O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A Microsoft é irrelevante


Do ComputerWorld:
Por Peter Moon, especial para o Computerworld
Publicada em 09 de agosto de 2007 - 07h00
Atualizada em 09 de agosto de 2007 - 12h41

Quem afirma, em entrevista exclusiva ao COMPUTERWORLD, é Linus Torvalds, criador do Linux e do conceito do código aberto, que revolucionou a indústria do software.

O finlandês Linus Torvalds tinha apenas 22 anos quando, em 1991, decidiu compartilhar com amigos e programadores o sistema operacional que havia criado: o Linux. Aquele estudante de ciência da computação da Universidade de Helsinque não imaginava a reviravolta que aquela decisão iria deslanchar no mundo da TI. Nesta entrevista exclusiva fe
ita por e-mail, o guru da comunidade do Software Livre revela as razões que o levaram a abrir seu código-fonte, afirma que a Microsoft é irrelevante e que o futuro pertence ao Código Aberto.

COMPUTERWORLD – O que pretendia quando liberou o Linux pela primeira vez ao público em 1991? Foi por dinheiro?
Linus Torvalds – Certamente não foi por dinheiro, já que o copyright original era muito específico com relação a isso. Não era a GPLv2 (General Public License versão 2, a licença usada pelo sistema operacional livre GNU/Linux), mas a minha própria licença: “não custa dinheiro algum, mas você é obrigado a devolver o seu código-fonte”.

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CW – Você não temia perder a propriedade intelectual quando liberou o Linux?
Torvalds
– Eu não pensava nesses termos (e ainda não penso). Nunca se tratou de algo ligado à “propriedade individual”, mas ao esforço que havia despendido no projeto. Mas sim, eu fiquei um pouco preocupado, pois sendo um desenvolvedor totalmente desconhecido na Finlândia, alguém talvez decidisse pura e simplesmente ignorar minha licença, usar o meu código e não fornecer de volta suas modificações. Por outro lado, o que no fundo eu tinha a perder?

Além disso, olhando para trás, francamente, não é algo com o que valha a pena se preocupar. Em primeiro lugar, mesmo que eu fosse o cara mais esperto do planeta, e compilasse algo realmente brilhante, ainda assim levaria anos para fazê-lo. Em outras palavras, levaria muito tempo antes que o resultado valesse a pena para alguém roubá-lo. Portanto ao torná-lo público desde o início, não tinha que me preocupar com pessoas ou empresas que quisessem roubar o meu trabalho. E quando o código tornou-se algo valioso, o projeto já era suficientemente conhecido de modo que ninguém poderia fraudá-lo em larga escala sem ser pego. Em larga medida foi de fato a liberdade do projeto que garantiu a sua segurança.

Se existem pessoas usando o Linux sem respeitar a licença? Claro! O copyright não é algo necessariamente honrado em todas as partes do mundo, e existe gente inescrupulosa e empresas que agem deliberadamente fora da lei. São coisas que acontecem. Mas uma vez que o projeto se torna grande o suficiente para que estas coisas aconteçam, não há mais razão para se preocupar. Aqueles que fazem mal uso do projeto não estão limitando o acesso aos outros, mas a eles mesmos! Se alguém usa o Linux sem seguir o GPLv2, está limitando o seu próprio mercado. Não pode vendê-lo legalmente no mundo desenvolvido sem se preocupar com o lado legal, e não obterá a vantagem do código livre que as empresas que seguem a licença obtêm, isto é, ter seus aprimoramentos acrescentados ao produto. Esta era uma coisa que me preocupava antes de liberar o Linux, mas ao longo dos anos me dei conta que não valia a pena dar importância a isto. Existem gente e empresas sem escrúpulos? Sim, mas não são eles que fazem importam ou fazem a diferença.

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CW – O governo brasileiro está na linha-de-frente da promoção do software livre nas suas mais diversas instâncias. Você está a par disto?

Torvalds – Estou, embora não siga o assunto de perto. Funciona um pouco como os fornecedores comerciais. Acho muito importante ver todos estes diversos grupos de interesse envolvidos, mas eu pessoalmente sou motivado pela tecnologia e não quero me envolver diretamente com os interesses dos diferentes grupos.

Este é mais um exemplo da importância dos usuários, e como o código aberto permite aos usuários tomar suas próprias decisões ao se envolver com o desenvolvimento. Falando estritamente, um governo é apenas um outro usuário, e que tem o seu próprio conjunto de interesses e de motivações.

