O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sexta-feira, 28 de março de 2008

A América do Sul está instável: não se sabe como a Colômbia evoluirá

Deu no Instituto Humanitas Unisinos:
Luiz Alberto Moniz Bandeira é reconhecido hoje como um dos maiores historiadores sul-americanos. É doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP) e é professor emérito de Política Exterior na Universidade de Brasília (UnB). Foi conselheiro do ex-presidente João Goulart e do ex-governador Leonel Brizola, com quem fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Esteve preso nos anos 60 e 70 durante a última ditadura militar. Aposentado desde 1995, trabalhou como diplomata na Alemanha. Escreve e pesquisa na Universidade de Heidelberg.

À luz de seus livros – onde esmiúça as relações de Brasil e Argentina com os Estados Unidos, e a visão “sul-americanista” do Brasil, que historicamente viu o continente como sua “área de influência” e a Amazônia como eixo das hipóteses de conflito das Forças Armadas brasileiras – chega-se a entender as complicações representadas pelo recente conflito da Colômbia com o Equador e a Venezuela.

Moniz Bandeira não se ilude: não vê que o conflito esteja resolvido. Seu livro, De Martí a Fidel – A Revolução Cubana e a América Latina [Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, 687 pp.], mostra otimismo em relação às recentes mudanças na ilha. Para ele, o governo de Raúl Castro iniciará uma rápida abertura econômica com grande aproximação com o Brasil e o Mercosul. Marca também como um dado histórico notável o papel da guerra das Malvinas na mudança das relações entre Brasil e Estados Unidos.

Segue a íntegra da entrevista de Luiz Alberto Moniz Bandeira publicada no jornal argentino Clarín, 16-03-2008. A tradução é do Cepat.
As Forças Armadas brasileiras modificaram há anos suas hipóteses de guerra. Agora estariam centradas na Amazônia...

Até a guerra das Malvinas, as hipóteses de guerra do Estado Maior das Forças Armadas brasileiras eram as guerras internas ou de guerrilha; os conflitos regionais, com um ou outro país da América do Sul (a Argentina entre os principais); as guerras em outro continente, onde o Brasil deveria enviar contingentes, como na República Dominicana em 1965; e, finalmente, a possibilidade de ataque de países comunistas e uma conflagração generalizada. Desde a guerra das Malvinas, a hipótese de guerra com os Estados Unidos se tornou objeto de estudo das Forças Armadas. O então ministro da Aeronáutica do governo do presidente João Figueiredo, o brigadeiro Délio Jardim de Matos, admitiu em 1982 que o conflito no Atlântico Sul introduziu uma nova hipótese de guerra não prevista até aquele momento. Tratava-se de “um conflito que envolveria o Brasil e um país do bloco ocidental, situado no hemisfério norte, muito mais poderoso econômica e militarmente, devendo o Brasil em tal situação contar com seus próprios recursos”. Portanto, a defesa da Amazônia é fundamental para as Forças Armadas brasileiras. Qualquer tentativa de invasão e ocupação por uma potência estrangeira constitui um casus belli.
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Não poderia ser que a ação colombiana no Equador tivesse sido por uma circunstância pontual, como, por exemplo, impedir a libertação de Ingrid Betancourt? Teme uma mudança da política exterior norte-americana em relação à América do Sul?

Tudo indica que o presidente Álvaro Uribe ordenou a invasão do Equador para matar os guerrilheiros, porque também interessava ao presidente George W. Bush obstaculizar a política do presidente da França, Nicolas Sarkozy, em relação à América do Sul. É evidente que Uribe não fez esta ação sem o aval dos Estados Unidos. Por outro lado, com a libertação dos reféns, inclusive com Ingrid Betancourt, o presidente Hugo Chávez poderia beneficiar-se na medida em que se apresenta como mediador. Não interessa ao presidente Uribe nenhum acordo humanitário pelos motivos que enumerei. Quanto à política dos Estados Unidos, esta continua igual; com uma variação somente na ênfase que o presidente George Bush dá ao que chama de guerra contra o terrorismo. Não tem nenhum interesse num acordo humanitário nem pela pacificação com as Farc. Interessa-lhe seu afastamento por causa dos ataques que os guerrilheiros realizam aos oleodutos e que nos últimos dez anos causaram perdas de cerca de um bilhão de dólares. Entre 1999 e 2000, o presidente Bill Clinton foi pressionado a invadir a Colômbia, mas ele pretendia contar com a participação dos países vizinhos. Os Estados Unidos dariam o apoio aéreo e de barcos de guerra no litoral. Mas não teve o respaldo do Brasil, da Venezuela e do Panamá. E desistiu tanto por isso como pela oposição que havia dentro de seu governo.
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Nesse contexto, o governo de Lula impulsiona agora a Junta sul-americana de Defesa; uma iniciativa que conta com o consenso do governo de Cristina Fernández Kirchner. É viável?

Creio que sim. Isto agora depende da Argentina. Se a presidente Cristina Fernández Kirchner aceitar, poderá constituir-se o Conselho, ainda que não entre um país como a Colômbia, bastante dependente do financiamento dos Estados Unidos.
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Você fez menção a uma espécie de “simbiose” entre o Estado e a indústria bélica nos Estados Unidos. Como se expressaria essa situação num eventual futuro governo democrata? Quais seriam os novos grupos no poder?

O que pode levar os Estados Unidos a retroceder em sua expansão militar é a crise econômica, como conseqüência da combinação do déficit comercial com o déficit fiscal, que cada vez se agrava mais e para o qual o militarismo contribui fundamentalmente. Apesar das dimensões e diferenças, a situação dos Estados Unidos, com estes dois problemas – déficit fiscal e de balança comercial –, é similar àquela que levou a Argentina ao colapso em 2001-2002. Em meu livro A formação do Império Americano. Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque [Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005] busco justamente entender esse fenômeno, porque a melhor forma de compreendê-lo é saber como começou. No entanto, para resumir o que penso sobre a política de um eventual governo democrata, vou reproduzir o que disse o ex-chefe de Estado da Alemanha, o social-democrata Helmut Schmidt, numa entrevista à televisão alemã: “Quem ler os discursos de Hillary Clinton, que ler os discursos de Barack Obama, quem ler os discursos de John McCain verá que todos eles dizem a mesma coisa”. O que os Estados Unidos necessitam compreender é que não se pode exportar e impor democracia a nenhum país por meio das armas.

Mesmo assim, um próximo governo dos Estados Unidos não buscaria soluções mais diplomáticas? Como isso pode influir na América do Sul?

Os Estados Unidos são um país muito complexo, contraditório e não creio em mudanças essenciais. Seus interesses econômicos, políticos e geopolíticos são imensos e condicionam a política de qualquer governo, seja democrata ou republicano. Um presidente da república não faz o que quer ou o que promete. Faz o que pode, o que lhe é permitido, dentro das limitações das relações reais de poder, que são as relações econômicas, sociais e políticas. Mas a economia dos Estados Unidos está em franco declínio. A crise em que se debate é muito profunda e suas conseqüências afetarão todo o mundo, porque o sistema capitalista é um sistema mundial.
Leia na íntegra em http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=12701
ou em http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=136270

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