na liderança política e militar do sistema mundial. E, do ponto de vista econômico, o mais provável é que ocorra uma fusão financeira cada vez maior entre a China e os Estados Unidos.

José Luís Fiori

“Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar”.
N. Maquiavel, O Príncipe, 1513
Na segunda feira, 6 de outubro de 2008, a crise financeira americana desembarcou na Europa, e repercutiu em todo mundo, de forma violenta. As principais Bolsas de Valor do mundo tiveram quedas expressivas, e governos e Bancos Centrais tiveram que intervir para manter a liquidez e o crédito de seus sistemas bancários. Neste momento, não cabem mais dúvidas: a crise financeira que começou pelo mercado imobiliário de alto risco dos EUA já se transformou numa crise profunda e global, destruiu uma quantidade fabulosa de riqueza, e deverá atingir de forma mais ou menos extensa, desigual e prolongada, a economia real dos EUA, e de todos os países do mundo.
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De todos os pontos de vista, acabou a “era Tatcher/Reagan” e foi para o balaio da história o “modelo neoliberal” anglo-americano, junto com as idéias econômicas hegemônicas nos últimos 30 anos. Como contrapartida, mesmo sem fazer proselitismo explícito, deverá ganhar pontos, nos próximos meses e anos, em todas as latitudes, o “modelo chinês” nacional-estatista, centralizante e planejador.
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Comecemos pelo paradoxo da “fuga para o dólar”, em resposta à crise do próprio dólar. Aqui é preciso entender algumas características específicas e fundamentais do sistema “dólar-flexível”. Desde a década de 1970, os EUA se transformaram no “mercado financeiro do mundo”, e o seu Banco Central (FED), passou a emitir uma moeda nacional de circulação internacional, sem base metálica, administrada através das taxas de juros do próprio FED, e dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema “dólar-flexível”.
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Agora mesmo, por exemplo, para enfrentar a crise, o Tesouro americano emitirá novos títulos que serão comprados, pelos governos e investidores de todo mundo, como justifica o influente economista chinês, Yuan Gangming, ao garantir que “é bom para a China investir muito nos EUA; porque não há muitas outras opções para suas reservas internacionais de quase US$ 2 trilhões, e as economias da China e dos EUA são interdependentes”. (FSP, 24/11).
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Em primeiro lugar, quase todas as grandes crises do sistema mundial foram provocadas até hoje, pela própria potência hegemônica. Em segundo lugar, estas crises são provocadas quase sempre pela expansão vitoriosa (e não pelo declínio) das potências capazes de atropelar as regras e instituições que eles mesmos criaram, num momento anterior, e que depois se transformam num obstáculo no caminho da sua própria expansão. Em terceiro lugar, o sucesso econômico e a expansão do poder da potência líder é um elemento fundamental para o fortalecimento de todos os demais estados e economias que se proponham concorrer ou “substituir” a potência hegemônica. Por isto, finalmente, as crises provocadas pela “exuberância expansiva” da potência líder, afetam, em geral, de forma mais perversa e destrutiva aos “concorrentes” do que ao próprio hegemon, que costuma se recuperar de forma mais rápida e poderosa do que os demais.

Resumindo: “apesar da violência desta crise financeira, não deverá haver um vácuo nem uma 'sucessão' na liderança política e militar do sistema mundial. E, do ponto de vista econômico, o mais provável é que ocorra uma fusão financeira cada maior entre a China e os Estados Unidos” (2).

(1) Serrano, F. (2008) “A economia Americana, o padrão 'dólar-flexível' e a expansão mundial nos anos 2000”, in J.L Fiori, F. Serrano e C. Medeiros, O MITO DO COLAPSO AMERICANO,Editora Record, Rio de Janeiro, P : 83 (Prelo)

(2) Fiori, J.L. (2008) “O sistema mundial, no início do século XXI”, in J.L Fiori, F. Serrano e C. Medeiros, O MITO DO COLAPSO AMERICANO, Editora Record, Rio de janeiro, p: 65 ( NO PRELO).

* Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico (08/10/2008)
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Leiam na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3994