O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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quarta-feira, 18 de junho de 2008

Condenação criminal pública, mesmo antes de prova, defesa e sentença

Deu na AlaiNet:
Jacques Távora Alfonsin
Anda em curso no Rio Grande do Sul um abuso de autoridade “continuado” (!) que, à margem da lei e da justiça, como todo o abuso desse tipo, visa criminalizar e desmoralizar os agricultores sem terra, a qualquer custo, em sua legítima reivindicação de reforma agrária, inexplicável e permanentemente prorrogada.
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O “sucesso” dessa revista proposital e perversamente humilhante, que em muito excedeu os limites impostos pelo mandado judicial que a autorizava, baseou-se em desproporcional e custosa operação militar, mas foi engrandecido e elogiado pelos latifundiários gaúchos, os quais patrocinam, através de uma das suas entidades, programa de rádio diário na mesma empresa de comunicação que recebeu os tais diários. Aplaudiram a política de segurança pública que o governo estadual vem mantendo relativamente aos sem-terra, visivelmente sintonizada com o triste ideário de um conhecido chefe de polícia do Estado Novo que, ainda no século passado (!), dizia que a “questão social é um caso de polícia”. Assim, polícia militar e parte da mídia anteciparam publicamente aquilo que somente uma sentença judicial tem competência para fazer - a condenação dos “crimes” dos sem-terra que ambas se julgam com autoridade para julgar.
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Entre as crueldades que se praticavam na época da escravatura brasileira, admitia-se que os latifundiários marcassem o rosto dos escravos que fugiam das atrocidades a que eram submetidos, com ferro em brasa em forma de “F”, assim identificando suas vítimas como “fujões”. Já que isso seria muito difícil de repetir hoje, e contaria com pronta reação dos sem-terra feridos em sua dignidade própria, a segurança dos privilégios que mantem a terra do país ignominiosamente distribuída em nosso país achou um outro jeito de obter efeito atroz para eles: denunciá-los independentemente de qualquer devido processo legal, acusá-los independentemente de defesa ou contraditório e condená-los independentemente de sentença judicial. Nem a morte dessa gente fica excluída, como a CPT comprova todos os anos, arrolando as vítimas abatidas no país inteiro, que mais não reclamam do que o reconhecimento devido aos seus direitos humanos fundamentais, previstos expressamente na Constituição Federal.
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A repressão que a polícia militar gaúcha movimentou recentemente em trts dos nossos municípios, testemunhou concretamente a manifesta incapacidade do nosso sistema econômico, político e jurídico de enfrentar e vencer a injustiça social que historicamente nos vitima, confundindo pobreza com criminalidade, favorecendo a promiscuidade do Poder Público com privilégios seculares que escravizam a nossa terra e grande parte do nosso povo. Uma coisa é investigar, legalmente, outra é perseguir, abusivamente, como o enforcamento de Tiradentes provou.

Os oficiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul que comandaram essas últimas ações contra os sem-terra que nos perdoem, mas se o patrono das polícias militares brasileiras fosse vivo, certamente morreria de novo, e de vergonha, com o que aconteceu em Rosario do Sul, São Gabriel e Vamão, tamanha é a distância que essas atrocidades guardam do seu amor a liberdade, da sua coragem, do seu heroismo e, principalmente, da sua resistência e luta contra toda a injustiça que se prevalece do seu poder e autoridade para, a pretexto de “manter a ordem e a segurança”, abusar de uma e outra, impondo-se por violência arbitrária, preservando opressão e assegurando a exclusão social.
Jacques Távora Alfonsin é procurador da República aposentado e e professor de Direito da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)
Leia na íntegra em http://alainet.org/active/24633

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