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quinta-feira, 26 de julho de 2007

Bello, W - Os pequenos camponeses lutam contra os paradigmas modernos obsoletos

http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=8540 acesso em 26 jul. 2007.

Os pequenos camponeses lutam contra os paradigmas modernos obsoletos.

Artigo de Walden Bello

“Considerados no passado como sujeitos passivos manipulados pelas elites, os pequenos camponeses estão agora lutando contra os paradigmas capitalistas, socialistas e desenvolvimentistas que os levariam à ruína”, afirma o filipino Walden Bello, um dos principais ativistas globais contra o neoliberalismo e o livre comércio. Mais, “muitos economistas, tecnocratas, políticos e intelectuais urbanos viram nos pequenos camponeses uma classe condenada a desaparecer”.

No entanto, “os crescentes protestos de grupos camponeses não representam uma volta ao passado. À medida que as crises ambientais se multiplicam e as disfunções da vida urbana e industrial se amontoam, o movimento camponês não só adquire grande importância para os próprios agricultores, como para todos aqueles que estamos ameaçados pelas conseqüências catastróficas de paradigmas da modernidade já obsoletos para organizar a produção, as comunidades e a vida”, diz Walden Bello. Ele é diretor executivo do Focus on the Global South, um instituto de pesquisa com sede em Bancoc, e professor de Sociologia da Universidade das Filipinas em Diliman.

Este texto é um resumo publicado no número de abril de 2007 do Global Asia e se encontra no sítio La Haine, 21-07-2007. A tradução é do Cepat.

O século XX representou uma terrível catástrofe para os pequenos camponeses de todo o mundo. Tanto nas economias capitalistas ricas como nos países socialistas, os camponeses pagaram um preço muito elevado pela industrialização. Em países capitalistas avançados como os Estados Unidos, a combinação letal de economias de escala, de tecnologias de capital intensivo e de mercado fez com que as grandes empresas monopolizassem a produção e o processamento dos produtos agrícolas. As pequenas e médias explorações ficaram relegadas a um papel marginal da produção, oferecendo trabalho a uma porcentagem insignificante da população ativa.

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Na atualidade, pode ser que a maior ameaça que se abate sobre os pequenos agricultores seja o livre comércio. Mas os camponeses não estão ficando de braços cruzados. Graças à sua luta, entre outros fatores, a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) está em ponto morto. E não há lugar em que as tensões entre agricultores e livre comércio sejam mais evidentes que na Ásia.

A tríplice ameaça ao campesinato asiático

Os governos asiáticos fizeram recair o peso da industrialização sobre o campesinato durante a etapa em que assumiram as denominadas políticas desenvolvimentistas, que privilegiavam a indústria. Em Taiwan e na Coréia do Sul, a reforma agrária desencadeou, num primeiro momento, a prosperidade do campo, na década de 1960, o que estimulou a industrialização. Mas com a passagem para uma industrialização voltada às exportações, em 1965, chegou a demanda de mão-de-obra industrial barata, de forma que as políticas de governo reduziram deliberadamente os preços dos produtos agrícolas. Desta forma, os agricultores subvencionaram o aparecimento das novas economias industrializadas. Os ingressos das zonas rurais diminuíram em relação às urbanas, e o conseqüente estancamento desse que já foi um setor dinâmico desembocou na emigração em massa para as cidades e numa mão-de-obra barata e inesgotável para as fábricas. A maioria dos agricultores que ficou no campo eram pobres e anciãos, e representavam uma porcentagem minguante da população ativa nacional.

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Portanto, não é estranho que, em muitos lugares, os impostos comam até 15% dos ingressos dos agricultores, três vezes mais do que o limite nacional oficial, estabelecido em 5%. Também não é estranho que, enquanto a economia foi crescendo a um ritmo anual de 8% a 10%, as rendas dos camponeses se estancaram, de forma que os habitantes urbanos agora dispõem de ingressos seis vezes superiores, em média, aos dos habitantes rurais. Neste contexto, é muito acertada a observação de Chen Guidi e Wu Chuntao, defensores dos direitos da população rural, de que a economia industrial urbana foi construída “sobre os ombros dos camponeses”.

