O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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terça-feira, 30 de outubro de 2007

O PMDB e o fisiologismo político

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Dejalma Cremonese
30-Out-2007


A máxima política que diz “se hay gobierno soy contra” pode ser facilmente invertida na ótica peemedebista para “se hay gobierno soy a favor”, tal a vocação governista (fisiológica) e adesista do partido.

Provindo do antigo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição durante a ditadura militar (1964-1985), o PMDB é, nos nossos dias, o maior partido brasileiro. Possui 93 deputados federais – a maior bancada no Congresso Nacional, administra o maior número de estados, no total de 7 governadores (SC, PR, MS, RJ, ES, TO, AM) e 5 vice-governadores. É a primeira força no Senado Federal com 20 senadores. Possui 170 deputados estaduais, administra 4 prefeituras de capitais, além de 1.071 prefeituras por todo o Brasil (em torno de 20%), mais de 900 vice-prefeituras, 8.308 vereadores eleitos e conta com um milhão e oitocentos mil filiados, aproximadamente.
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O fisiologismo não é uma particularidade apenas do PMDB; no entanto, é o partido em que mais transparece essa característica por buscar, de qualquer forma, a manutenção do poder, independente de quem esteja no poder. Assim, segundo o Dicionário Houaiss, entende-se o termo “fisiologismo” como a conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum. Ou seja, o fisiologismo está muito próximo do clientelismo político que é um tipo de relação de poder em que as ações políticas e decisões são tomadas em troca de favores, favorecimentos e outros benefícios a interesses individuais.
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Seguindo nesta mesma lógica, é bem provável que, em 2010, o PMDB nem venha a lançar candidato à presidência da República, ficará na cômoda posição de apoiar o novo presidente eleito. Claro, para isso, pleiteará os cargos que achar necessários para continuar onde sempre esteve, no poder.
Dejalma Cremonese é cientista político.
Web Site: http://www.capitalsocialsul.com.br
e-mail: dcremo@hotmail.com.br
Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1041/47/

sábado, 27 de outubro de 2007

Falsos mitos

Márcio Pochmann

O Brasil não está condenado à mediocridade, embora tenham sido dedicados esforços não desprezíveis nesse sentido.

Exemplo disso foi a vertente do pensamento liberal-conservador e suas ações concretas que contribuíram enormemente para apequenar o país. No auge das reformas liberalizantes da década de 1990, vários mitos foram construídos. Por si só, a realidade vem exercendo papel pedagógico dos mais importantes na desconstrução da maioria desses mitos.

Destacamos um conjunto de três relacionados à temática do trabalho. Primeiro, teve relevância na reorientação das políticas públicas dos anos 90 o falso mito da geração dos inempregáveis, tendo em vista a dicotomia entre a perspectiva do determinismo tecnológico na supressão dos postos de trabalho e o avanço na oferta de mão-de-obra. Por causa disso, pregava-se que o setor industrial não mais geraria emprego e o assalariamento estaria com os dias contados, restando, em contrapartida, o salve-se quem puder pelo auto-emprego (empreendedorismo) ou pelos cursos de qualificação profissional.

À medida que o Brasil vai se distanciando da visão neoliberal, o emprego assalariado volta a crescer, permitindo que o desemprego comece a diminuir. O país está longe do ideal, mas não há por que deixar de acreditar que o desemprego possa voltar às taxas inferiores a 3% da população economicamente ativa vigentes até a década de 1980, desde que nossa economia insista no ritmo de expansão acima dos 5% ao ano, acompanhado de um novo padrão de políticas públicas.

Em segundo lugar, deve-se destacar o falso mito de que o salário mínimo em alta implicaria elevação do desemprego (fechamento de empresas) e da informalidade das relações de trabalho (ocupações sem carteira assinada) ou queda do salário real (aumento da inflação). Diferentemente disso, percebe-se nos dias de hoje que a marcha de contínua recuperação do valor real do salário mínimo nacional vem acompanhada da manutenção da estabilidade monetária, queda do desemprego e da informalidade.

Constata-se também, ao contrário da cantilena neoliberal, o inegável papel do salário mínimo na contenção da desigualdade intersalarial no Brasil. Conforme os dados da Pnad 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, o rendimento dos trabalhadores de salário de base (intervalo do segundo ao quinto decis da estrutura da distribuição da renda do trabalho) foi o que mais cresceu em 2006 – 12,6%, contra 7,8% no rendimento do extrato superior.

Por fim, em terceiro lugar, ganhou dimensão o falso mito a respeito do anacronismo da legislação social e trabalhista no Brasil. Além de antiga, pois constituída na década de 1940, se apresentava como um verdadeiro entrave ao avanço das relações de trabalho, pois suprimiria empregos e fomentaria a informalidade. Em síntese, a CLT era apontada pelos neoliberais de plantão como portadora do desemprego ou da ocupação precária.

Acontece que a cegueira situacional em que se meteram os automatistas e exclusivistas das forças de mercado os impediu de constatar não só que as medidas regulatórias do trabalho no chamado mundo desenvolvido eram ainda mais antigas que as do Brasil, mas também que as mudanças executadas mais recentemente haviam gerado a volta ao passado, com intensa precarização e desigualdade entre os trabalhadores, conforme atestam estudos internacionais produzidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

Como não poderia deixar de ser, as mais de duas dezenas de alterações introduzidas na CLT voltadas para a desregulação e a flexibilização do mercado de trabalho produziram o óbvio: perdas irreparáveis para a maioria daqueles que dependem do seu próprio trabalho para sobreviver.

Desde o afastamento do assédio liberal-conservador, que torna menos intensa a pressão pelo desmanche da legislação social e trabalhista, o mercado de trabalho reage menos desfavoravelmente aos trabalhadores. Não somente o emprego formal é o que mais cresce no país desde 2003 (4% em média ao ano) como também permitirá ultrapassar o estágio da estruturação do mercado de trabalho atingida na década de 1980, caso a economia continue a perseguir o ritmo de expansão acima dos 5% ao ano.

Assim como a quantidade do emprego depende da expansão da produção, com função determinante da política macroeconômica, a qualidade das ocupações está relacionada diretamente ao desafio da construção de um modelo econômico associado à nova regulação pública do trabalho.


Extraído de
http://www.cut.org.br/site/start.php?infoid=14322&sid=22 acesso em 27 out. 2007.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A hora da verdade para Teerã?

Deu na Carta Maior:
Restando pouco mais de um ano de governo, Bush já é de fato um dos piores presidentes da História dos Estados Unidos. Qualquer ação no sentido de superar esta mancha na sua história deveria dar-se nos próximos 3 a 5 meses.
Francisco Carlos Teixeira


Desde as eleições presidenciais que levaram Mahmud Ahmenidjad ao poder em Teerã, este país vive em um estado permanente de sobressaltos e crises em sua política interna e externa. Em política interna acentuou-se a penúria de bens, aumentou a inflação e outros bens – paradoxalmente a gasolina! – quase desapareceram. No último dia 8 de outubro de 2007 algumas centenas de estudantes da Universidade de Teerã desafiaram o esquema policial iraniano e gritaram fortes slogans contra Ahmenidjad. No plano externo as ações de enfrentamento com os Estados Unidos acentuaram, nos últimos dias, o conflito entre os dois países.

Energia Nuclear e Geopolítica Regional.

O ponto central do contencioso entre Teerã e Washington centra-se na produção e posse de armas nucleares. O Irã é signatário do Tratado Contra a Proliferação de Armas Nucleares e reafirma constantemente o seu objetivo de dotar-se de energia nuclear exclusivamente para fins pacíficos. Contudo, a natureza fechada, autoritária, do regime iraniano não permite qualquer avaliação concreta sobre o que se passa nas principais usinas nucleares do país.
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A primeira questão, o Irã como um “Out-law State” é complexa e não representaria, de forma alguma, um casus beli clássico. A França, em 1993, no Atol de Mururoa no Pacífico realizou vários testes nucleares de superfície, contrariando frontalmente a comunidade mundial. Outros países, como o Sudão ou Mianmar, agem de forma brutal, mesmo genocidária, contra suas populações sem mereceram uma ação armada da comunidade mundial. Em relação a ser um “regime não-confiável” não podemos deixar de esquecer que o Paquistão – uma ditadura militar comandada por Pervez Musharaf e assediada por grupos islâmicos radicais – possui varias ogivas nucleares e é um dos maiores aliados dos Estados Unidos.

Onde, em fim, reside a ameaça iraniana?

Golfo Pérsico/Ásia Central: uma geopolítica delicada:

Na verdade, a produção de armas atômicas no Irã – tecnicamente possível para fontes neutras num espaço de 3 até 5 anos – seria um mudança brutal de status estratégico para Israel. As relações com as duas outras potências nucleares da região – Rússia, Paquistão – praticamente não seriam alteradas, posto que ambos os países possuem dossiês mais complexos com outros atores regionais. Contudo, no caso de Israel a mudança seria drástica. O poder dissuasório final de Israel – fragilizado em termos demográficos e pela ausência de profundidade territorial – baseado na possibilidade de uso das armas nucleares, seria anulado pelo poder (futuro) nuclear de Teerã. Na verdade, devemos destacar isso, Teerã, e o Hamas na Faixa de Gaza, são hoje os únicos adversários em frente aberta de Israel. O apoio, municiamento e financiamento do Hizbollah, em 2006, durante a chamada “Guerra dos 34 Dias”, no Líbano, já teria quebrado aspectos centrais da estratégia militar israelense. A excelência da Inteligência israelense, bem como o seu poder dissuasório baseado numa maciça retaliação convencional – embora tenha se dado, com a destruição ampla da infra-estrutura libanesa – não foi suficiente para dobrar o Hizbollah ou alcançar seus objetivos no Líbano.
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Para outros aliados de Washington na Região Golfo Pérsico/Oriente Médio a situação não é melhor. O primeiro estado árabe sunita a se fragilizar seria a Arábia Saudita. Dominantemente sunita, mesmo wahabita, Riad possui – exatamente no Golfo e nas suas importantes regiões petrolíferas, uma vasta população xiita -, que se identifica e relaciona com outros xiitas do Golfo Pérsico. Várias das chamadas “Petro-Monarquias” do Golfo, são dominantemente xiitas, como o Bahrein. Um aumento de poder iraniano na região – que poderia ser fortalecido pela vitória xiita no Iraque ou ao menos na formação de uma República Islâmica no sul do Iraque, em torno de Basra – seria um tremendo fator de desestabilização do Reino Saudita, abrindo caminho para uma República Islâmica na Península.
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Assim, o movimento iraniano em direção às armas nucleares, embora de razões claramente fincadas na geopolítica regional do Golfo Pérsico, poderia ser o estopim para um dominó nuclear de amplas dimensões e imensas conseqüências.

