O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O arrasa quarteirão

Deu na Caros Amigos:
Entrevista Ciro Gomes
Na última quinta-feira, 14, aconteceu no Senado uma audiência pública sobre a transposição do Rio São Francisco. Assunto polêmico, debate acirrado. De um lado, o ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. O deputado federal pelo PSB-CE é um dos defensores do projeto, argumenta que 12 milhões de pessoas serão beneficiadas e, por isso, optou em colocar a “mão na massa”. Em posição contrária, encabeçam as manifestações a atriz Letícia Sabatella e o bispo de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, que já fez duas greves de fome contra as obras – ambos entrevistados do só no site Caros Amigos. Para eles, o projeto é de interesse das empreiteiras e da "agricultura irrigada, criação de camarão e usos industriais", assim, não melhoraria, de fato, a situação de quem mais precisa. Em maio de 2006, Ciro Gomes concedeu entrevista explosiva para Caros Amigos. Não mediu as palavras e criticou partidos, José Serra e FHC, a mídia e o MST. Além de expor seu pensamento sobre dom Cappio e, claro, a transposição do Rio São Francisco. Vale relembrar.
O arrasa quarteirão
Se existe um político brasileiro que não apalpa e “fala tudo na lata”, como festejam seus conterrâneos, é esse cearense nascido em São Paulo que acaba de deixar o Ministério da Integração Nacional. E ele diz que exatamente por ter deixado o ministério é que agora pode soltar os cachorros tranqüilamente. Daí que nesta longa e agitada conversa não faltaram contundentes críticas ao PFL, ao PSDB e ao PT, à dupla Serra-FHC, à mídia, ao próprio governo (“não tem projeto”), ao MST, a dom Cappio, e revelações – “há um centro clandestino que comanda as coisas do país”. Ou a frase que ouviu de FHC sobre a presidência da República: “Quem não contemporiza com a corrupção, cai”. E por aí vai. Explosivo é pouco.
Entrevistadores: Verena Glass, Marina Amaral, Hamilton Octavio de Souza, Palmério Dória, Ricardo Kotscho, Renato Pompeu, Wagner Nabuco, Sérgio de Souza. Fotos: Nino Andrés
Marina Amaral – Você nasceu na terra do Alckmin...
Nasci em Pindamonhangaba, filho de um cearense, migrante como muitos, e de uma paulista de Pindamonhangaba, e fui criado no Ceará, em Sobral.

Marina Amaral – E estava falando que a política paulista é provinciana.
A política desta quadra. Tirante problemas aqui e acolá, e não são poucos e nem irrelevantes, o PSDB e o PT são afins. Ambos são modernosos, produtos de uma sociologia de um Brasil industrializado, proletarizado, sindicalizado, de um Brasil acadêmico, e, a rigor, deveriam ser parceiros. Fomos parceiros, por exemplo, no episódio do impeachment do Collor. Houve um catalisador óbvio nessa associação do Brasil rural, clientelista, corrupto, fisiológico, com uma pseudomodernidade internacionalista no pior sentido que essa palavra possa ter, consumista, exótica, nessa coisa de uma pequena burguesia à-toa que também floresce na nossa sociedade. E nós nos juntamos, fi zemos a empreitada. Eu era do PSDB, o único governador eleito do PSDB, o primeiro da história do PSDB. E a contradição já aflorou na noite do dia do impeachment. Impeachment coordenado por um coletivo que era Tasso Jereissati, presidente nacional do PSDB como hoje; Lula, presidente do PT; Miguel Arraes, presidente do PSB; João Amazonas, secretário-geral do PCdoB; Quércia, presidente do PMDB, não lembro outros. Esse coletivo ajuizava as coisas todas. E na noite do impeachment nos sentamos na galeria da Câmara Federal, havia muitas ameaças, muito riscos, passamos a noite anterior laçando gente que estava sendo subornada e tal e tangemos aquele negócio e assistimos lá à sessão e ganhamos. Quando acabou, saímos para jantar, eu, Tasso e Fernando Henrique, num restaurante de Brasília. Pelas tantas, já descambando pra meia-noite, chamam o Fernando Henrique no telefone.Ele vai atender e volta lívido. Disse: “Olha, alguma coisa está acontecendo, o Itamar está nos chamando na casa dele. Vamos pra lá agora”. Fomos para o Itamar, uma casa no Lago, chegamos e estava cheia de gente, na sala, cozinha, muita gente e lembro a primeira figura que veio para nossa linha de frente: “Pelo amor de Deus, não façam isso comigo”. Eu disse: “O que houve?”. Era o Gustavo Krause. Não dá tempo de ele responder à pergunta e o Itamar vem: “Eu preciso falar com os senhores”, e nos leva para o quarto dele e fecha a porta. Estou contando a história para tipificar o que eu estou falando do provincianismo dessa contradição que está fazendo muito mal ao Brasil. E aí o Itamar nos faz a seguinte afirmação – eu, garoto, foi a primeira vez que gelei assim: “Queria comunicar aos senhores que não vou assumir a Presidência”. “Como é que não vai assumir a Presidência?”, diz o Fernando Henrique para ele. “Não vou assumir porque o senhor Orestes Quércia e o senhor Fleury estão me impondo o nome do ministro da Fazenda e eu não aceito, e o senhor Lula me comunicou que o PT vai pra oposição e assim não dá para eu assumir.” Hoje eu conheço melhor o Itamar, sei que naquele momento ele estava fazendo um gesto que era de delegar para nós a tarefa de consertar o caminho dele. Porque de bobo esse daí não tem nada, absolutamente nada; ao contrário, é um homem muito inteligente.
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Palmério Dória – Mas você foi o queridinho da mídia uma certa época, como governador mais novo do Brasil.
Não fui propriamente o queridinho da mídia, não. Nessa data eu era um fenômeno...

