O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sábado, 9 de fevereiro de 2008

Entre a abelha e o rinoceronte

Jacques Távora Alfonsin*


Um dos porta-voz dos proprietários rurais do Rio Grande do Sul manifestou indignação pública pelo fato de o Movimento das Mulheres Camponesas ter recebido um auxílio em dinheiro da União, no valor de R$492.000,00. Sua revolta era motivada pelo fato de o dito Movimento ter sido indiciado pelos danos sofridos pela Aracruz em Barra do Ribeiro, no ano de 2006, durante um protesto coletivo.

Quase ao mesmo tempo, segundo o site Terra de 25 de janeiro, a bancada ruralista no Congresso Nacional negociava com o Governo da União moratória de parte de uma dívida de R$140.000.000.000,00 (cento e quarenta bilhões de reais) do chamado “setor agrícola.”

Vale a pena compararem-se tais valores. O primeiro é mais de 284.000 vezes menor do que o segundo! Este, se fosse quitado agora, daria para cobrir o rombo inteiro da previdência social do país, melhorar consideravelmente os nossos serviços públicos de saúde, educação, segurança, levar habitação popular para o meio rural, realizar a sempre prorrogada reforma agrária, entre muitas outras coisas.

Se a parte da dívida a ser coberta pela moratória for para pequenos proprietários rurais, qualquer pessoa compreenderá, mas o histórico da bancada reivindicante não anima uma tal conjetura. Duas coisas, todavia, são certas. A primeira é a de que um calote daquele tamanho não escandaliza tanto como o tal auxílio dado ao MMC. A segunda é a de que esse Movimento não é responsável pela contratação dos jagunços que matam as lideranças populares no campo, como a CPT comprova anualmente, a exploração do trabalho escravo em volume bárbaro de vítimas, conforme a agência repórter Brasil de notícias denuncia na Internet, a grilagem latifundiária de terras e os obstáculos pseudamente jurídicos opostos à execução da reforma agrária, como o congelamento dos índices de produtividade atestam.

Isso tudo poderia servir de aviso a quem critica essas mulheres que as causas sociais de outras indignações têm fundamentação ética bem mais justificada e respeitável. Num quadro conjuntural como esse, que perpetua a miséria coando a abelha que a combate, para deixar passar o rinoceronte que a ignora, urge denunciar-se que este tem muita força mas enxerga pouco, quando menos para que ele saiba não ser unânime a aceitação passiva e subserviente das injustiças sociais que patrocina e reproduz.
* Advogado

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