O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a humanidade.
Joaquim Nabuco, 1849-1910

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quinta-feira, 4 de outubro de 2007

As polêmicas eleições libanesas

Deu no Vermelho:
por
Lejeune Mato Grosso*

Marcada para ocorrer em 25 de setembro passado, pela constituição do país porque o mandato do atual presidente Emile Lahoud vence em 23 de novembro próximo, sem quorum, acabou sendo adiada. Foi transferida para o dia 23 de outubro. Como isso pode alterar o tabuleiro já altamente complexo e explosivo do Oriente Médio, não poderia deixar de comentar esse assunto.

Alguns esclarecimentos históricos

Ainda que alguns libaneses de linha dita mais nacionalista não se considerem “árabes”, o Líbano foi arabisado de fato há mais de 1.300 anos, quando da expansão do império árabe-muçulmano no século VII. Conquistou uma certa independência como República em 1926, ainda que sob influência e colonização francesa, quando à época existia a Liga das Nações (sucessora da Sociedade das Nações e antecessora da ONU). Por isso inclusive muitos libaneses falam como segunda língua o francês. Uma nova dominação francesa ocorreu por ocasião da 2ª Guerra Mundial.
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A discussão que se faz no momento, cujo prazo constitucional vence no próximo dia 23 de novembro, é a eleição do novo presidente do país, cujo poder, entre outros, é indicar o primeiro Ministro, dissolver o parlamento, convocar novas eleições entre outros. A configuração atual na política libanesa faz com que o primeiro Ministro, Siniora, seja pró-Ocidental e pró-EUA e de certa forma aliado de Israel e os outros dois em campos opostos, recebem a solidariedade tanto da maior parte do povo, como de países vizinhos que enfrentam os Estados Unidos e Israel, como os governos da Síria e do Irã.
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Para efeitos de registro, quero dizer que as coisas estão tensas no Líbano. Ainda que eu não aposte um centavo em uma nova guerra civil, muita gente tem morrido. A lista de minha pesquisa mostra que em um ano e meio morreram um ex-primeiro Ministro, Hafic Hariri; quatro deputados (Bassel Fleihan; Gebran Tueni; Walid Eido e Pierre Gemayel, que era deputado, mas estava ministro quando morreu e era sobrinho de Amin Gemayel, de família extremamente rica no Líbano); um jornalista (Samir Kassir) e um político sem mandato (George Hawi).

Que é quem no parlamento libanês hoje

Como disse, o atual primeiro Ministro só pode ser nomeado porque seu grupo, sua coalizão, chamada de “14 de Março” (dia da morte de um líder libanês) obteve a maioria dos deputados nas eleições. A divisão de forças no parlamento ficou assim constituída:

* Governistas – possuem 68 cadeiras assim distribuídas:

a) Movimento Futuro – cujo líder é o filho do ex-primeiro Ministro assassinado, Hafic Hariri, que é deputado, Saad Hariri e é o líder da maioria no parlamento. Apóia firmemente Fouad Siniora e quer eleger o próximo presidente. Possuem 36 cadeiras (28,12%);

b) Bloco Trípoli – possuem apenas cinco cadeiras (3,9%) e são oriundos dessa região libanesa;

c) Social Progressista – são lideradas pelos drusos (uma linha diferente de muçulmano, nem xiita nem sunita). Seu chefe político é Walid Jumblat, filho do falecido Kamal Jumblat. De progressistas tem só o nome, pois fazem o jogo da direita hoje, ainda que no passado tenham combatido a falange cristã essa sim de extrema direita de Amin Gemayel. Possuem 16 cadeiras (12,5%);

d) Força Libanesa – liderada por Samir Geagea, ex-senhor da guerra e tem seis deputados (4,68%);

e) Kataeb – possuem também cinco cadeiras (3,9%).

Ao todo, portanto, esses governistas com suas 68 cadeiras, detém 53,12% do parlamento, maioria, é bem verdade, mas não o suficiente para eleger o presidente, com dois terços.