Dissuadindo o Irã:

Mais uma vez as potências do Conselho de Segurança da ONU não conseguem chegar a uma mínimo consenso sobre a questão. Até a eleição de Nicolas Sarkozy, em 2007, a França, Rússia e a China Popular haviam assumido uma posição contraria a qualquer ação militar contra o Irã. Já duvidosos do êxito americano no Iraque e da OTAN no Afeganistão, os três países associaram-se numa tentativa de deter uma ação unilateral dos Estados Unidos. Ao final de 2006 tal frente diplomática – aliada ao endurecimento da resistência iraquiana e ao clímax da Crise Coreana (por idênticas razões) conseguiu eficazmente manter o contencioso no plano diplomático.
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Assim as ações do “Grupo de Contato” europeu – França, Inglaterra e Alemanha – esgotaram-se desde 2006 e estes países passaram a uma clara posição de exigência de renúncia unilateral por parte de Teerã à posse de armas nucleares.
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Os Estados Unidos, que haviam chegado ao limiar do enfrentamento no começo de 2006, estavam por demais envolvidos na Batalha de Bagdá, buscando garantir um mínimo de segurança para alguns bairros centrais da capital iraquiana na ocasião, perdendo autonomia para uma nova frente de ação militar. Por outro lado, a Administração Bush encontrava-se sob fogo cerrado, da mídia e da oposição democrata, sendo obrigado a demitir colabores próximos da presidência (Karl Rove, Alberto Gonzáles e Donald Rumsfeld). Por fim, o dossiê coreano – com forte risco de descontrole regional e envolvimento numa guerra convencional de grande porte podendo escalar para um conflito nuclear – paralisou os homens em Washington.

Contudo, depois de agosto de 2007 Washington sentiu mais segura para deslanchar uma ação definitiva na Região Golfo Pérsico/Oriente Médio.
Assim, em 2006, o conflito que estava agendado foi adiado. Até quando?

Por que os Estados Unidos atacariam?

O Irã pratica, depois de 2006, uma extensa e intensa política externa, buscando diversificar suas relações políticas e comerciais, além de estabelecer apoios para um eventual enfrentamento na ONU com os Estados Unidos. Assim, de forma inédita, e para grande irritação de Washington, o Irã investiu fortemente na América Latina. Conduzido por outro desafeto americano, o Comandante Hugo Chavez. Ahmandinejad estabeleceu acordos com Caracas, Manágua e La Paz, além de ter fechado protocolos de cooperação com Brasília.
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Além disso, teríamos típicas razões de política interna e mesmo de psicologia própria da Administração Bush para explicar um eventual ataque americano ao Irã. Restando pouco mais de um ano de governo, Bush já é de fato um dos piores presidentes da História dos Estados Unidos. Qualquer ação no sentido de superar esta mancha na sua história deveria dar-se nos próximos 3 a 5 meses. E, estaria aí, a chance de alterar os sinais da corrida eleitoral em curso, desbancando o favoritismo dos Democratas.

Trata-se, em suma, de um típico projeto de “rabo que abana cachorro”.

Quais os sinais evidentes da crise atual?

Nas últimas semanas os Estados Unidos se movimentaram com uma agilidade diplomática não vista nos últimos 7 anos. Vejamos:

i. O Presidente Bush garantiu o apoio e a continuidade da assistência dos Estados Unidos ao governo ditatorial de Pervez Musharaf – sob forte pressão da oposição interna - no Paquistão. Trata-se de uma base fundamental, na fronteira do Irã, para garantir a segurança de ações contra Teerã;
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iii. Os americanos enviaram “pessoal técnico” para o Azerbaidjão – na fronteira norte do Irã, junto ao Mar Cáspio, para examinar as condições de portos e aeródromos locais;
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v. Vladimir Putin, da Rússia, multiplicou seus esforços diplomáticos em encontros sucessivos com Angela Merkel ( Alemanha ) e Nicolas Sarkozy ( França ) em favor de uma abordagem diplomática da questão. Em seguida a tais encontros Putin foi a Teerã, onde defendeu um mundo multipolar e a excelência das ações diplomáticas.

A Guerra Americana contra o Irã

O encadeamento de tais ações apontaria para a construção de uma retaguarda diplomática e para o estabelecimento das condições estratégicas para um ataque americano ao Irã. Este ataque seria radicalmente diferente da “nova guerra altamente tecnológica” que Rumsfeld criou para o Iraque. Em vez de uma “Blitzkrieg tecnológica”, os Estados Unidos (secundados por Israel, Inglaterra e França) deslanchariam uma poderoso ataque aeronaval contra o Irã.

O ataque deveria ter o caráter preempção e manter o principio de “Espanto e Terror”, só que não seria acompanhado de qualquer ação de “boots on the ground” e deveria potencializar os ataques aéreos (partindo de bases e da marinha deslocada para o local) de forma intensa e contínua. Os primeiros ataques deveriam ser tão poderosos que a capacidade balística iraniana deveria ser anulada sem qualquer possibilidade de retaliação. O uso de armas nucleares táticas não seria assim descartado, bem ao contrário. Os Estados Unidos deveriam direcionar, simultaneamente, seus ataques para as instalações nucleares (Bushsher, Natanz, Araki, etc...) e para o sistema de defesa e resposta do Irã. Assim, as bases navais no Golfo Pérsico e as bases de mísseis distribuídas pelo interior do país deveriam se atingidas simultaneamente, cobrindo mais de 100 alvos diferentes diários e contínuos. O ataque maciço e preemptivo deveriam contar com elementos da Guerra dos Seis Dias, de Israel contra os países árabes, e da Guerra de Kossovo, usando ao máximo poder aéreo para evitar uma retaliação contra Israel, Arábia Saudita e mesmo as tropas aliadas em embasadas no Iraque.

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3752

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O nacionalismo como enigma

Deu no Blog Do Emir:

Os anos 20 e os anos 60 foram chaves no século 20. Dois momentos de crise e de desarticulação do sistema imperial de dominação e, como conseqüência, de sonhos de “assaltar o céu”. Do desenlace das décadas dependeu muito do que aconteceria posteriormente na história contemporânea. A derrota da revolução alemã provavelmente condenou precocemente a revolução soviética ao isolamento e à derrota. Tanto assim que a crise de 1929 não produziu alternativas de esquerda na Europa, mas de direita. A incapacidade de concretizar politicamente as barricadas dos anos 60 levou a nova maré conservadora e à não “transformação de nossos sonhos em realidades”.

A década de 1920 não poderia deixar de estar marcada pela Primeira Guerra — o final de uma época de aparente vida pacífica no mundo, que incubava o conflito bélico mais selvagem, ainda não o dos bombardeios aéreos, mas o das baionetas, da morte cara a cara —, incluindo, necessariamente, o acerto de contas com a questão do nacionalismo. Foi naquele agosto de 1914 que o movimento operário e a esquerda viveram o primeiro grande trauma, quando tiveram que decidir a prioridade entre a questão social — os interesses de classe defendidos pelos que, posteriormente, se assumiram como comunistas — ou a questão nacional — os interesses dos governos burguesas em guerra, defendidos pelos socialdemocratas. A fratura produzida nunca haveria de ser fechada.
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Faltava entender que, na Europa, o liberalismo havia sido a ideologia da burguesia ascendente contra as travas feudais, enquanto o nacionalismo apareceria como ideário conservador, chauvinista, da contraposição dos interesses de cada nação contra a outra. Enquanto que, na periferia, o liberalismo era a ideologia dos setores primário-exportadores, interessados no livre comércio, a do nacionalismo aparecia como protecionista, industrializador, expandindo o mercado interno, contraponto à dominação externa.
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Um historiador argentino — Pedro Enrique Ureña — expressava, naquele momento: “Não é que tenhamos perdido nossa bússola, é que perdemos a dos outros”. Foi uma década de crise de identidade, em que a questão central foi a de “quem somos”, mas também a de “como somos” e também “por que não somos como...” O conceito de nação vinha preencher esse vazio — de forma real ou imaginária.
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Movimentos como a revolução mexicana de 1910 e a boliviana de 1952 foram apenas expressões políticas mais explosivas, mas foi o nacionalismo que dominou a história política do continente ao longo do século 20, com o peronismo, o getulismo, o PRI mexicano, entre outros.
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As novas formas de aparição do nacionalismo — agora antineoliberal, anticapitalista, indigenista, militar, latino-americanista — colocam novos desafios para a esquerda. Decifrá-los é um dos temas fundamentais na era da globalização neoliberal e da hegemonia imperial.