Palmério Dória – Em que momento deixou de ser?
Ah, no Ministério da Fazenda. Até chegar ao Ministério da Fazenda, inclusive na chegada, eu ainda era visto como o garoto-prodígio que, dada aquela confusão que o Ricupero causou, ia lá pra dar um jeito no problema. E quando cheguei fui dar um jeito no problema ao modo como imaginava que tinha que fazer. E eu tinha um problema concreto para resolver, o Plano Real tinha feito água, a inflação de julho tinha sido zero, assumi dia 7 de setembro, a de agosto tinha sido 3%. Hoje a gente pode ajuizar o que significa 3% de inflação num único mês. O Plano estava fazendo água. O país estava com a sua capacidade instalada a 100%, trabalhando a três turnos, e havia muito mais poder de compra do que mercadoria em oferta. Ágio, fila, desabastecimento, aumento generalizado de preços e já os primeiros acordos de reindexação de salários aqui na indústria automobilística, na “coalizão inflacionária”, como chamei na época. E fiz o que tinha que fazer: criei a alíquota progressiva de 35% do imposto de renda, porque uma das mais graves injustiças brasileiras é que você que é classe média paga 27,5%, e o Antônio Ermírio paga 27,5% sobre os rendimentos dele, e a empresa dele 15%. Criei um IOF com alíquota progressiva de 0 a 10% para inibir fluxos especulativos de capital, discretíssima regulação na conta de capital, que é uma anarquia por onde o Brasil é subjugado. Porque o governo Fernando Henrique em oito anos produziu 100 bilhões de dólares de déficit nas nossas contas com o estrangeiro, o chamado déficit de transações correntes. O que quer dizer que o Brasil precisava ser o bom moço que adivinhasse na véspera o que estavam sonhando os donos do poder no planeta e fazer na véspera para poder fechar essa conta. Senão morria. Quebramos três vezes nos oito anos do senhor Fernando Henrique Cardoso, passamos os oito anos dele subjugados pelo Fundo Monetário Internacional. Ele, pra mim, não é nada senão aquilo que eu sei que ele é. E tomei mais a providência do IOF progressivo, a participação dos trabalhadores no resultado das empresas, e a abertura comercial. Que foi feita não por ideologia, foi feita por um truísmo: havia um hiato de produto, mais gente podendo e querendo comprar do que 100% da capacidade brasileira de produzir oferecia. Nessa circunstância, das duas uma: ou os preços sobem, excluindo os que não têm renda daquela mercadoria que só dá para uns e não dá para todos, ou você traz o excedente de fora. Como tínhamos um superávit de 14 bilhões de dólares na data, eu trouxe de fora pra não fazer aquilo que está sendo infelizmente feito pelo governo Lula, que é via aumento de juros excluir os miseráveis, os pobres, a pequena classe média via crédito, dissuasão da compra.
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Leia na íntegra em http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed131/valeapena_ciro.asp

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