* Oposição – possuem 57 cadeiras no total (44,53%), pois existem outros três deputados que na maior parte das vezes acaba votando com a oposição (registre-se aqui ainda que desde o início do ano passado, quando da eleição do parlamento, três deputados foram assassinados). São os seguintes os grupos políticos da oposição:

a) Amal – grupo político liderado pelo atual presidente do parlamento, Nabih Berry e que possui 14 cadeiras (10,93%). São muçulmanos xiitas. Eles vêm pregando um candidato de consenso entre os grupos, para que a oposição possa ter direito de veto no parlamento;

b) Hezbolláh – seu líder máximo é o jovem clérigo muçulmano também xiita Hassan Nasrallah, que liderou a resistência libanesa, com outras forças, nos ataques por 32 dias seguidos que Israel perpetrou em julho e agosto de 2006 no Sul do país (norte de Israel). Está fortalecido hoje e é extremamente popular no país. Tem 14 cadeiras (10,93%). Possuía cinco ministros no governo e entregou os cargos e faz ferrenha oposição à Siniora, ao qual consideram pró-EUA;

c) Partido Nacional Sírio – é uma espécie de sessão libanesa do Partido Socialista Árabe, que estava no poder com Saddam Hussein no Iraque, onde foram desmantelados, mas ainda mantém-se forte na Síria, com o presidente Bachar El-Assad. Possui apenas sete cadeiras (5,46%);

d) Movimento de Mudança e Reforma – seu líder máximo é o ex-primeiro Ministro e cristão, o general Michel Aoun, que vivia, até o ano passado, no exílio. Era considerado anti-Síria, mas fez alianças com setores amigos da Síria e os xiitas e parte dos sunitas e constituiu um bloco político forte e é candidato a presidente do país.

Perspectivas e desdobramentos

Como por força constitucional para ser presidente do país, ainda que não pelo voto popular, pois a eleição ocorre pelo parlamento, é imperativo que o político candidato seja cristão, por mais populares que possam ser o atual primeiro Ministro Siniora e o líder oposicionista Nasrallah, não podem ser candidatar por serem muçulmanos. Podemos achar absurdo – e de fato é mesmo do ponto de vista democrático e da separação do estado das religiões conforme nossa cultura ocidental – mas devemos respeitar a soberania libanesa e procurar analisar dentro dessa perspectiva.
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Há vários candidatos possíveis nesse cenário, que a grande imprensa, cuja maioria esmagadora dos correspondentes que cobrem o Oriente Médio, sequer falam árabe, mas apenas inglês e francês, vem ventilando. São eles, além de Michel Aoun, Nassib Lahoud (apesar de parente do atual presidente, ainda que distante, é contra ele e foi primeiro Ministro); Michel Suleiman, atual comandante das Forças Armadas (que pouco ou quase nada fez contra os ataques israelenses que mataram mil e duzentos libaneses, feriram outros quatro mil e deslocaram quatro milhões de pessoas no sul do país) e Riad Salameh, diretor do Banco Central libanês. Todos esses três últimos são pró-ocidente e apoiados pela coalizão governista. Nesse cenário, toda a oposição vai tentar descarregar votos no cristão Aoun.
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A ONU, na sua sessão da Assembléia Geral, aberta sempre por um brasileiro, desde 1948, acabou, através do presidente temporário de seu conselho de segurança, que é ministro das relações exteriores da França, pedindo uma solução rápida, limpa e que as eleições sejam livres, sem a “interferência de nenhum país”, numa clara e direta alusão à Síria, país vizinho, irmão e aliado tradicional e antigo do Líbano e que vem adotando posições de firmeza no enfrentamento aos americanos e em apoio aos palestinos.
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Caso até o dia 23 de novembro não se chegue a um acordo, a constituição também fala que o primeiro Ministro assume os poderes de chefe de Estado, do executivo, acumulando um poder que a oposição não quer que tenha. Por isso, é possível um acordo. Ninguém quer uma situação que ocorreu em 1988, em plena guerra civil, quando o Líbano chegou a ter dois primeiros Ministros, o general Aoun, cristão, e o sunita Selim Hoss. Como analista internacional, não podemos prever o que vai ocorrer, mas o cenário mais provável é que ocorra um acordo, sob pena de vermos o cenário cada vez mais radicalizado. Voltaremos ainda a esse tema outras vezes para informar nossos leitores.

* Lejeune Mato Grosso, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Vice-presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association
Leia na íntegra em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=26160

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