O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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segunda-feira, 12 de maio de 2008

Empate catastrófico e o ponto da bifurcação

Deu no Instituto Humanitas Unisinos:

A análise de Álvaro Garcia Linera sobre a Bolívia


O vice-presidente da Bolívia Álvaro Garcia Linera em uma aula na Escola do pensamento da Comuna em 17 de dezembro de 2007, analisa a crise do Estado boliviano e considera que o mesmo encontra-se numa situação de “empate catastrófico” – o conceito é gramsciano – que leva o país a um ponto de bifurcação. O ponto de bifurcação é a tensão entre as forças revolucionárias e as forças conservadoras na disputa pela hegemonia do Estado. O texto que reproduz a alocução de sua aula impressiona pela capacidade de predição do atual momento que vive o país e do que está em jogo. O texto foi publicado no sítio La Otra Movida em 04-052008. A tradução é do Cepat.

Eis [trechos d]o texto.


A crise do Estado

Na Comuna, com vários companheiros trabalhamos faz tempo a idéia da crise do Estado. Em vários escritos, do ano 2000 a 2001, caracterizamos o que estava acontecendo na Bolívia como uma crise do Estado neoliberal, Houve distintas interpretações de como entender a crise, mas, fundamentalmente, sustentamos que esta acontece quando há problemas na correlação de forças do Estado, ou seja, na estrutura de forças com capacidade de decisão, no conjunto de idéias dominantes ordenadoras da vida política da sociedade que permitem uma correspondência moral entre dominantes e dominados, e no âmbito das instituições (procedimentos, normas, burocracia) que objetiviza a correlação de forças e idéias.
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2000 também é o ano em que entraram em crise e já não conseguiram seduzir o conjunto da sociedade. As idéias dominantes que apresentavam os investimentos externos como motor da economia, a globalização e a exportação como horizonte inoxerável de nossa modernidade, e as coalizões de partidos políticos como condição sine qua non para definir a governabilidade, como entendimento do sentido comum da política. Nas instituições o mesmo acontecia: o Parlamento já não era um cenário de debate político, mas sim que se encontrava expropriado pelo executivo e, por sua vez, o executivo estava expropriado pelos lobbies de empresas estrangeiras e o núcleo político duro, por sua vez se encontrava expropriado pelos investimentos estrangeiros e um par de embaixadas que definia a situação do país. Uma primeira etapa da crise do Estado é a sua visibilização no ano de 2000.
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Empate catastrófico e construção de hegemonia