Postado por Emir Sader às 13:09
Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=145

Eleições na Argentina

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Guilhermo Gallo Mendoza
18-Out-2007


Na opinião quase unânime dos analistas políticos, Cristina Kirchner vencerá as eleições presidenciais, marcadas para o próximo dia 28 deste mês, provavelmente em primeiro turno.
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Nas recentes eleições para governadores de províncias, os candidatos oficialistas foram derrotados em Santa Fé , Terra do Fogo, Catamarca, Rio Negro e Buenos Aires. Se esses governadores forem capazes de transferir votos, poderá haver surpresas no dia 28. Sobretudo se se atenta para o fato de que, em Cordoba - um colégio eleitoral de peso -, o candidato de Kirchner venceu por uma diferença de apenas 1% e houve muito barulho por causa de denúncias de fraude.
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Se houver segundo turno, tudo indica que a disputa se travará entre duas mulheres: Cristina Kirchner e Elisa Carrió, embora Roberto Lavagna, candidato de Duhalde - o grande opositor dos Kirchner nas hostes peronistas - também esteja no páreo.
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Se essas previsões se confirmarem, Pino Solanas poderá ter uma votação surpreendente e, com isso, ajudar a eleger alguns parlamentares socialistas, o que contribuirá bastante para a construção de uma força política de esquerda, capaz de alcançar protagonismo na política argentina.
Guillermo Gallo-Mendoza foi ministro da Agricultura da Provincia de Buenos Ayres, durante o governo Campora.
Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/988/59/

Perigo! O Irã ameaça atender à ONU

Deu no Correio da Cidadania:
Escrito por Luiz Eça
19-Out-2007


Mohamed El Baradei, Prêmio Nobel da Paz e diretor geral da Agência de Energia Atômica da ONU, acredita que a crise vai acabar. O Irã concordou em esclarecer tudo sobre seu programa nuclear e permitir inspeções minuciosas em todos os locais onde a Casa Branca acusa estarem sendo produzidas bombas atômicas. Só resta algum receio iraniano de que a assinatura de um sub-protocolo ao Tratado de Não-Proliferação permita ações de espionagem.
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Logo que El Baradei reportou o acordo a que chegara com o país dos aiatolás, Bush apresentou ao Conselho de Segurança propostas de novas e muito mais duras sanções contra Teerã. Vetadas pela China e a Rússia, o fiel Sarkozy levou essas medidas terríveis à consideração da Comunidade Européia, num claro desrespeito à ONU. Embora apoiado pela previsível Inglaterra, não conseguiu nada diante da oposição da Áustria, Itália e até da Alemanha. Numa atitude que faria inveja a Blair, seu ministro, o ex-socialista Kouchner, anunciou, então, sanções pela França mesmo que sozinha.
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A custo, El Baradei conseguiu um prazo até novembro para que o Irã demonstrasse de forma irretorquível sua boa vontade, cumprindo tudo o que se havia proposto.
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As razões são muitas. Saindo do Iraque, os americanos perderiam fatalmente o controle do país, que se aliaria aos seus irmãos xiitas, que são governo no Irã. As imensas jazidas de petróleo, que os americanos pretendem conseguir mediante contratos que estão tentando impor, poderiam sair de suas mãos. O suprimento de petróleo do Oriente Médio, vital para os Estados Unidos, não estaria garantido pela provável hegemonia do Irã na região.
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Ora, a expansão destes dois países depende fundamentalmente de energia suficiente, da qual, aliás, são carentes. O Irã, quarto país mundial em jazidas de petróleo e segundo em gás, pode atendê-los. Além disso, controla o estreito de Ormuz por onde passa o tráfego de petrolíferos da Arábia Saudita e outros países árabes. Dominando o Irã, diretamente ou através de um governo títere, os Estados Unidos terão todas as condições para conter as ambições da China e da Índia.
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Em novembro, é bem possível que o problema desapareça sozinho, com os iranianos atendendo às solicitações da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU. O que poderiam então alegar os decepcionados Bush e falcões americanos e europeus? Fácil. Aferrarem-se à proibição de enriquecer urânio é uma possibilidade. Outras seriam as ameaças contra Israel, o apoio ao terrorismo e aos xiitas iraquianos que “matam our boys”, para citar as mais óbvias.
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Se os iranianos admitirem total transparência não há porque proibi-los de enriquecer o urânio necessário a seu programa de uso pacífico da energia nuclear. Já foi claramente provado que Ahmadinejad jamais falou em “varrer Israel do mapa”, pois tal frase foi erradamente traduzida. O Hezbolah, apoiado por Teerã, não pratica o terrorismo, é um movimento reconhecido legalmente no Líbano. Usou armas do Irã para defender seu país do invasor israelense, esse sim municiado pelos Estados Unidos, num ato pelo menos eticamente condenável. Não está provado que o governo iraniano forneça armamentos às milícias xiitas, mas isso não seria nada reprovável, uma vez que elas estão em guerra com os sunitas, inclusive com a Al Qaeda que, por sinal, tem promovido grande numero de atentados suicidas contra bairros habitados por xiitas.
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Afinal, como disse o lobo ao cordeiro: “se não é você que está turvando a água que eu bebo, deve ter sido seu pai”.

Luiz Eça é jornalista.
Leia na íntegra em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/994/51/

Quem não quer democracia?

Deu no Correio do Brasil:
Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro

Sábado, 15 de setembro de 2007. Uma data para ficar registrada. O embrião de um grande salto. Uma manifestação que ocupou a frente principal do jornal Folha de S.Paulo, no centro da capital paulista, marcou a criação do Movimento dos Sem Mídia (MSM). Faixas usadas na manifestação continham dizeres como: "Quero que a mídia fale, mas não me cale"; e "Imprensa plural, país igual". Algo impensável para o consenso estabelecido no campo jornalístico alguns anos antes. Um breve interregno em que editores se confraternizavam pelo "bom jornalismo" que julgavam praticar. E não lhes faltavam aplausos de conhecidos "observadores da imprensa". Como vimos, esse clima não demoraria muito, mas enquanto perdurou foi intenso.

Que toda unanimidade é burra já sabíamos desde Nélson Rodrigues. Que sua arquitetura requer a rápida desconstrução do passado e mergulho açodado em um jogo tolo de aparências continuamos a aprender no curso de uma campanha eleitoral que, para a grande imprensa, nunca terminará até que os tucanos voltem ao poder.
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Bastaram a eleição de Lula, em 2002, e as derrotas subseqüentes das velhas oligarquias na Venezuela, Bolívia, Equador para a reluzente "carruagem democrática” regredir ao seu estágio de abóbora das forças mais reacionárias do continente. E o que era deslocamento sutil dentro dos marcos do bloco histórico se fez ataque sem tréguas contra o governo eleito, sem qualquer refinamento de edição. O noticiário editorializado, os conhecidos direcionamentos de títulos, e as coberturas viciadas mostraram à cidadania a urgência de resgatar a política do espetáculo editado. E era isso que pulsava na calçada da Alameda Barão de Limeira.
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De sustentáculo da ditadura, a TV Globo se transformou, como que por encanto, em fiadora da lisura do processo democrático. Bombas que sumiram de uma edição para a outra (Riocentro, 1981), censura ao movimento por eleições diretas para a Presidência da República (1985), edição de debates eleitorais para favorecer o candidato da direita (1989), expurgo de notícias que pudessem comprometer a candidatura à reeleição de FHC (1998) eram fatos que deveriam ser relevados. O momento, para jornalistas experientes, só comportava elogios. Todos exultavam a própria fantasia transformada em axioma: a mídia era, até 2006, a vencedora de qualquer pleito. E a democracia definida como festa cíclica, com dia e hora para acabar. Uma ironia histórica que insistia em eternizar o baile da ilha fiscal. As eternas bodas entre a classe dominante e sua imprensa confiável.
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A grande imprensa é, como afirmamos, em nossos últimos artigos para Carta Maior um campo dominado por forças que só compreendem o jogo político quando restrito a pactos oligárquicos ou transições por alto. Algo a ser combatido quando ameaça se ampliar. Para o êxito do empreendimento é necessário, paradoxalmente, despolitizar o texto, em procedimento registrado por Bourdieu:
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Trata-se de, à custa do sacrifício de uma análise diacrônica, registrar o fazer político em termos pontuais e sem qualquer conexão com a historicidade do local em que ocorre ou com aspectos caros à vida do leitor/telespectador. Teríamos o primeiro passo para o que, à falta de melhor termo, chamaremos aqui de o "eterno sincrônico". Um presente que se autodefine, positivado e decantado de qualquer promessa utópica. Uma farsa vendida como bem informar em nome do "interesse público".
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Nada mais sem fundamentação teórica que as palavras acima. Um olhar ligeiro sobre a conjuntura política mostra a impostura de afirmações que não encontram o mais leve respaldo empírico na história recente. Mas uma perguntinha inconveniente surge no cipoal da insensatez. Quem, através de cobertura negativa, tem desgastado a imagem do parlamento? Quem detém o monopólio da produção simbólica do desprestígio? Quem, em suma, quer libertar a besta fera? Respostas para as redações. E, em se tratando do eixo Rio-São Paulo, nunca esquecendo a RBS, no sul do país, qualquer uma será excelente destinatária.
Leia na íntegra em http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=128016

sábado, 13 de outubro de 2007

Teoria econômica e pedágios

Deu no Paidéia Gaúcha:

Fiquei uns dias fora do ar, quero voltar debatendo um tema que tem ocupado jornais e TVs regionais e nacionais. Não, não é o affair Renan, mas a questão das concessões de rodovias, os (im)populares pedágios.

