Deu no Instituto Humanitas-Unisinos:
Artigo de Jacques Távora Alfonsin
"A segurança pública do nosso Estado, pelas palavras diárias do recentemente indicado comandante da Brigada Militar, de pública não tem nada." Essas são as palavras do procurador da República aposentado e professor de Direito Jacques Távora Alfonsin. Em artigo enviado à IHU On-Line, o professor disserta sobre a crise político-administrativa pela qual o Rio Grande do Sul está passando atualmente.
De Caixa de Figuras
Eis [trechos d]o artigo.A crise político-administrativa porque passa o nosso Estado, deflagrada por uma conversa telefônica mantida entre dois integrantes do primeiro escalão do governo, gravada e publicada por um deles, dá chance a que se examine o respeito devido pela administração pública ao princípio jurídico de moralidade, previsto no art. 37 da Constituição Federal.
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O problema é que aí entram todas as nunca bem resolvidas questões derivadas das relações entre direito e moral, as quais não deixam de se refletir sobre as responsabilidades pessoais que os administradores públicos devem à sociedade, justamente pela sua condição de administradores e não de proprietários do Estado. Essa pessoa jurídica, como se sabe, somente se reconhece como existente, de maneira muito resumida, quando é dotada de povo, território e governo. Em termos de governo, por isso mesmo, o dever moral de prestar contas ao povo, somente pode ter avaliada a sua lisura, como é óbvio, através dos seus administradores. Moral, aí, é identificada como virtude. Analisada a conversa denunciada sob enfoque ético, então, convém seja ela examinada, de acordo com o que a mesma revela de moralidade ou imoralidade no relacionamento que a administração do Poder Público estadual mantém com aqueles três elementos.[ . . . ]
Se os desvios de recursos públicos, então, serviram para sustentar campanhas eleitorais, o povo foi legal e moralmente roubado por aqueles administradores, que faltaram com o seu dever legal e moral de vigilância sobre dinheiro alheio, pelos partidos que tiverem se locupletado com essa manobra ilícita, fazendo da disputa por poder um fim em si, e por quem quer que tenha viabilizado esse procedimento ilícito.[ . . . ]
Isso aparece de maneira mais visível ainda, quando a atual administração pública do Estado, enfrenta o povo em suas relações com o seu território.Desde sua posse, ela não descansou enquanto não entregou a Fepam às facilidades exigidas pelas indústrias transnacionais do papel e da celulose, sob o argumento terrorista de que somente por aí seria possível desenvolver-se a metade sul do Rio Grande. É como se o povo que passa até fome por lá não tivesse sido assim vitimado, exatamente pela exploração latifundiária dos ricos que ali exploram as suas terras, fazendo-o credor de uma reforma agrária injustificável e permanentemente prorrogada. Entre o dever moral de promoção econômico-social dessa gente historicamente pobre e excluída por um desenvolvimento econômico e social saudável, ecologicamente sustentado, o governo do nosso Estado prefere o produtivismo (terra e seus frutos como meras mercadorias) à produtividade (preservação da terra e da natureza, função social da propriedade privada). Sendo um “bem de uso comum do povo”, como diz o art. 225 da Constituição Federal, o meio-ambiente apropriado à natureza e à gente do Rio Grande não pode ser irremediavelmente comprometido, por maior que as perspectivas econômicas de lucro das empresas estrangeiras queiram passar por progresso aquilo de que elas mesmas pretendam se apropriar. Não há ecologista sério que não esteja temendo pelo nosso futuro ambiental e alimentar com esse tipo de política predatória e entreguista, cuja imoralidade nem se dá ao trabalho de disfarçar o modo como burla a Constituição Federal, na nossa faixa de fronteira, criando empresas brasileiras laranjas que façam passar por legais as suas aquisições de terra nessa parte do nosso território.[ . . . ]
Seus protestos, todavia, têm sido reprimidos com um abuso de autoridade tão arrogante e prepotente como o do poder econômico que pretende defender e garantir. A segurança pública do nosso Estado, pelas palavras diárias do recentemente indicado comandante da Brigada Militar, de pública não tem nada, pois já escolheu claramente de que lado está. Recuperou a concepção historicamente atrasada da palavra território, que era considerado o lugar onde podia se espalhar o terror. Pré julga todo aquele povo como delinqüente, fazendo cair sobre ele, do modo mais humilhante, estúpido e violento, o peso desproporcional das suas armas, sempre sob a excusa de que precisa manter a ordem, e está agindo dentro da lei. Não hesita em fazer juízo de valor sobre as/os pobres trabalhadoras/es, como se quem abusa da autoridade tivesse autoridade moral para isso.[ . . . ]
O que mais ignoram a mesma autoridade e o seu (!) governo, porém, é que a dignidade humana das suas vítimas é um princípio constitucional supra positivo o que significa tanto a lei como o Estado existirem em função dela e não ela em função da lei. A “moralidade” do atual governo do Estado, portanto, pelo menos no que se refere aos seus deveres de depositário dos bens e dos dinheiros públicos, bem como da segurança devida ao povo, não tem a moralidade por princípio. Àquela a quem ele obedece não é a do art. 37 da Constituição Federal.Na época de Jesus Cristo, quem se apregoava guardião da moralidade pública eram os fariseus e o “mestres da lei”, partidários ferrenhos de uma obediência cega às leis, desde que seus privilégios jamais fossem ameaçados pela aplicação delas. Não é de hoje, portanto, que uma ferrenha defesa das leis pode ocultar muita injustiça. Num Estado como o nosso que se proclama cristão, não só por muitos dos seus políticos, mas por grande parte da mídia que, se não apóia, pelo menos silencia sobre as políticas públicas acima denunciadas, talvez conviesse questionar-se em que medida toda a criminalização da pobreza, todo o escândalo que causa a sua luta por emancipação, não cabem na grave censura que esse tipo de comportamento recebeu daquele pobre nazareno, justamente pelo muito que a hipocrisia farisaica esconde da sua torpe e opressora imoralidade: “... amarram fardos pesados e os põem nas costas dos outros, mas eles mesmos não os ajudam, nem ao menos com um dedo, a carregar esses fardos.” (Mt. 23, 4).
Jacques Távora Alfonsin é procurador da República aposentado e e professor de Direito da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)
Leia na íntegra em http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=14789
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