O furacão da liberalização do comércio

Sem dúvida, a força com que se obrigou os agricultores a subvencionar a industrialização foi violenta. Mas, ao menos, as políticas comerciais naquele momento ajudavam a mitigar a dor, pois bloqueavam as importações agrícolas que eram ainda mais baratas que os produtos locais. Praticamente todos os países com setores agrícolas controlavam as importações de forma muito estrita mediante cotas e tarifas elevadas. Este escudo protetor, no entanto, se viu gravemente debilitado quando estes países assinaram o Acordo sobre Agricultura (AAG) e, a partir de 1995, começaram a aderir à Organização Mundial do Comércio (OMC).

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O Estado de Andra Pradesh, que se converteu em sinônimo de depressão agrária por conta da liberalização do comércio, presenciou um trágico aumento no número de suicídios entre a população camponesa: de 233 em 1998 para mais de 2.600 em 2002. Calcula-se que, na Índia, cerca de 100 mil agricultores tiraram a vida devido à queda dos preços gerada pela elevação das importações.

Os governos sob pressão

A resistência a este novo regime, tão contrário aos interesses dos pequenos camponeses, veio de várias frentes. No âmbito internacional, a liberalização do comércio e outras políticas desfavoráveis à agricultura propiciaram a formação dos blocos de países em desenvolvimento: o G-20, o G-33. O G-20 advertiu os países desenvolvidos que, a menos que estes últimos reduzissem notavelmente o injusto apoio que proporcionavam a seus respectivos setores agrícolas, não haveria mais concessões em matéria de acesso aos mercados. O G-33 exigiu que certos produtos considerados de vital importância para a produção agrícola e o emprego (conhecidos como produtos especiais) ficaram eximidos da liberalização tarifária. Também advogavam pelo direito de aumentar as tarifas e a recorrer a outras medidas – mecanismos de salvaguarda especiais (MSE) – para proteger seus produtos da invasão de produtos agrícolas importados. Quando a União Européia e os Estados Unidos se negaram a transigir sobre estas questões, a 5ª Conferência Ministerial da OMC, celebrada em Cancún em 2003, veio abaixo.

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Na Ásia, protestos em forma de ocupação de terras, greves de fome, manifestações violentas e suicídios simbólicos fizeram do mal-estar no meio rural um grave e urgente problema. Na China, aumentaram de 8.700 em 1993 para 87.000 em 2005 o que o Ministério de Segurança Pública denomina de “incidentes em massa” – em outras palavras, ações de protesto –, a maioria deles no campo. Além disso, estes incidentes estão aumentando em número de participantes: a média passou de 10 pessoas ou menos em mediados dos anos 90 para 52 pessoas em 2004. Por isso, é lógico que os atuais dirigentes do país vejam cada vez mais o campo como um rastro de pólvora que é preciso desativar.

Uma Internacional Camponesa?

O suicídio do camponês coreano Lee Kyung Hae nas barricadas de Cancún, em setembro de 2003, foi um marco no desenvolvimento da luta camponesa em todo o mundo. Lee suicidou-se debaixo de um cartaz que dizia “A OMC mata os camponeses” e, com sua ação, pretendia chamar a atenção internacional sobre o elevado número de suicídios entre os agricultores dos países submetidos à liberalização. O fato comoveu os delegados da OMC, que guardaram um minuto de silêncio em memória de Lee. O ato deste camponês coreano, somado ao que já era um ambiente carregado, representou sem dúvida um fator chave no desenvolvimento das negociações.

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Os crescentes protestos de grupos camponeses como a Via Campesina não representam uma volta ao passado. À medida que as crises ambientais se multiplicam e as disfunções da vida urbana e industrial se amontoam, o movimento camponês não só adquire grande importância para os próprios agricultores, como para todos aqueles que estamos ameaçados pelas conseqüências catastróficas de paradigmas da modernidade já obsoletos para organizar a produção, as comunidades e a vida.

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