Ouvimos, recorrentemente, durante as últimas décadas do século XX, que não havia alternativa à teoria que conferia ao mercado superioridade, em relação ao Estado principalmente, na gestão dos recursos econômicos. Alcunhou-se esta teoria, no ambiente político, de neoliberalismo e no ambiente econômico acadêmico de teoria econômica neoclássica. Seu pressuposto fundamental é o de que economias competitivas são levadas pelos mecanismos de livre mercado e livre competição, automaticamente, a melhor alocação possível de seus recursos. Em economia esta melhor alocação tem até um nome: "ótimo de Pareto". É o ponto em que não é possível mais melhorar a situação de um agente econômico sem piorar a situação de outro. Ou seja, os recursos estão alocados da melhor maneira possível, não é mais possível melhorar a situação de todos os agentes... Se o objetivo é beneficiar a economia como um todo, atingir o "ótimo de Pareto", o melhor seria, segundo esta teoria, apostar quase (para ser generoso) que exclusivamente no mercado.

Esta teoria fez-se diagnóstico e prescreveu remédios. O diagnóstico foi o de que as economias em que os recursos não estavam alocados da melhor maneira possível ("pareto-ineficientes"), menos competitivas, assim estavam em função da intervenção excessiva do Estado. Esta excessiva intervenção estaria aprisionando as forças da livre competição, do livre mercado. Mercado aprisionado, alocação ineficiente de recursos. A saúde seria recobrada quando o mercado votasse a comandar as relações econômicas. O remédio para isto veio sob a forma de recomendação de diversas políticas econômicas, entre elas:

a) Austeridade fiscal;
b) Juros altos;
c) Liberalização comercial;
d) Liberalização da conta de capital e dos mercados de capitais;
e) Privatização;
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Segundo os estudos de Stiglitz, os mercados são, via de regra, "pareto-ineficientes", ou seja, não levam a melhor alocação possível dos recursos econômicos, não levam a situações de organização mais eficiente da economia. Além disso, os mesmos estudos apresentaram situações em que a intervenção do Estado pode melhorar a economia toda. Vou recorrer a um bom texto da Wikipédia, apresentado abaixo em itálico, para resumir as conclusões de Stiglitz:

Todas as decisões econômicas precisam de informação. Stiglitz demonstrou que, em economias de mercado, a aquisição de informação está longe de ser perfeita (uns a obtém com mais facilidade que outros), bem como demonstrou que a maior parte dos ganhos obtidos através da obtenção de informação é composto por "rents", ou seja, ganhos de uns às custas de outros, o que não beneficia a economia como um todo. Isto é exatamente o contrário do "ótimo de Pareto".
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"Suponha que durante uma aula, como por milagre, 100 notas de 50 reais caíssem do forro, cada uma exatamente no pé esquerdo de cada aluno. Evidentemente os alunos poderiam esperar a aula terminar para apanhar o dinheiro a seus pés. Essa espera não alteraria em nada seus benefícios. Mas isso não seria um "equilíbrio de Nash": se todos os alunos fizessem isso, poderia ser beneficiado qualquer "espertinho" se agachasse imediatamente e apanhasse todas as notas que conseguisse do chão. Cada aluno individualmente, percebendo essa possibilidade, se abaixa para apanhar as notas ao mesmo tempo. O equilíbrio assim obtido não coloca nenhum dos alunos, nem a classe toda, em uma situação melhor do que se tivessem todos aguardado o fim da aula para apanhar o dinheiro - mas criou um "custo social imenso"; nesse exemplo, representado pela interrupção da aula. Existem potencialmente muitas outras ineficiências geradas pela aquisição da informação." Stiglitz, "Aula Magna"
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Entregar ao mercado a tarefa de alocar recursos, no mais das vezes, não levará sempre a melhor situação alocativa. Os estudos de Stiglitz revelaram que determinadas intervenções (governamentais) nos mercados poderiam beneficiar a economia como um todo e, por conseqüência, todos os indivíduos nela envolvidos.
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Será que não está na hora de parar de fazer eco ao receituário econômico da eficiência alocativa superior dos mercados? Parar de achar que privatizar é sempre, em qualquer momento, a melhor escolha? Para, após, ao menos ouvir as recomendações de economistas como Stiglitz que, mesmo crendo no mercado como instrumento de alocação de recursos em alguns casos, sabem que antes de entregar áreas econômicas inteiras ao seu domínio é preciso contar com instituições fortes, com um Estado organizado e capaz de corrigir as imperfeições do mercado. Nosso Estado é capaz de fazer isto, que é o mínimo? Creio que, infelizmente, não.
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Em nível federal é, no mínimo, ingenuidade - perigosa ingenuidade - achar que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) terá a capacidade de conter as demandas futuras por aumento nas tarifas de pedágio. Não consegue sequer fazer, com autonomia em relação as empresas privadas, bons orçamentos para os leilões de concessão de rodovias, quanto mais fiscalizar depois...

Qual alternativa? Se você fez esta pergunta, atingi meu objetivo. A partir daí podemos começar a pensar...

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Leia na íntegra em http://paideiagaucha.blogspot.com/2007/10/teoria-econmica-e-pedgios.html

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Novas reflexões sobre nossa agenda ambientalista (I)

Deu na Carta Maior:
Outro dia, a ministra Marina Silva referiu-se a um “ambientalismo romântico”, que deveria ser superado. Creio que esse deveria ser o primeiro item de uma nova agenda ambientalista: rediscutir sua estratégia, seus objetivos e seus métodos.
Bernardo Kucinski


Está lá no Estadão desta segunda-feira (8), com fotografia e tudo, a notícia que eu só esperava ver numa edição de primeiro de abril: “Melancia quadrada faz sucesso na Europa”. Além de fácil de transportar e guardar na geladeira, a tal melancia não tem sementes. A quadratura é conseguida à força. Assim que nasce, enfiam a coitada dentro de uma caixa. Já a eliminação das sementes não é explicada. A reportagem diz apenas que o método foi importado há dois anos da Coréia do Sul. Deve ser engenharia genética; uma melancia transgênica.
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Foi assim que quatro ONGs conseguiram suspender a licença dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNbio, para o plantio do milho transgênico Liberty Link, da Bayer. A liminar também proíbe a CTNbio de analisar qualquer outro pedido de liberação de milho transgênico, enquanto não criar normas de monitoramento para cada produto. Há seis variedades de milho, três de algodão e uma de arroz na fila dos pedidos. Essa do Liberty já espera há nove anos.
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As primeiras culturas de grãos aproveitáveis na alimentação humana, o trigo, a cevada e a ervilhas, foram domesticadas no Oriente Médio há onze mil anos a partir de variedades silvestres. Salzano pega pesado em alguns grupos opositores da transgenia e do uso de células-tronco. Acusa-os de não apenas ignorarem a ciência, também de hostilizá-la.
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Além de demonizar o transgênicos, também conseguimos demonizar as hidroelétricas, que no meu tempo de imprensa alternativa e crise do petróleo eram consideradas a forma mais limpa e ecologicamente interessante de gerar energia. E as estradas que deviam ligar o Brasil ao Pacífico e integrar fisicamente a América do Sul? Um ambientalista, depois de admitir a contragosto na semana passada, no Estadão, que os projetos eram ecologicamente corretos, advertiu em tom dramático que, se forem construídas, em 40 anos a floresta vai desaparecer. Qual é então a solução se nem os projetos ecologicamente corretos podem ser realizados? Não construir as estradas, vitais para o acesso das populações pobres aos recursos da modernidade e até mesmo para o policiamento eficaz do meio ambiente? Não integrar a América do Sul?
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Bandeiras que combatem projetos localizados são eficazes, fáceis de serem propagadas e necessárias, cada uma delas isoladamente, em alguma medida. Também são necessárias para que haja no Brasil um movimento forte contra-hegemônico, capaz de refrear a ganância de alguns grandes grupos econômico e pressionar nossos legisladores e nossos executivos.
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Outro dia, a ministra Marina Silva referiu-se a um “ambientalismo romântico”, que deveria ser superado. Creio que esse deveria ser o primeiro item de uma nova agenda ambientalista: rediscutir sua estratégia, seus objetivos e seus métodos.

* Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).
Leia na íntegra: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3740

Choque de gestão, o charlatanismo grandiloqüente

Deu na Carta Maior:
Os cidadãos dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul podem nos dizer, com mais propriedade, o que vem a ser esse tal "choque de gestão". Os tucanos são os mercadores monopolistas dessa grife mentirosa e vazia.
Lula Miranda

A fala do presidente Lula, quando expressou, há alguns dias, em alto e bom som, que choque de gestão, na sua visão, era criar empregos e oportunidades (ou algo nessa linha) foi manipulada e descontextualizada, de maneira capciosa, pela grande imprensa, de sorte que, ao final, ficou parecendo que o presidente havia dito uma enorme sandice, uma temeridade que sugeria “irresponsabilidade” e “incompetência” – o que não é, em absoluto, verdade. Não utilizarei esse espaço para defender as palavras mal ditas pelo presidente, mas para questionar esse remédio amargo vendido como verdadeira panacéia por muito charlatão engravatado que circula por aí vestindo a fantasia de homem público competente e probo – travestindo assim a realidade, a verdade dos fatos.

