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segunda-feira, 23 de julho de 2007

Gentil, DL - A falsa crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil (I)

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=28633 acesso em 23 jul. 2007.

ADITAL.COM.BR
23.07.07 - BRASIL
A falsa crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil (I)
Denise Lobato Gentil *

Adital -
Uma análise financeira do período 1990 - 2005 [1] - Parte I

1. INTRODUÇÃO

A previdência social se constitui num dos temas mais polêmicos dos dias de hoje. O discurso dominante descreve uma situação de falência e de incapacidade futura da previdência pública, freqüentemente relacionada a um dramático problema demográfico de envelhecimento da população em função do aumento da expectativa de vida e da baixa taxa de natalidade. Nos países centrais a aposentadoria da geração baby-boom é tratada com grande preocupação. No caso específico da economia brasileira, à questão demográfica de envelhecimento da população adicionar-se-iam outras variáveis como a elevação do salário mínimo, o aumento do valor médio dos benefícios previdenciários, aposentadorias precoces, renúncia de receita, sonegação e evasão fiscal e custos administrativos elevados, que deflagrariam uma inevitável crise financeira no sistema previdenciário. Criou-se uma noção de urgência por reforma para evitar o aprofundamento do desequilíbrio fiscal.
[ . . . ]
Este artigo objetiva, portanto, analisar a capacidade de sustentação financeira do sistema de seguridade social brasileiro no período histórico recente, entre os anos 1990 e 2005. Embora este sistema abranja as áreas de saúde, assistência social e previdência social, a ênfase recairá sobre o sistema previdenciário, mais especificamente, sobre o Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Houve a preocupação de fazer um levantamento o mais extenso possível dos dados financeiros do sistema de seguridade social e da previdência. O mapeamento dos dados foi construído a partir de informações do governo federal obtidas através de relatórios da execução orçamentária emitidos pelo SIAFI e de dados disponibilizados nos sites do Ministério da Previdência, Ministério da Fazenda, Banco Central e do Ministério do Planejamento.

2. DESMISTIFICANDO O SUPOSTO DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Inicialmente é necessário considerar que os números utilizados para avaliar a situação financeira da previdência são normalmente enganosos e alarmistas. Divulga-se, por exemplo, com base em fontes oficiais, que o déficit previdenciário, em 2004, foi de R$ 32 bilhões e, em 2005, de R$ 37,6 bilhões.[4] O que vem sendo chamado de déficit da previdência é, entretanto, o saldo previdenciário negativo, ou seja, a soma (parcial) de receitas provenientes das contribuições ao INSS sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e de outras receitas próprias menos expressivas, deduzidas das transferências a terceiros[5] e dos benefícios previdenciários do RGPS, conforme se demonstra nas duas equações abaixo:

[(receita de contribuição INSS + outros recebimentos próprios) - (ressarcimentos + restituições de arrecadação)] - transferências a terceiros = arrecadação líquida =arrecadação líquida - benefícios do RGPS = saldo previdenciário
[ . . . ]


É importante ressaltar que as receitas, impropriamente consideradas transferências da União - CPMF, CSLL, COFINS e concursos de prognósticos -, são arrecadadas e administradas pelo Ministério da Fazenda e depositadas no Banco Central. Como os "recebimentos próprios" são insuficientes para pagar todas as despesas previdenciárias e não-previdenciárias, o INSS passa a usar as fontes de recursos "transferências da União", disponibilizadas pelo Tesouro Nacional, que lhe transfere apenas na medida (e na conveniência) em que deva cobrir uma necessidade de caixa. Isso caracteriza um esvaziamento, político e institucional, construído através da falta de independência financeira dos órgãos da seguridade social.


Notas:

[1] Artigo apresentado ao Congresso Trabalhista Brasileiro realizado entre 7 e 11 de fevereiro de 2007 em Brasília.
[2] Nos países anglo-saxões ocorreu o que Esping-Andersen (1995) chamou de rota neoliberal, implicando em redução da proteção social, incentivos a expansão de planos privados de capitalização individual, flexibilização do mercado de trabalho e dos salários por meio da redução do peso de encargos sociais e depreciação do salário mínimo legal. O enfoque que predominou foi de liberalização e de ênfase maior na focalização dos benefícios. Para Esping-Andersen (ibid), o aprofundamento da desigualdade e o crescimento dos níveis de pobreza são comuns aos casos dos países de rota liberal. Em contraste, na Escandinávia, onde os welfare states eram mais abrangentes e universalistas na cobertura e ficaram mais preservados depois de ajustes marginais, houve estabilidade ou até mesmo declínio na desigualdade e nenhum dos países dessa região teve crescimento da pobreza.
[3] A Nicarágua elaborou leis para uma reforma em 2000, mas parte da legislação pertinente ainda não havia sido promulgada até 2003. Sobre reforma da previdência na América Latina, ver Mesa-Lago e Muller (2003), Mesa-Lago (2003), Esping-Andersen (2003), Soares (2001) e Fagnani (2005).
[4] Dados disponíveis no Fluxo de Caixa do INSS, Boletim Estatístico da Previdência Social, Ministério da Previdência e Assistência Social, vol. 11, nº 1. Acessíveis também nos Indicadores Econômicos Consolidados do Banco Central.
[5] Transferências a Terceiros são aquelas que se destinam ao Sistema S (SESI, SENAC, SENAI, SENAR, SEBRAE, SESC, SEST, SENAT).
[6] Gastos não-previdenciários são os benefícios assistenciais ao portador de deficiência, ao idoso, aos dependentes de vítimas fatais de certas doenças graves, ao inválido.
[7] "É a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de outra forma derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente do trabalho ou enfermidade profissional, invalidez, velhice e morte, e também a proteção na forma de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos" (OIT, 1984).
[8] Houve quem argumentasse no Congresso Nacional, na ocasião da elaboração dos artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal, que a redação dada ao art. 68 era inconstitucional; mas, diante do poder de fogo do Ministério da Fazenda sobre a definição da política fiscal do país e da desmobilização e desinformação da classe trabalhadora para questionar os rumos do sistema de Seguridade Social, o debate não prosperou.

* Professora do Instituto de Economia - UFRJ

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