O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Anatomia de uma crise financeira de alcance planetário

Deu no Resistir.info:
por Michael R. Krätke [*]
Quatro semanas atrás o mundo ainda parecia estar em ordem: a economia mundial e os mercados financeiros estavam no apogeu. Agora temos um crack bursátil a prazo que desagua numa crise do mercado monetário: os bancos centrais não deixam de injectar capital nos mercados financeiros. Na Alemanha, o Banco Regional da Saxónia está em sérias dificuldades e teve de ser resgatado pelas caixas económicas e outros bancos regionais com uma dose para a sobrevivência de 17,3 milhões de euros. O estado da Saxónia garante esta soma extremamente incomum, que ultrapassa o seu orçamento anual.
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Mais de 5 milhões de casas à venda nos EUA

O que se passou? Nos EUA explodiu uma gigantesca bolha imobiliária. Juros baixos, preços imobiliários em aumento constante (até 20% ao ano nos melhores lugares), um mercado hipotecário em expansão hiperbólica, mantiveram a economia dos EUA a trote. O boom alimentava o consumo privado, o endividamento das famílias estado-unidenses subia desaforadamente até chegar, em média, a 120% do rendimento anual, constituído em três quartas partes por dívidas hipotecárias. Os bancos hipotecários e os fundos imobiliários ofereciam crédito barato às pessoas, inclusive àqueles que nunca teriam podido permitir-se possuir casa própria. A ruína previsível de inúmeros proprietários de casas não representava o menor problema, enquanto, é claro, se mantivesse o boom. Os bancos e as sociedades financeiras ganharam fabulosamente com isso, tal como a multidão de gestores imobiliários.
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Com a quebra espectacular, em Junho último, de dois hedge funs multimilionários pertencentes ao quinto maior banco estado-unidense de investimentos – Bear Stearns – perderam-se, de imediato, 1.600 milhões de dólares. Além disso, as acções do Bear Stearns despenharam-se, tal como as de muitos outros fundos de investimentos, bancos e seguradoras: mais de 200 mil milhões de dólares perderam-se da noite para a manhã. A Wall Street estremeceu, e o resto dos mercados de valores do mundo reagiu de imediato. Pois o colapso dos fundos hedge era um sinal de alarme para todos os iniciados. Os bolsistas reagiram com pânico mas logicamente: pois os créditos atrasados encontram-se por toda a parte, e são bombas relógio colocadas não só no sistema financeiro estado-unidense como no mundo todo. Porque a bolha imobiliária só podia crescer na medida em que os financeiros continuassem a acreditar na possibilidade de por à venda, a qualquer momento, até os piores e mais arriscados créditos hipotecários. Esses créditos, tal como todos os demais tipos de dívida, assim como os pagamentos futuros de juros e amortizações, transformaram-se em mercadorias comerciáveis. De modo que até os créditos frouxos e ainda cambaleantes serviam de base a uma vertiginosamente expandida super-estrutura de derivados creditícios em mãos de especuladores profissionais. Créditos hipotecários e de outros tipos foram empacotados em massa e utilizados como garantia para novos títulos: os bancos hipotecários vendiam esses títulos respaldados por hipotecas (mortgage backed securities) transferindo assim o seu risco creditício para outros, para bancos, fundos de investimentos e seguradoras. Estes não se preocupavam com a qualidade da dívida hipotecária original, porque também eles, por sua vez, pretendiam vender esses títulos.
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Mas o que acontece quando todos os créditos que se encontram na base falham em massa? Então torna-se imperiosamente claro para os afectados que estão a cavalgar sobre uma onda de valores fictícios gerada por eles próprios. Uma vez que as garantias não são de nada, desvanece-se o valor dos títulos garantidos, os bancos querem a devolução dos dinheiros emprestados a curto prazo, os hedge funds não podem continuar a vender os seus títulos e entram em bancarrota. Em consequência, também aqueles bancos, seguradoras e fundos de investimento que financiaram a especulação com esses derivados vêem-se em apertos muito sérios. Uma vez que esses derivados foram comercializados à escala planetária, vêem-se subitamente em dificuldades bancos que jamais financiaram uma hipoteca nos EUA. Mas participaram – como o IKB, como o Westdeutsche e o Banco Regional da Saxónia e muitos outros – em hedge funds, quando não criaram os próprios, que especulavam com tais derivados creditícios. Suas perdas repercutiram através das cotações dos mercados de valores. Por todo o mundo, os valores financeiros despenharam-se e, à espera de uma onda de quebras, os investidores fugiram em massa. Também os bancos que jogam na primeira divisão, e que nada têm a ver com a especulação imobiliária, vêem-se agora em apertos.

As economia exportadoras chinesa e alemã e o fim dos mercados estado-unidenses

Caídos os primeiros bancos, como nos EUA, ou penosamente resgatados, como na Alemanha, principia o acto seguinte do drama: a crise do mercado monetário. Uma vez que os bancos sabem que todos os demais estão atolados, mas não com que profundidade, põem limites severos ao empréstimo inter-bancário, exigindo juros elevados para créditos a curto prazo. Por outras palavras: o sector mais estável dos mercados financeiros, o tráfego creditício inter-bancário, contrai-se subitamente. Só os bancos centrais podem então intervir como lender of last resort – como prestamistas de último recurso –, o que fizeram maciçamente durante dias.
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O fim do túnel ainda está muito longe de estar à vista. Os mercados de valores assinalam actualmente a descida de cotações mais abrupta dos últimos anos. Bancos e hedge funds no mundo inteiro continuam a afastar de si os derivados creditícios prenhes de risco que haviam financiado com dinheiro barato japonês; os créditos têm que ser devolvidos em yenes, logo dispara-se para cima o câmbio do yen e afundam as cotações em Tóquio. Virá agora a crise do dólar e, com ela, a crise do comércio mundial, de modo que para as economias exportadoras chinesa e alemã acabaram-se os mercados estado-unidenses.

05/Setembro/2007
[*] Estudou economia e ciência política em Berlim e Paris. Actualmente é professor em várias universidades alemãs e no estrangeiro, desde 1981 principalmente em Amsterdam. Co-editor da revista alemã SPW (Revista de política socialista e economia) e da nova edição crítica das Obras Completas de Marx e Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe, nova MEGA). Investigador associado do Instituto Internacional de História Social, em Amsterdam. Autor de numerosos livros sobre economia política internacional.
O original encontra-se em http://www.refundacioncomunistapr.com/articulo_t.php?unitid=628

Leia na íntegra em http://www.resistir.info/crise/kratke_05set07.html

Um comentário:

José Heber de Souza Aguiar disse...

Opa!!

Passei no Blog adorei as reportagens bem como a finalidade delas.

Vou adicionar aos meus blogs indicados.

Abraço!!