Toda crise estatal, então, pode ser reversível, ou bem, pode continuar. Se a crise continua, uma etapa seguinte é o empate catastrófico. Lênin falava de uma situação revolucionária. Gramsci, do seu modo, falou de empate catastrófico, ambos fazem referência a mesma coisa, porem com linguagem diferente. O empate catastrófico é uma etapa da crise do Estado. Se vocês querem, um segundo momento estrutural que se caracteriza por três coisas: confrontação no âmbito institucional – pode ser no âmbito parlamentar e também no social – de dois blocos sociais conformados com vontade e ambição de poder, o bloco dominante e o social ascendente; e em terceiro lugar, uma paralisia do mando estatal e a irresolução da paralisia. Este empate pode durar semanas, meses, anos; mas chega um momento em que se tem que produzir um desempate, uma saída.
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Esta construção hegemônica ascendente, por sua vez, terá três etapas e outras quatro sub-etapas. A primeira é a preponderância ou a vitória parcial de um projeto político nacional com capacidade de atração e mobilização social. No caso da Bolívia, esta preponderância apresenta vários momentos ou sub-momentos; a consolidação da agenda de outubro é um deles, porque marca um horizonte social capaz de atrair a vontade plebéia, indígena, campesina, popular, operária e das classes médias. E, digamos assim, a institucionalização da agenda de outubro é a vitória eleitoral do ano de 2005.
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O ponto de bifurcação faz com que haja uma contra-revolução desejosa de retornar ao velho Estado em novas condições, ou que se consolide o novo Estado, com conflitos, todavia, mas em um contexto de estabilização. A contra-revolução exige uma rearticulação hegemônica das resistências regionais com capacidade de expansão do regional ou do nacional, apoio internacional e o colapso de mando e de direção do bloco revolucionário.
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Um segundo momento do ponto de bifurcação acontece em 1986. O Estado nacional-popular entra em crise desde 1987. Golpe de Estado, eleições, golpe de Estado, eleições, golpe de Estado, governo democrático, problemas, eleições antecipadas. A direita ganha as eleições em 1985, mas o ponto de bifurcação se dá em 1986, com a Marcha pela Vida, quando o núcleo do velho Estado, o núcleo social e o ideário social do velho Estado, se desmorona, se rende ante à força, a vitalidade, o discurso e a capacidade de coerção e coesão do novo Estado neoliberal.
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Um ponto de bifurcação é, no fundo, um fato de força na mediação prática das coisas. É um acontecimento de liderança, de hegemonia no sentido gramsciano do conceito, de liderança moral sobre o restante da sociedade. Então, se os indígenas querem consolidar-se como núcleo do Estado, tem que mostrar que são capazes de recolher e levar adiante também os interesses da classe média, do empresariado boliviano, e isolar os poucos, os que são irredutíveis, mas tirando-os a sua base social. Por isso, é importante falar com os adversários, os indígenas obrigam-se a falar com eles.
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Em 2005, se confrontava a Assembléia Constituinte com uma demanda da sociedade frente ao Estado e a resposta do bloco decadente do Estado à sociedade era o referendo autonômico. Hoje as coisas inverteram-se. A proposta da sociedade frente à sociedade mediada pelo Estado é a nova Constituição Política do Estado, e a resposta do bloco afastado, já não desde o Estado, mas sim desde um pedaço da sociedade é o estatuto autonômico. Parece ser que é o mesmo, mas a ubiquação dos sujeitos sociais girou 180 graus.
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Na atualidade, o governo está apostando em uma terceira forma de bifurcação que seria uma espécie de resolução democrática mediante uma fórmula de interação, ou seja, de aproximação sucessiva. A proposta consiste em que se resolva o que é um momento de tensionamento de forças, mediantes vários atos democráticos. É uma das possibilidades que se tem aberto e que o governo procura impulsionar. A idéia é que o ponto de bifurcação não se resolverá nem mediante insurreição (a hipótese da guerra civil que sempre está latente), nem pela exibição das forças e a derrota moral do adversário, mas sim que se resolva mediante a manifestação reiterada do soberano a partir da reunificação dos poderes, das forças locais e regionais e do uso dos excedentes.
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Agora, basicamente, eu diria que este é um tempo de trégua que pode romper-se, no momento que se coloque em jogo a Renda Dignidade que redistribui 60% do IDH (Imposto Direto dos Hidrocarburos) às prefeituras. Ou dependendo da própria estratégia da direita, pode ser até o momento do referendo sobre autonomias, sobre o seu estatuto autonômico. Este referendo tem que ir ao Parlamento e se este o modifica ou rechaça, irão tentar um referendo por decisão de sua assembléia autonômica regional e se isto acontecer, irão querer aplicar o seu Estatuto e ao querer aplicá-lo sem a legalidade correspondente, vão chegar a uma confrontação com a estrutura do Estado. Isso pode ser outro momento.
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O provável é que em algum desses momentos se ponha à prova a capacidade de dissuasão do novo bloco social de poder e este fará que se visibilize a sua capacidade de decisão, a partir de sua capacidade de mobilização social a nível nacional, a nível departamental e, fundamentalmente, a nível regional; e será evidente na capacidade de manter o mando, o controle e o cumprimento das estruturas de coerção legítima que tem o Estado, vale dizer, a Policia Nacional e as Forças Armadas.

Assim vemos o panorama para os meses seguintes. Seguramente esta leitura inicial irá se modificar semana à semana, porque se trata de um momento em que a política e a correlação de forças está mudando muito a curto prazo. Novamente há uma condensação da política no espaço e no tempo, e isso nos obriga a alterar os esquemas de interpretação.
Leia na íntegra em http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=13912

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