O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Chile: breves recordações sobre neoliberalismo e ditadura

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Virgílio Arraes
21-Fev-2008
Há muito tempo, louvam os neoliberais o Chile como o exemplo a ser seguido para o desenvolvimento. Em seu favor, os admiradores do modelo socioeconômico daquele país invocam um argumento inquietante: embora formalmente a esquerda, mesmo moderada, esteja no poder desde 1990, ela não se dispôs a efetivar alterações de monta na estrutura herdada – de onde paradoxalmente se extrai um dos piores indicadores de distribuição de renda na América Latina.
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Membro tardio no rol das ditaduras infestantes na região sul-americana no ambiente bipolar - visto que havia Paraguai, Brasil e Bolívia -, o Chile notabilizou-se, portanto, não por ser mais um a sofrer um golpe militar de Estado, mas sim por executar um programa recomendado para os países europeus na esteira dos primeiros sinais de crise da social-democracia: o neoliberalismo.
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Conquanto o alvorecer da crise política e administrativa da esquerda comedida surgisse no final dos anos 60, o seu amadurecimento viria após o primeiro choque do petróleo, em 1973. Todavia, somente ao término daquela década é que ascenderiam ao governo no velho continente agremiações subscritoras do pensamento liberal: a Grã-Bretanha em 1979, com o Partido Conservador, liderado, por Margaret Thatcher; e a então Alemanha Ocidental, com a União Democrata Cristã, conduzida por Helmut Kohl.
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A ruptura institucional no Chile nasceu em março de 1973, quando os parlamentares mais conservadores, incluindo-se os democratas-cristãos, avaliaram não ser mais possível destituir o Presidente Salvador Allende, do Partido Socialista, via processo regular de impedimento – eram necessários 2/3 dos votos dos congressistas.
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Curiosamente, o General Augusto Pinochet, sucessor do General Carlos Prats na titularidade do Exército, aderiu ao golpe de Estado na última hora, persuadido no dia 9 de setembro pelo Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Toribio Merino, e pelo da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Gustavo Leigh.
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Com vistas à administração, logo após o encerramento do governo Allende, contrataram-se pouco mais de duas dezenas de gestores provindos da Universidade de Chicago – estudantes de pós-graduação de Milton Friedman - encarregados de levar a cabo as novas diretrizes, sob justificativa de revigorar novamente a economia. Entretanto, isto não impediria que, em 1982, o país experimentasse uma profunda crise, a maior desde a década de 30, a segunda daquele regime. A outra havia ocorrido em 1975.
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Além do mais, o crescimento do produto interno bruto durante a vigência do período de 17 anos de autoritarismo mal chegou aos 60% - em três mandatos, ou seja, 15 anos, o Concerto de Partidos pela Democracia (socialista, democracia-cristã, social-democrata) mais que o dobraria.
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Assim, esboroa-se a fundamentação dos apologistas de Pinochet de que o quadro negativo na área de direitos humanos – um mal menor ou um efeito colateral indesejado, na melhor das hipóteses - teria sido compensado pelos efeitos positivos na economia.
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Destarte, constataram-se quase 2.300 mortes, das quais a metade de militantes do Partido Socialista, do Movimento de Esquerda Revolucionária e do Partido Comunista. Mais de 33 mil detidos, a maioria deles nos primeiros meses de ditadura, dos quais 27 mil torturados de alguma forma.
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Segundo a versão ditatorial, este último morticínio teria sido ocasionado por disputas entre os próprios militantes de esquerda; os atentados contra Carlos Prats, ex-Comandante do Exército, em Buenos Aires, em 1974, e contra Orlando Letelier, ex-ministro das Relações Exteriores, em Washington, em 1976. Quanto ao último, o ato seria avaliado como a maior operação terrorista dentro do território estadunidense até então.
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Ressalte-se que, malgrado a coligação de partidos (outrora considerados) de esquerda não tenha desmontado a estrutura sociopolítica anterior, o seu simples suavizar, de toda maneira, proporciona, desde os anos 90, um desempenho econômico superior ao do chamado neoliberalismo original.

Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais da UnB.
Leia na íntegra em
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1452/102
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