Em seguida, logo após a repercussão das palavras de Lula no noticiário, esses veículos, estrategicamente, abriram espaço para tucanos emplumados abrirem o bico e exibirem as cores enganadoras de sua plumagem. Li, dentre outros, um artigo do governador Aécio Neves, um outro do economista Yoshiaki Nakano (guru desse, vamos dizer, “chocante” modo de governar tipicamente tucano) e mais um punhado de alguns outros colunistas e articulistas. Esses últimos, jornalistas muito bem remunerados pelo exercício da sabujice aos “donos do poder”, confortavelmente abrigados na grande imprensa – onde mais?
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A ministra Dilma Roussef foi uma das poucas vozes, no governo e no PT, sensatas e ponderadas o suficiente, para dizer, com rara propriedade, clareza e assertividade (característica essas tão raras nas nossas autoridades), que “choque de gestão” é mero recurso de propaganda. Ponto final. Touché, ministra!
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“Choque de gestão” é apenas uma expressão de efeito, grandiloqüente, cara aos charlatões com suas drogas milagrosas. Mera malandragem retórica, completamente destituída de sentido ou conteúdo. É uma ferramenta para o marketing político – apenas isso. Na cidade de São Paulo, o marketing político, do à época prefeito Paulo Maluf, teve a “sacada genial” de construir, às margens das principais avenidas (portanto, com máxima visibilidade), prédios populares batizados, com efeito, de “Cingapura”. Esses prédios eram construídos em terrenos onde antes existiam favelas – existiam e continuariam a existir, esclareça-se. A estratégia era a seguinte: construía-se ali dois ou três prédios, resolvia-se assim o problema de uns poucos sem-teto do local. O restante daquela população permaneceria na mesma favela, ali mesmo nas cercanias, agora oculta/escondida pelo portentoso prédio. A verdade estava por detrás da bonita e providencial edificação. Perceberam a jogada? Mas qual seria então a verdade/realidade que procura ocultar esse famigerado biombo do “choque de gestão”. Reflitamos sobre isso.
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Devemos, por exemplo, de saída fazer a seguinte pergunta: qual a produtividade que desejamos? Seja na esfera do funcionalismo público ou do privado. Aquela produtividade que visa, em primeiro lugar, o bem-estar do trabalhador ou aquela que visa tão-somente o acúmulo de capital – levando a mais-valia a um, antes impensável, paroxismo? Sim, pois existem, pelo menos, dois tipos de produtividade. A deletéria (ou produtividade ruim), que é aquela que é incentivada também, claro, com intuito de se obter redução de custos, mas que é obtida a qualquer custo, pagando-se o preço (altíssimo) da deterioração da saúde do trabalhador: o estresse e outras complicações e transtornos emocionais? Ou a produtividade boa, que é aquela obtida quando se propicia ao trabalhador boas condições de trabalho e salários mais justos? No “choque de gestão” tucano, ou nas empresas do chamado “hiper-capitalismo” predatório, com sua sanha voraz, um trabalhador chega a fazer o trabalho de três ou quatro como resultado de um “enxugamento” progressivo do quadro de pessoal.
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Os paulistas já sentem na carne os efeitos do “choque de gestão” tão propalado pela grande imprensa e posto em prática na gestão Geraldo Alckmin – como foi na de FHC e, agora, na de José Serra. Desnecessário dizer (ou relembrar) aqui das condições em que se encontram hoje a educação, a segurança e a saúde pública no estado de São Paulo. Isso sem falar no desmonte/destruição realizado no patrimônio público e na máquina de um modo geral. Não à toa Alckmin, bem como seus correligionários, em geral não sabem dar uma resposta ao rótulo de “privatistas” ou debater gestão pública com a necessária seriedade.

Com a palavra os cidadãos dos estados de Minas, São Paulo e Rio Grande Sul. Esses poderão nos dizer, com mais propriedade, o que vem a ser esse tal “choque de gestão”.

* Lula Miranda é economista, poeta e cronista. É secretário de Formação para a Cidadania do SEEL – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de SP. Integra o Coletivo de Formação da CUT São Paulo.
Leia na íntegra:
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=3742

Banco do Sul: Outra integração sul-americana Ou novo instrumento de dominação?

Deu na Adital:
http://www.adital.com.br

Marcos Arruda e Gabriel Strautman *

Em reunião realizada no último dia 8 de outubro no Rio de Janeiro, os ministros da economia e finanças de Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela avançaram nas negociações para a criação do Banco do Sul. Ficou acertada a assinatura da ata de fundação da nova instituição financeira multilateral, que terá sede em Caracas, para 3 de novembro de 2007. Mas ainda não há acordo sobre o volume do aporte de cada país, nem sobre o sistema de tomadas de decisão.
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Nos acordos já assinados estão incluídos três campos de negociação: (1) Banco do Sul como banco de desenvolvimento; (2) Funções de Banco Central Sul-Americano; e (3) Esquema Monetário. Mas na prática as negociações até agora focalizaram apenas o primeiro campo.
[ . . . ]
Em carta aberta aos presidentes dos países que negociam a criação do Banco do Sul, intitulada "Por um Banco Do Sul de acordo com os direitos, necessidades, potencialidades e com a vocação democrática dos povos" foram apresentadas algumas propostas dos movimentos sociais e das redes da sociedade civil organizada da região para a formulação do projeto do Banco do Sul:

a) Que o Banco defina como objetivo central a promoção do desenvolvimento próprio, soberano e solidário dos países membros e de toda a região. Desenvolvimento definido como o desdobramento dos atributos, recursos e potencialidades das pessoas, das comunidades e dos povos, que não pode ser atingido sem que eles próprios sejam seus protagonistas.
[ . . . ]
c) Que defina claramente que suas quotas de crédito serão para o fortalecimento do setor público e social, dando prioridade à redistribuição da riqueza e à proteção do meio ambiente, contribuindo para superar as assimetrias existentes e respeitando a vida e o bem-estar do povo, seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e pelo direito à sua própria auto-determinação e desenvolvimento. Por isso, rechaçamos explicitamente que o Banco do Sul seja utilizado para financiar mega-projetos como os da IIRSA, ou investimentos extrativos, contaminantes ou socialmente excludentes que não contam com o consentimento das e nem beneficiam as populações impactadas.
[ . . . ]
O avanço das negociações, no entanto, dá sinais de que o Banco do Sul pode se tornar um instrumento de reprodução das assimetrias de poder regionais e de dominação econômica. Em duas reuniões anteriores, em Quito e Assunção, os Ministros já haviam assinado um acordo que adotava o sistema de cada país um voto, que é certamente o mais democrático porque não vincula o poder de decisão ao tamanho da economia ou ao aporte do país ao banco. Mas no Rio o Ministro Mantega, do Brasil, e os argentinos desviaram do acordo anterior, propondo que o sistema de igualdade entre os sócios ficasse restrito ao Conselho de Direção do Banco, que só se reunirá uma vez por ano. As decisões relativas à gestão cotidiana do Banco do Sul estariam submetidas ao poder dos que tiverem maior volume de cotas no banco. Além disso, o Brasil insistiu em que só seriam beneficiários de créditos do Banco do Sul os países da América do Sul. Assim, a América Central e o Caribe ficarão excluídos.
[ . . . ]
O único caminho para o Banco do Sul colocar-se a serviço de um desenvolvimento soberano, solidário, sustentável e democrático da América do Sul é a constante ‘pressão articulada’ da sociedade dos nossos países; é fundamental pressionar os governos para que incluam representantes dos movimentos sociais no processo organizativo e também nos sistemas decisórios do Banco do Sul.

Rio de Janeiro, 11.10.2007

[ Texto escrito para publicação das Redes Jubileu Brasil e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais].


* Economistas do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul - PACS
Leia na íntegra: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=30021

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A luta em Tropa de Elite e a luta pela cultura livre

Deu no Webinsider:
Opinião: ao perceber que a internet e os CDs não atrapalharam o sucesso de Tropa de Elite (podem ter ajudado), vale discutir a questão difusa sobre o que é pirataria e o que é informação livre.
Por Gilberto Alves Jr.


Depois da entrevista do Mano Brown ao programa Roda Viva, resolvi ouvir toda a discografia dos Racionais. Coloquei tudo no iPod e fiquei mais de uma semana, só ouvindo o retrato deles da periferia paulistana.
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Mas Tropa de Elite retrata algo muito mais próximo da realidade da periferia dos grandes centros urbanos, como disse o Chico Buarque: a periferia da periferia da periferia.

Um soco na cara

Eu cheguei a ficar literalmente enjoado, não sei se por causa da violência, da câmera chacoalhando, ou do gnocchi com muito queijo que comi no Spoleto. Diferentemente de Cidade de Deus, o filme não é bonito. É feio. Não tem poesia. É um soco na cara da gente. Ao ver a ação do Bope, percebi que será muito mais difícil e levará muito mais tempo para mudar certas coisas no Brasil do que eu jamais imaginaria.

A internet ajudou o filme a ser um sucesso

Como disse Michel Lent aqui no Webinsider, “Levando em consideração que a bilheteria do cinema é parte impulsionada pelas campanhas de marketing, mas principalmente alavancada pelo boca-a-boca, Tropa de Elite já contaria neste momento com milhões de “agentes” de marketing. Quem viu a versão pirata diz que o filme é muito bom; boa parte, inclusive, quer ver novamente no cinema. Se metade dos três milhões de espectadores resolver ir ao cinema de novo e convencer pelo menos mais duas pessoas, o filme já faria perto dos cinco milhões de espectadores”.

“Pirataria” e a luta pela cultura livre

A questão sobre a legalidade de se baixar filmes e música na internet ainda não é absolutamente clara. Não há consenso absoluto se, no Brasil, é ilegal fazer isso. Mas há quem lute para que não seja, para que a informação não possa mais ser controlada como propriedade privada em nenhum lugar e para que a internet não seja controlada por nenhum governo.
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Se não estará provado, pelo menos haverá mais um caso no qual a distribuição livre da informação mais ajudou a gerar receita do que atrapalhou.
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Já, se comparado a “Carandiru” – o nacional que teve a melhor a abertura desde a retomada –, o Tropa de Elite ficou 38% abaixo. Em relação a “Cidade de Deus” foi 90% melhor. E ainda, comparado a “Dois Filhos de Francisco” - o filme brasileiro que alcançou o maior número de espectadores nos últimos anos – teve um desempenho 46% acima.

(fonte: Banco de dados do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do município do Rio de Janeiro. Via Chico Neto no Radinho)

Haverá uma mudança de atitude?