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CW - A Microsoft declarou recentemente que programas livres como o Linux, o OpenOffice e alguns softwares de e-mail violam 235 das suas patentes (veja a revista Fortune, “Microsoft contra o mundo livre”, http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2007/05/28/100033867/index.htm?postversion=2007051409) Mas a empresa afirmou que não irá processá-los, pelo menos por enquanto... Esta é a ponta do iceberg de um novo pesadelo legal?

Torvalds – Eu acho que este é mais um tiro na guerra do “FUD” (fear, uncertainty e doubt, ou medo, incerteza e dúvida, termo usado em qualquer estratégia voltada para causar insegurança nos consumidores de uma empresa com relação aos seus produtos). A Microsoft está passando por um mau bocado competindo pelo mérito tecnológico, daí tradicionalmente eles procuram concorrer no preço, mas obviamente esta estratégia também não funciona, não contra o código livre. Assim, continuam empurrando pacotes e vivendo da inércia do mercado, mas eles procuram alimentar a inércia com o FUD.

CW – Você está preparado para essa batalha? Será que Linus Torvalds e a comunidade do software livre podem vencer esta guerra contra as legiões de Bill Gates?

Torvalds – Não vejo isso como uma “batalha”. Faço o que faço porque gosto e acho que vale à pena, e não estou nessa por causa de nenhuma cruzada anti-Microsoft. Usei alguns produtos da Microsoft ao longo dos anos, mas nunca nutri uma forte antipatia contra eles. A Microsoft simplesmente não me interessa. E o movimento de código aberto não é um movimento anti-Microsoft, apesar de haver certos grupos que talvez participem devido aos seus sentimentos anti-Microsoft.

O código aberto é um modelo sobre como fazer coisas, e eu acredito que este é um jeito muito melhor de fazer as coisas. O código livre vai tomar conta do mercado não por causa de nenhuma “batalha”, mas simplesmente porque jeitos melhores de fazer as coisas eventualmente tomam o lugar de métodos inferiores.

Por acaso a “ciência” é uma batalha contra a “ignorância”? Não, a ciência simplesmente é. E ela funciona tão bem que assume o lugar de velhas noções ignorantes. Não precisamos nos preocupar com gatos pretos cruzando a nossa frente, passar por baixo de escadas ou espelhos quebrados, pois hoje sabemos como o mundo funciona, e nos demos conta de que gatos pretos não são mais um sinal de perigo.

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CW – É interessante notar que tecnologias abertas não-proprietárias como o Linux e a Web foram criadas na Europa, e não nos EUA, o país aonde “não existe almoço grátis”. Como você fez para se adaptar ao “American way of life”, onde você é respeitado pelo que você possui ou então pelo que representa, mas não pelo que sé. Não sente falta da Finlândia?

Torvalds
– Na verdade eu gosto bastante dos EUA sob diversos aspectos. Tendo uma formação européia baseada em valores sociais, e conhecendo outros lugares do mundo, posso dizer que eu absolutamente detesto as políticas insanas do governo americano nos últimos sete anos, mas essa é uma digressão. Mudar-se da Finlândia pra cá não foi um grande choque – ser pai pela primeira vez foi uma mudança muito maior, e as duas coisas ocorreram mais ou menos na mesma época (minha filha mais velha tinha apenas dez semanas quando nos mudamos).

Ambos os sistemas possuem os seus lados bons. Vir da Europa fez com que fosse muito fácil para eu perceber que começar uma empresa seria uma tolice (pelo menos é o que eu acho), quando só estava interessado na tecnologia. Os valores sociais são mais fortes na Europa. Os americanos parecem “acreditar” que são mais espirituais, e certamente aqui tem um monte de gente que vai à igreja, mas em muitos aspectos as pessoas são quase que só voltadas para o dinheiro, e uma das coisas que eu menos gosto nos EUA são as suas desigualdades sociais. Uma das razões pelas quais eu hoje moro em Portland, no Oregon, é porque acredito que os valores sociais aqui são mais próximos dos da Europa do que em qualquer outro lugar nos EUA. Ao mesmo tempo, a Europa é um pouco séria demais. Na Finlândia, quase todos os centros de alta tecnologia giram em torno da Nokia e dos celulares. Foi muito divertido viver no Vale do Silício por sete anos e participar daquela atmosfera maluca da tecnologia, aonde não havia apenas um objetivo, mas milhares de empresas fazendo coisas totalmente diferentes e tentando ganhar dinheiro. E ocasionalmente conseguindo em grande estilo.

Leia na íntegra em http://computerworld.uol.com.br/mercado/2007/08/09/idgnoticia.2007-08-08.5994055076

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