O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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sábado, 17 de maio de 2008

Quem ganhou no referendo de 4 de maio?


Deu na Agência Carta Maior:
Após aluns resultados e diagnósticos incertos, os dois lados em disputa reivindicam para si o triunfo no referendo sobre o Estatuto Autonômico realizado no Departamento de Santa Cruz no dia 4 de maio. Como determinar quem está com a razão? A análise é de Marta Harnecker.
Marta Harnecker- Rebelión
Para poder julgar ou medir os resultados de uma ação é fundamental levar em conta qual era o objetivo que cada ator buscava com ela. A oligarquia de Santa Cruz perseguia uma assistência massiva às urnas: era a única maneira de tirar força do argumento de peso do governo sobre a ilegalidade do processo; se conseguisse esse objetivo, poderia, então, argumentar que mesmo não sendo um processo legal era um processo legítimo, o povo teria, massivamente, manifestado seu sentir com respeito ao Estatuto Autonômico e o governo teria que levar em conta esse sentimento popular.
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A esta consigna da abstenção promovida pela propaganda oficial foi acrescentada posteriormente a consigna de votar NÃO, consigna que lançaram alguns setores pensando nas pressões que estava usando a oposição para obrigar a população a ir às urnas.
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A partir desta análise, o governo e seus seguidores podem se dar por satisfeitos. Contudo, terão que se perguntar se é possível falar em triunfo quando pouco mais da metade da população eleitoral de Santa Cruz foi contra o projeto de país que Evo Morales representa e apoiou, conscientemente ou sob manipulação, os grandes grupos oligárquicos que dominam econômica, ideológica e politicamente essa região.
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Parece mais provável que nisto também tenham pesado erros e fraquezas do próprio governo e do MAS, seu instrumento político fundamental (1). Por acaso não é verdade que Evo Morales não convocou a votar NÃO pelas autonomias no referendo autonômico de 2006, realizado no mesmo momento em que eram escolhidas as pessoas que formariam a Assembléia Constituinte, deixando a bandeira da autonomia em mãos da reação (algo que os próprios dirigentes do MAS reconheceram depois)? Por acaso não é verdade que foram aplicados à parte oriental do país esquemas organizativos e critérios que se chocam com a idiossincrasia própria dessas terras? Não é real a tendência a catalogar como oligarcas secessionistas todos aqueles que, seguindo um sentimento que vem de gerações, tem-se manifestado a favor da autonomia, ignorando as contradições que existem entre os grandes oligarcas pró-imperialistas e uma parte importante dos setores médios urbanos brancos que —apesar de serem críticos a determinadas políticas e ações do atual governo— em linhas gerais apóiam-no, porque representa, finalmente, a dignificação dos povos indígenas e a afirmação da soberania da pátria?
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O que essa oligarquia buscava, e continua buscando, é a derrocada do primeiro presidente indígena da América Latina, para voltar a controlar as imensas riquezas da região, que começaram a ser controladas pelo Estado, sendo ratificada em Primeiro de Maio a decisão do governo de avançar nesse sentido com os anúncios da recuperação do controle majoritário de quatro transnacionais petroleiras e a nacionalização de ENTEL, a companhia de telecomunicações. Uma oligarquia que nunca compreendeu o chamado a realizar uma verdadeira reforma agrária e a distribuir mais eqüitativamente a riqueza na América Latina, chamado feito, há quase meio século, pelo Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. É preciso considerar que quem fez esse chamado era um liberal burguês, que jamais poderia ser catalogado como comunista, e que o fez visando deter o avanço da revolução na nossa América.
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E por falar em unidade, gostaria de lembrar as seguintes palavras de Fidel, o grande artífice da unidade do povo cubano:

“Eu também pertenci a uma organização. Mas as glórias dessa organização são as glórias de Cuba, são as glórias do povo, são as glórias de todos. E eu, um dia —acrescenta—, deixei de pertencer a essa organização. Que dia foi esse? O dia [em] que nós fizemos uma revolução maior que a nossa organização [...] E ao marchar através de vilas e cidades, vi muitos homens e muitas mulheres; centenas, milhares de homens e mulheres tinham seus uniformes vermelhos e pretos do Movimento 26 de Julho; mas muitos outros milhares tinham uniformes que não eram vermelhos nem pretos, mas camisas de trabalhadores e de camponeses e de homens humildes do povo. E a partir desse dia, sinceramente, no mais profundo do meu coração, passei daquele movimento que todos amávamos, sob cujas bandeiras lutaram os companheiros, passei para o povo; pertenci ao povo, à revolução, porque realmente tínhamos feito algo superior a nós mesmos.” (2)

(1) Sobre esta organização política “sui generis” aparecerá muito em breve o livro-testemunho MAS IPSP de Bolivia. Partido que se construye desde los movimientos sociales, de Marta Harnecker e Federico Fuentes.

(2) Fidel Castro, Discurso de 26 de maio de 1962, em Obra revolucionaria Nº11, 27 março, 1962, pp.36—37. Texto citado em Marta Harnecker, La estrategia política de Fidel . Del Moncada a la victoria, várias edições na América Latina.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14998

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