Aos poucos o próprio mercado está percebendo que na internet não adianta, e não vale a pena, tentar controlar a informação e mantê-la como propriedade privada. Jornais como o NY Times recentemente liberaram seu conteúdo, que antes era pago. Lojas de música como a nova da Amazon estão vendendo arquivos para download sem DRM.

Será que vai demorar até a indústria cinematográfica entender como funciona a internet?

Gilberto Alves Junior (gilbertojr@gmail.com) é um dos criadores da Desta.ca e mantém um blog sobre Web 2.0.
Leia na íntegra em http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/10/10/a-luta-em-tropa-de-elite-e-a-luta-pela-cultura-livre/

O poder global

Deu na Adital:
José Luís Fiori *

"A esperança e a previsão, embora inseparáveis, não são a mesma coisa, e toda previsão sobre o mundo real tem que repousar em algum tipo de inferência sobre o futuro, a partir daquilo que aconteceu no passado, ou seja, a partir da história".
(Eric Hobsbawm, Sobre a História, Companhia das Letras, p:67)

Na década de 70, do século XX, discutiu-se muito sobre a "crise da hegemonia americana". Foi no tempo da derrota dos EUA, no Vietnã, da crise do "padrão dólar", da subida do preço do petróleo e do fim do crescimento econômico acelerado do pós-guerra. E foi também, no tempo da Revolução Sandinista, da Nicarágua, da revolução islâmica, do Irã, e da invasão soviética, do Afeganistão, consideradas, na época, grandes derrotas da política externa norte-americana. Hoje, quase quarenta anos depois, volta-se a falar com insistência, do declínio do poder mundial dos Estados Unidos. O historiador inglês, Eric Hobsbawm, afirmou numa entrevista recente, que o "projeto americano está falindo", e que a "superioridade dos Estados Unidos é um fenômeno temporário" (1). Quase na mesma linha do economista italiano, Giovanni Arrighi, que defende a tese que a "hegemonia americana" está vivendo uma "crise terminal", depois do "fracasso do projeto neoconservador no Iraque", e depois que "os Estados Unidos deixaram de ser um estado hegemônico que criava ordem, para se tornarem uma força do caos e da desordem" (2). No caso do sociólogo norte-americano, Immanuel Wallerstein, a previsão é ainda mais radical: o que está em crise e deve acabar até a metade do Século XXI, não é apenas a hegemonia americana, é o próprio "sistema mundial moderno" que se formou a partir da Europa, depois do século XVI (3). Mas nenhum destes autores consegue definir com precisão o que seja uma "crise terminal", do poder e da superioridade americana, ou do próprio "sistema mundial moderno", de que fala Wallerstein. Por que se trataria de uma "crise terminal", e não apenas de uma crise cíclica ou passageira? E, além disto, mesmo que fosse "terminal", qual seria a sua duração e o seu desfecho? e o que é mais importante, o que passaria no mundo, durante este período de transição e de espera do "juizo final"?
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A crítica desta teoria da "hegemonia mundial", e destas previsões baseadas na hipótese dos "ciclos hegemônicos", está na origem do conceito e da pesquisa sobre o "poder global" (4): um modo de olhar e analisar o sistema político mundial e suas relações com a internacionalização capitalista, que privilegia o conflito e as contradições do sistema mais do que suas relações funcionais. Da perspectiva do "poder global", o sistema mundial é uma "máquina de acumulação de poder e riqueza", e seu motor é a competição e a guerra, entre seus estados e economias nacionais Dentro deste "sistema mundial", não existem países satisfeitos, todos estão sempre se propondo aumentar seu poder e sua riqueza, e neste sentido, todos são expansivos, em particular, as "grandes potências" que já ocupam o topo da hierarquia do poder e da riqueza mundiais. Por isto, este sistema pode ser comparado com um "universo" em expansão contínua, onde todas as potências que lutam pelo poder global estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E como conseqüência, se pode afirmar com toda certeza que dentro deste universo, ou seja, dentro do "sistema mundial moderno", nunca houve nem haverá "paz perpétua", nem hegemonia estável. Pelo contrário, do nosso ponto de vista, o que ordena e "estabiliza" as relações hierárquicas internas do sistema mundial, paradoxalmente, é a existência de "eixos conflitivos crônicos", junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra, entre as grandes potências. Por isto, do ponto de vista do "poder global", desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anuncio do "fim", são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. E deste mesmo ponto de vista, falar de uma "crise terminal", com data marcada, de um poder hegemônico, ou do próprio "sistema mundial moderno" é um absurdo teórico e histórico. Até porque, no tempo de espera da "hora final", o mais provável é que o sistema siga enfrentando e superando crises econômicas, como em toda a história da internacionalização capitalista, e situações de guerra, como em toda a história geopolítica das nações, inaugurada pela Paz de Westfália, em 1648. E, portanto, com relação a este tempo de espera, todas estas previsões "terminais", são absolutamente inúteis.

Notas:

(1) Entrevista a Folha de São Paulo, dia 30 de setembro de 2007
(2) Entrevista para a Folha de São Paulo, do dia 2 de setembro de 2007.
(3) Entrevista para o jornal O Globo, do dia 18 de agosto de 2007
(4) Fiori, J.L. (2007), O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações, Editora Boitempo, São Paulo

* Cientista político

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O retorno de um modelo perverso e fracassado

Deu na Agência Carta Maior:
O Estado do RS enfrenta uma grave crise financeira, resultado de medidas implementadas entre 1995 e 1997, no governo Antônio Britto. Agora, o governo do PSDB, que também participou daquele governo, propõe a repetição de um modelo que enfraquece o Estado e penaliza a população com requintes de crueldade.
Miguel Rossetto

Os graves problemas financeiros que o Estado do Rio Grande do Sul vive hoje não são resultado de uma crise de 30, 40 anos, como alguns afirmam, mas sim conseqüência de decisões recentes. Eles têm data de nascimento, nome e sobrenome, que identificam responsáveis por opções que foram feitas e que produziram resultados danosos para o povo gaúcho e para o Estado. A dificuldade de financiamento público que vemos hoje no RS foi produzida por escolhas feitas no governo Antonio Britto, pelo PMDB e pelo PSDB, partido da atual governadora. Esses partidos, durante aquele governo, sustentaram três grandes medidas nos anos de 1995, 1996 e 1997, que são fortemente responsáveis pela crise atual.
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E, em terceiro lugar, a chamada renegociação da dívida do Estado. O RS, que vinha pagando historicamente uma média de 5% de suas receitas, passou a pagar de 13% a 15% por um prazo de 30 anos. A partir dessa medida, o Estado é diminuído para 87% da sua capacidade de financiamento. Essas três medidas, aprovadas pelos governos do PMDB e do PSDB, prejudicaram estruturalmente a capacidade de financiamento do Estado. Adicione-se a elas a venda de patrimônio público, através das privatizações que renderam cerca de R$ 5,5 bilhões mas não ajudaram a diminuir a dívida do Estado, conforme havia sido prometido. Aliás, onde foi parar este dinheiro?

Um modelo derrotado: tarifaço e privatizações

Quando associamos esses fatores à matriz econômica do RS – agroindustrial, manufatureira e de forte peso exportador -, temos um enorme distanciamento entre a dinâmica econômica real e a capacidade de financiamento público. Sem que enfrentemos esses temas conjuntamente não conseguiremos oferecer um padrão de financiamento público adequado às exigências do povo gaúcho. Por isso, é inaceitável a proposta do atual governo estadual de retomar uma pauta já derrotada no RS: a dos tarifaços e das privatizações. Essa pauta já foi experimentada pelos governos Britto e Rigotto e mostrou que não oferece resultados positivos para a população, provocando um alto custo social. É curioso, não fosse trágico, que estes partidos que estão hoje no governo, são os mesmos que governam o RS há cinco anos.
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Governos são eleitos para governar e devem governar para melhorar a qualidade de vida das pessoas, não para piorar. O atual governo apresenta requintes de crueldade inaceitáveis, como a recusa em oferecer medicamentos gratuitos para uma parcela da população que morrerá sem eles.

Um falácia: dizer que não há alternativa

Temos uma alternativa para superar a crise. Para enfrentar essa agenda, é preciso chamar a sociedade gaúcha para um debate público com o objetivo de evitar medidas que aprofundam ainda mais a crise do Estado e penalizam a imensa maioria do povo gaúcho. A atual governadora não toma nenhuma iniciativa no sentido de corrigir a Lei Kandir, nenhuma iniciativa em relação à reforma tributária e nenhuma iniciativa de peso em relação à renegociação da dívida. A agenda que interessa ao povo gaúcho é outra. É realizar uma reforma tributária que acabe com essa política de renúncia fiscal e crie uma base de desenvolvimento comum para os Estados. É revisar os efeitos danosos da Lei Kandir para o Estado e enfrentar a questão da renegociação da dívida. É investir na potencialidade da economia gaúcha. Esta é a agenda que interessa. Quando governamos procuramos enfrentar estes temas e, infelizmente, sofremos uma pesada oposição por parte dos partidos que estão governando o Estado há cinco anos. Se a nossa proposta tivesse sido aprovada a situação hoje seria outra.

E esses partidos, agora, resolvem repetir a dose e adotar uma receita fracassada que enfraquece ainda mais o Estado. O Rio Grande do Sul só vai superar a crise tomando iniciativas para enfrentar esses temas, preservando como absoluta prioridade os investimentos em educação e saúde, investindo em um plano de longo prazo para recuperar a capacidade de financiamento do Estado e estimulando nossa economia. Não será destruindo o Estado e o sistema de serviços públicos que chegaremos lá.

Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=3738

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

As polêmicas eleições libanesas

Deu no Vermelho:
por
Lejeune Mato Grosso*

Marcada para ocorrer em 25 de setembro passado, pela constituição do país porque o mandato do atual presidente Emile Lahoud vence em 23 de novembro próximo, sem quorum, acabou sendo adiada. Foi transferida para o dia 23 de outubro. Como isso pode alterar o tabuleiro já altamente complexo e explosivo do Oriente Médio, não poderia deixar de comentar esse assunto.

Alguns esclarecimentos históricos

Ainda que alguns libaneses de linha dita mais nacionalista não se considerem “árabes”, o Líbano foi arabisado de fato há mais de 1.300 anos, quando da expansão do império árabe-muçulmano no século VII. Conquistou uma certa independência como República em 1926, ainda que sob influência e colonização francesa, quando à época existia a Liga das Nações (sucessora da Sociedade das Nações e antecessora da ONU). Por isso inclusive muitos libaneses falam como segunda língua o francês. Uma nova dominação francesa ocorreu por ocasião da 2ª Guerra Mundial.
[ . . . ]
A discussão que se faz no momento, cujo prazo constitucional vence no próximo dia 23 de novembro, é a eleição do novo presidente do país, cujo poder, entre outros, é indicar o primeiro Ministro, dissolver o parlamento, convocar novas eleições entre outros. A configuração atual na política libanesa faz com que o primeiro Ministro, Siniora, seja pró-Ocidental e pró-EUA e de certa forma aliado de Israel e os outros dois em campos opostos, recebem a solidariedade tanto da maior parte do povo, como de países vizinhos que enfrentam os Estados Unidos e Israel, como os governos da Síria e do Irã.
[ . . . ]
Para efeitos de registro, quero dizer que as coisas estão tensas no Líbano. Ainda que eu não aposte um centavo em uma nova guerra civil, muita gente tem morrido. A lista de minha pesquisa mostra que em um ano e meio morreram um ex-primeiro Ministro, Hafic Hariri; quatro deputados (Bassel Fleihan; Gebran Tueni; Walid Eido e Pierre Gemayel, que era deputado, mas estava ministro quando morreu e era sobrinho de Amin Gemayel, de família extremamente rica no Líbano); um jornalista (Samir Kassir) e um político sem mandato (George Hawi).

Que é quem no parlamento libanês hoje

Como disse, o atual primeiro Ministro só pode ser nomeado porque seu grupo, sua coalizão, chamada de “14 de Março” (dia da morte de um líder libanês) obteve a maioria dos deputados nas eleições. A divisão de forças no parlamento ficou assim constituída:

* Governistas – possuem 68 cadeiras assim distribuídas:

a) Movimento Futuro – cujo líder é o filho do ex-primeiro Ministro assassinado, Hafic Hariri, que é deputado, Saad Hariri e é o líder da maioria no parlamento. Apóia firmemente Fouad Siniora e quer eleger o próximo presidente. Possuem 36 cadeiras (28,12%);

b) Bloco Trípoli – possuem apenas cinco cadeiras (3,9%) e são oriundos dessa região libanesa;

c) Social Progressista – são lideradas pelos drusos (uma linha diferente de muçulmano, nem xiita nem sunita). Seu chefe político é Walid Jumblat, filho do falecido Kamal Jumblat. De progressistas tem só o nome, pois fazem o jogo da direita hoje, ainda que no passado tenham combatido a falange cristã essa sim de extrema direita de Amin Gemayel. Possuem 16 cadeiras (12,5%);

d) Força Libanesa – liderada por Samir Geagea, ex-senhor da guerra e tem seis deputados (4,68%);

e) Kataeb – possuem também cinco cadeiras (3,9%).

Ao todo, portanto, esses governistas com suas 68 cadeiras, detém 53,12% do parlamento, maioria, é bem verdade, mas não o suficiente para eleger o presidente, com dois terços.

* Oposição – possuem 57 cadeiras no total (44,53%), pois existem outros três deputados que na maior parte das vezes acaba votando com a oposição (registre-se aqui ainda que desde o início do ano passado, quando da eleição do parlamento, três deputados foram assassinados). São os seguintes os grupos políticos da oposição:

a) Amal – grupo político liderado pelo atual presidente do parlamento, Nabih Berry e que possui 14 cadeiras (10,93%). São muçulmanos xiitas. Eles vêm pregando um candidato de consenso entre os grupos, para que a oposição possa ter direito de veto no parlamento;

b) Hezbolláh – seu líder máximo é o jovem clérigo muçulmano também xiita Hassan Nasrallah, que liderou a resistência libanesa, com outras forças, nos ataques por 32 dias seguidos que Israel perpetrou em julho e agosto de 2006 no Sul do país (norte de Israel). Está fortalecido hoje e é extremamente popular no país. Tem 14 cadeiras (10,93%). Possuía cinco ministros no governo e entregou os cargos e faz ferrenha oposição à Siniora, ao qual consideram pró-EUA;

c) Partido Nacional Sírio – é uma espécie de sessão libanesa do Partido Socialista Árabe, que estava no poder com Saddam Hussein no Iraque, onde foram desmantelados, mas ainda mantém-se forte na Síria, com o presidente Bachar El-Assad. Possui apenas sete cadeiras (5,46%);

d) Movimento de Mudança e Reforma – seu líder máximo é o ex-primeiro Ministro e cristão, o general Michel Aoun, que vivia, até o ano passado, no exílio. Era considerado anti-Síria, mas fez alianças com setores amigos da Síria e os xiitas e parte dos sunitas e constituiu um bloco político forte e é candidato a presidente do país.

Perspectivas e desdobramentos

Como por força constitucional para ser presidente do país, ainda que não pelo voto popular, pois a eleição ocorre pelo parlamento, é imperativo que o político candidato seja cristão, por mais populares que possam ser o atual primeiro Ministro Siniora e o líder oposicionista Nasrallah, não podem ser candidatar por serem muçulmanos. Podemos achar absurdo – e de fato é mesmo do ponto de vista democrático e da separação do estado das religiões conforme nossa cultura ocidental – mas devemos respeitar a soberania libanesa e procurar analisar dentro dessa perspectiva.
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Há vários candidatos possíveis nesse cenário, que a grande imprensa, cuja maioria esmagadora dos correspondentes que cobrem o Oriente Médio, sequer falam árabe, mas apenas inglês e francês, vem ventilando. São eles, além de Michel Aoun, Nassib Lahoud (apesar de parente do atual presidente, ainda que distante, é contra ele e foi primeiro Ministro); Michel Suleiman, atual comandante das Forças Armadas (que pouco ou quase nada fez contra os ataques israelenses que mataram mil e duzentos libaneses, feriram outros quatro mil e deslocaram quatro milhões de pessoas no sul do país) e Riad Salameh, diretor do Banco Central libanês. Todos esses três últimos são pró-ocidente e apoiados pela coalizão governista. Nesse cenário, toda a oposição vai tentar descarregar votos no cristão Aoun.
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A ONU, na sua sessão da Assembléia Geral, aberta sempre por um brasileiro, desde 1948, acabou, através do presidente temporário de seu conselho de segurança, que é ministro das relações exteriores da França, pedindo uma solução rápida, limpa e que as eleições sejam livres, sem a “interferência de nenhum país”, numa clara e direta alusão à Síria, país vizinho, irmão e aliado tradicional e antigo do Líbano e que vem adotando posições de firmeza no enfrentamento aos americanos e em apoio aos palestinos.
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Caso até o dia 23 de novembro não se chegue a um acordo, a constituição também fala que o primeiro Ministro assume os poderes de chefe de Estado, do executivo, acumulando um poder que a oposição não quer que tenha. Por isso, é possível um acordo. Ninguém quer uma situação que ocorreu em 1988, em plena guerra civil, quando o Líbano chegou a ter dois primeiros Ministros, o general Aoun, cristão, e o sunita Selim Hoss. Como analista internacional, não podemos prever o que vai ocorrer, mas o cenário mais provável é que ocorra um acordo, sob pena de vermos o cenário cada vez mais radicalizado. Voltaremos ainda a esse tema outras vezes para informar nossos leitores.

* Lejeune Mato Grosso, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Vice-presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association
Leia na íntegra em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=26160

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A independência de Kossovo e o futuro do conceito de soberania nacional

Deu na Agência Carta Maior:
Na
conferência de cúpula do G8, realizada na Alemanha, o presidente George W. Bush insistiu na aprovação imediata do Plano Ahtissari para o Kossovo, que introduz uma nova noção nas relações internacionais: a "independência vigiada".
Francisco Carlos Teixeira

Na conferência cimeira do G8, realizada em Heilingendamm, na Alemanha, entre 21 e 22 de junho de 2007, o Presidente Bush insistiu na aprovação imediata do Plano Ahtissari – de Martii Ahtisaari, ex-presidente da Finlândia, indicado pela ONU como seu representante em Kossovo e, depois, governador provisório da província – sobre a “independência” da província sérvia (1).

