O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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segunda-feira, 31 de março de 2008

Crises e hecatombes

Deu na Agência Carta Maior:
A crise atual poderá ser mais ou menos extensa e profunda, mas não será a crise terminal do poder americano, muito menos do capitalismo. Pode-se pensar numa hecatombe que destrua moedas e estados, mas com certeza, não será o caminho mais curto, nem o mais pacífico, para um mundo melhor.
José Luís Fiori
No início da década de 1970, o economista norte-americano, Charles Kindelberger, formulou uma teoria que exerceu grande influencia acadêmica e política, dentro e fora dos Estados Unidos. Segundo Kindelberger, “a economia mundial liberal precisa de um país estabilizador e só um país estabilizador" . Um país que forneça aos demais, alguns “bens públicos” indispensáveis ao bom funcionamento da economia internacional, como a moeda, o livre-comércio, e a coordenação das políticas econômicas nacionais.
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Os participantes deste debate tinham posições teóricas diferentes, mas quase todos compartiam a tese de que os Estados Unidos estariam vivendo seu “declínio hegemônico”, depois da “crise dos anos 70”. E mais recentemente, quase todos consideram que o fracasso americano no Oriente Médio, e o “derretimento do dólar”, neste início do século XXI, fazem parte já agora, de uma “crise terminal” da hegemonia americana.
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Começando pela “crise dos 70”: hoje se pode ver que não houve declínio, pelo contrário, foi na década de 70 que se definiram as novas políticas e regras responsáveis pela multiplicação exponencial da riqueza e do poder americano, no último quarto do século XX. Foi quando os Estados Unidos deixaram de ser “credores”, e passaram para a condição de “grandes devedores” da economia mundial. Mas ao mesmo tempo, sua dívida e sua capacidade de endividamento se transformaram no primeiro motor da economia mundial, destes últimos 30 anos. Foi também na década de 70, que o “padrão dólar-ouro” foi substituído pelo novo sistema monetário internacional “dólar-flexível”, lastreado, em última instancia, no poder americano, e nos seus títulos da dívida publica.
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Agora de novo, depois do fracasso das Guerras do Afeganistão e do Iraque, e da desvalorização do dólar, provocada pela crise financeira de 2007 e 2008, volta-se a falar no “colapso” e na “crise final” da hegemonia americana . Mas até o momento, ainda não se configurou uma crise estrutural ou global, nem existe sinal de que os Estados Unidos venham a desocupar sua liderança capitalista. Pelo contrário, apesar das suas dimensões, tudo indica ser uma crise “regular”, dentro de um sistema que é, por excelência, contraditório, instável e conflitivo. Dentro das novas regras e estruturas criadas a partir da crise dos 70, os Estados Unidos definem de forma exclusiva o valor de uma moeda que é nacional e internacional, a um só tempo, e que está lastreada nos títulos da dívida pública do próprio poder emissor da moeda.
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Por isto, as “bolhas” são sempre uma ameaça potencial para a economia mundial, mas não são apenas “capital fictício”, nem são apenas “especulação”. São mais do que isto, é um ciclo específico de valorização do capital, que só é possível dentro de um sistema monetário e financeiro desregulado e atrelado diretamente ao endividamento publico do governo americano.

A crise atual poderá ser mais ou menos extensa e profunda, mas não será a crise terminal do poder americano, nem muito menos, do capitalismo. Por enquanto, não é provável uma “fuga do dólar”, porque o euro, o yuan e o yen, não tem fôlego financeiro internacional. E acreditar na criação de uma moeda supra-nacional, é fugir para o mundo da fantasia, desconhecendo o sistema mundial em que vivemos. “Dentro deste sistema, não existe a menor possibilidade de que a liderança da expansão econômica do capitalismo possa sair das mãos dos “Estados-economias nacionais” expansivos e conquistadores, com suas moedas nacionais e com seus “grandes predadores”..” Por fim, como “ciência ficção”, pode-se pensar numa hecatombe que destrua moedas e estados, mas com certeza, não será o caminho mais curto, nem o mais pacífico, para um “mundo melhor”.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3856

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