Os EUA e a situação em Kossovo

A passagem, triunfal por sinal, do Presidente Bush por Tirana – capital albanesa – reforçou o sentimento pro-albanês (kossovar) da administração americana, levando o presidente a declarar sua pressa na resolução da questão de Kossovo (2). Trata-se de um novo conceito de “independência” – assim mesmo, entre aspas – em virtude da proposta do enviado especial da ONU prever uma forma nova, não registrada na ciência política ou no direito internacional, de soberania, para o novo Estado-Nação emergente da ( última? ) secessão da antiga República Federal da Iugoslávia.
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Kossovo como Questão de Política Internacional

Durante os debates em Heiligendamm duas posições ficaram nítidas: de um lado os Estados Unidos, a Alemanha, Croácia e Polônia exigindo uma aceitação imediata do Plano Ahtissari pelo Conselho de Segurança da ONU; por outro lado, a Federação Russa – presente através de seu presidente Vladimir Putin – que considera o plano – tal como está - “inaceitável”. Moscou exige a continuidade das negociações entre a Sérvia e o governo provisório albanês de Prístina ( capital kossovar ), ainda o tempo necessário para um arranjo das posições de ambas as partes.
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O Plano Ahtissari

Ora, a solução embutida no Plano Ahtissaari contradiz frontalmente a Resolução 1244 – integridade e soberania sérvia sobre o território, sendo inaceitável para Belgrado. Por outro lado, o governo albanês ( em Tirana, não em Prístina ) também considera a “semi-independência” inaceitável. Para Tirana a semi-independência impediria, num futuro já antevisto, que a população kossovar optasse por sua anexação pela Albânia, realizando o sonho da “Grande Albânia” (6). A Resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, e depois adotada pela OSCE, estabelecia os seguintes pontos:

i. Seria constituída uma força internacional da ONU que deveria proceder à desmilitarização da região, com a retirada das forças sérvias;
ii. Retorno de todos os refugiados sob supervisão do Alto-Comissariado da ONU para Refugiados;
iii. Estabelecimento de bases de uma autonomia substancial para a província ( não há qualquer referência a independência ), e
iv. A desmilitarização do UÇK, Exército de Libertação de Kossovo.
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A solução do desmembramento – proposta pelo International Herald Tribune em maio de 2007 – não é aceita por nenhuma das partes. Por esta proposta, os territórios albaneses do Kossovo seriam integrados a Albânia, enquanto os territórios habitados por sérvios – cerca de 120/180 mil pessoas – seriam incorporados pela Servia. A solução – aparentemente óbvia, por evitar a criação de mais um Estado fraco e problemático – implicaria em quebrar a regra do respeito às fronteiras européias existentes, conforme o decidido nas conferências de Yalta e Potsdam, de 1945. O começo de revisão de fronteiras poderia ter conseqüências incalculáveis no continente e não existiriam garantias de sua limitação ao caso kossovar.

Qual a solução?

Por esta razão, nem a U.E., nem a ONU, e nem a Albânia, aceitam o desmembramento do território, com as regiões povoadas por sérvios sendo anexada por Belgrado e as demais partes do Kossovo tornando-se um Estado soberano ou anexado por Tirana (7) . Numa postura mediadora, a França ( seguida da Espanha, Holanda, Bélgica e Grécia ) propõe um prazo mais largo de negociações entre as partes do conflito. Trata-se de uma postura relevante, uma vez que a França é um país-chave da U.E. e parte das forças do Kfor estabelecidas na região. Além disso, o representante francês era o próprio presidente Nicolas Sarkozy, que se propôs, durante a campanha eleitoral deste ano, a servir de ponte entre os Estados Unidos e a U.E., cerrando a “fratura atlântica” da Era Chirac.
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A posição russa, por sua vez, é simples e direta: 1. continuidade da vigência da Resolução 1244, de 1999, do C.S. da ONU, que estabeleceu a retirada das forças policiais e militares sérvias do território; 2. o reconhecimento da soberania sérvia sobre o território e 3. o respeito princípio áureo das independências pós-soviéticas acerca das fronteiras (ou seja, nenhum desmembramento ou nenhuma revisão das fronteiras estabelecidas em Yalta e Potsdam) (8).

Moscou e o Kossovo

Assim, Moscou – apoiando fortemente o governo sérvio – exige o cumprimento integral da Resolução 1244, onde está garantida a soberania de Belgrado sobre o Kossovo. Além disso – ressalta Moscou -, Kossovo nunca foi uma “república federada” da antiga federação iugoslava, nos mesmos termos da Croácia ou da Eslovênia, por exemplo, tratando-se, em verdade, de uma “província” (9) . Moscou destaca que na antiga configuração constitucional iugoslava, Kossovo era uma província nacional dotada de autonomia, com maioria albanesa ( dita “kossovar”. ). Assim, ao ver seus argumentos não reconhecidos no Plano Ahtissari, Moscou comunicou, em 20 de junho de 2007, aos demais membros do C.S., da ONU, que exerceria seu direito de veto caso o plano fosse formalmente apresentado para apreciação do C.S. Os países patrocinadores – Estados Unidos, Reino Unido e França – resolveram proceder a consultas mútuas e esperar a possibilidade de estabelecer um prazo na Cimeira do G8, na Alemanha (10).
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Duas expressões mereceriam destaque na fala do diplomata russo: solução negociada e recusa de solução diferenciada. No primeiro caso, os russos recusam uma solução unilateral, como a proclamação da independência pelos kossovares – o que para Moscou poderia representar a ruptura de um dique no direito internacional. Enquanto isso, “solução diferenciada” seria o rompimento com o principio da vigência das fronterias soviéticas existentes depois de 1945 ( e por conseguinte, das próprias fronteiras europeus como existentes hoje ) e a conseqüente abertura de outro temível precedente (11) . Em suma, Moscou – e agora Paris, Bruxelas e Atenas – esperam a independência de Kossovo, mas somente em comum acordo com Belgrado, e com a assinatura de um acordo sob égide da ONU.

1. Kossovo,um território com 10 887 km2, conta hoje com aproximadamente 2.100.000 habitantes, dos quais algo em torno de 120 ou 180 mil são sérvios ( outros 200 mil fugiram para a Sérvia depois da guerra de 1999. Os ciganos formam ainda 2.4% da população, vivendo em situação bastante precária. Além disso cerca de 1% da população é turca, herança da época em que o Impéria otomano dominava a região. Ver em : http://www.tlfq.ulaval.ca/AXL/europe/Kosovo.htm

2. Ver LE MONDE Diplomatique. Kosovo ( artigo de capa assinado por Ignacio Ramonet ), Julho 2007, 54e., no. 640.


3. JUTARNJI LIST ( Zagreb ). PAVIC, S. Kosovo: scénarios catastrophes à Prístina ( Edição em Língua Francesa, doravante ELF ), 03/05/2007, p. 19. Tal conceito de “ independência vigiada” , já em prática na Bósnia-Herzegovina, assemelha-se, conforme vários autores, por demais, com o conceito de “protetorado”, conforme colocado em prática pela Sociedade das Nações depois da Paz de Versalhes, em 1919.


4. PRIMAKOV, Evgeni. Au Coeur du Pouvoir. Paris, Éditions des Syrtes, 2001, p. 226.


5. Idem, Op. Cit., P, 225.
6. Para o debate sobre a construção de uma “Grande Albânia” ver:
http://www.kosovo.net/gralbania.html

7. INTERANTIONAL HERALD TRIBUNE ( Paris, édition française ). Plaidoyer pour une partition. 14/02/2007, p. 16.

8. NEZAVISSIMAIA GAZETA ( Moscow ). Why Moscow is against? ( Edição em Língua Inglesa, doravante ELI ), 28/06/2006, p. 37.

9. Tal distinção é fundamental para Moscou. Com uma constituição federal muito parecida com o regime da ex-Iugoslávia, Moscou insiste em distinguir entre as “repúblicas federais”, tais como a Ucrânia ou a Croácia e as províncias ou regiões autônomas, como Kossovo ou ( no caso russo ) a Tchetchênia ou Daguestão. As primeiras gozavam de direito constitucional de secessão, sendo portanto a independência um processo legal. Já as regiões autônomas – Kossovo, Daguestão ou Tchetchênia – são parte integrantes das “federações” sucessores da URSS e da Iugoslávia. A independência de tais regiões seria, neste caso, o desmembramento de um Estado-Nação. Outros países entendem da mesma forma a distinção, como a Índia ou a China Popular. Assim, embora a independência seja possível, deveria – necessariamente – ser negociada pelas partes e não declarada por uma força externa. Da mesma forma, invertendo a sua posição, Moscou ameaça a aplicar ao espaço pós-soviético o mesmo tratamento dispensado pelas potências ocidentais ao Kossovo. Assim, Moscou – na esteira do reconhecimento de Prístina – apoiaria a independência das “repúblicas” da Abkhazia, Ossétia do Sul e Adjaria em luta contra a Geórgia ( aliada dos Estados Unidos ) e apoiaria a anexação do Alto-Karabakh pela Armênia, em detrimento do Azerbaidjão ( outro aliado americano no Cáucaso ). LE MONDE Diplomatique. Escalade Militaire dans le Caucase. Julho de 2007, 54 année, no. 640, pp. 8-9.

10. Kossovo é considerado pelos sérvios o “berço” da nacionalidade, local onde surgiu identidade nacional sérvia, representada por um grande número de monastérios e igrejas bizantinas, marcando uma fronteira civilizatória entre a cultura cristã-bizantina ( em recuo ) e a cultura islâmico-turca, em avanço nos séculos XIII, XIV e XV sobre a Península dos Bálcans. Aí, no Kossovo, travaram-se as grandes lutas pela manutenção da autonomia e da identidade sérvia. Na II Guerra Mundial os alemães, visando destruir a Sérvia enquanto um pólo de resistência anti-germânica nos Bálcans, realizaram ampla limpezam étnica no Kossovo, expulsando os sérvios e aliando-se os kossovares islâmicos lcoais, que só então tornaram-se maioria no território.

Para mais informações ver:
http://www.kosovo.net/hist.html;http://www.kosovo.net/sk/history/kosovo_saga/default.htm
Ver também: AMNESTY INTERNATIONAL. «Les droits fondamentaux des minorités bafoués au Kosovo» dans Archives, 29 Avril 2003,
http://web.amnesty.org/library/index/fraeur700112003
Para a historiografia de Kossovo: MALCOLM, Noel. Kosovo, a short history. Londres, Macmillan Books, 1998. 11. FRANKFURTER ALLGEMEINE ( Frankfurt ). Auseinendersetzung um Kosovo. 14/06/2007, p. 7.
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leia na íntegra em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3731